USE terá objectivamente um fim inglório que o colocará na História da Guiné-Bissau como o golpista em "motu proprio", contra o seu próprio Povo, em nome do qual dizia exercer o Poder.
Desta vez, a estratégia de USE de poder a qualquer preço, violando todas as regras e normas, prendendo, agredindo, raptando ou mesmo matando ,vai-se tornando publicamente insuportável até para aliados.
Se é verdade que o autogolpe parece tosco, também é real que a vigilância e a resistência dos guineenses no País e na Diáspora travaram aquilo que podia ser só mais uma das inúmeras façanhas de Embaló, actos geralmente criticados de início de forma leve e/ou dissimulada, mas que depois são naturalizados pela dita comunidade internacional e por organizações regionais e continentais africanas.
Nesse autogolpe de Estado, dado depois da contagem e do apuramento dos resultados das eleições presidenciais e na véspera da sua divulgação, Embaló ignorou variáveis importantes.
Por exemplo, ignorou os esforços hercúleos que países como a Nigéria (potência regional) e outros têm de fazer para tentar salvar o que sobra da moribunda CEDEAO.
Esqueceu-se de que, para realizar essa tentativa de salvação da CEDEAO, hoje com pouca ou mesmo nenhuma credibilidade, a organização tem de deixar de aparar golpes constitucionais com lawfare à mistura, como acontece demasiadas vezes na África Ocidental.
Numa região e num continente onde os golpes e as tentativas de golpes de Estado (a última foi no Domingo passado, 7/12, no Benim) se sucedem a uma velocidade que faz lembrar as décadas de 60, 70 e 80 do século XX, quando a alternância no Poder era geralmente através de golpes de Estado, Embaló ignorou, igualmente, a solidariedade da opinião pública africana, cansada de regimes sem liberdade nem dignidade.
Esqueceu-se ainda de olhar com olhos de ver e analisar o relatório da missão de observação da SADC sobre as eleições tanzanianas de Outubro passado e identificar as semelhanças e diferenças entre o processo político que liderou e o do País da Presidente Samia Hassan.
A Tanzânia, que entrou na História ao ver as suas eleições consideradas fraudulentas pela organização regional da África Austral, devia pairar no pensamento e equação de Embaló, assim como de todos os déspotas.
Muito provavelmente com o caso Tanzânia no horizonte, na CEDEAO algumas vozes vão dizendo a Embaló que atingiu o limite de golpes e "inventonas" à sua disposição.
Na tentativa de salvar-se a si mesma, a CEDEAO pode fazer de Embaló,  peão de Paris e Lisboa, o "cordeiro do sacrifício", depois de, com o seu silencio, deixar passar falcatruas políticas e eleitorais idênticas de Alassane Ouattara, outro delfim dos gauleses, 83 anos, Presidente da Costa do Marfim desde 1993.
Com a França de Emmanuel Macron, USE, apadrinhado pelo então Presidente do Senegal, Macky Sall, estabeleceu uma estreita relação de amizade que lhe franqueou as portas do Eliseu e fez dele um activo importante da famigerada Françafrique, programa político neocolonial francês para o continente africano.
Em Portugal, USE transformou-se no "irmão" indispensável do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) que, de forma indisfarçável, vai mostrando que não morre de amores pela oposição guineense, particularmente pelo partido fundado por Amílcar Cabral, PAIGC, e seu actual líder, Domingos Simões Pereira (DSP), agora preso político dos golpistas.
No quadro dessa irmandade, MRS condecorou Embaló com o mais alto galardão da República Portuguesa, o grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, a mesma distinção atribuída a Nelson Mandela, símbolo da luta contra o Apartheid. 
Como favor político paga-se com favor político, em troca, o PR português foi homenageado com a atribuição do seu e nome a uma das principais ruas de Bissau, que leva também a sua imagem, num acto inédito na História da Guiné-Bissau, mas que serviu para alimentar o ego de MRS.
Homenagem que se junta à medalha Amílcar Cabral, a mais alta condecoração do Estado da Guiné-Bissau, atribuída dois antes por Embaló ao Presidente português.
Como bom autocrata e senhor de assinalável egolatria, o então PR da Guiné-Bissau apostou milhões para forjar uma imagem de exímio diplomata, amado e desejado por todos. Ocidentais e seus "lacaios e cachorros" (Amílcar Cabral), liberais, orientais, panafricanistas, socialistas, comunistas e anti-imperialistas.
Criou um mito. Auto-avaliou-se como o melhor político guineense de todos os tempos, acima do "ultrapassado" Amílcar Cabral.
O auto-golpe para inverter a clamorosa derrota nas presidenciais, infligida por Fernando Dias da Costa, apoiado pela coligação PAI Terra Ranka e seu líder, DSP, foi rapidamente denunciado pela resistência guineense, bem como pelo primeiro-ministro do vizinho Senegal, Ousmane Sonko, por Goodluck Jonathan, pelo senador da Libéria Edwin Melvin Snowe e também pela missão de observação da União Africana,
No entanto, mereceu da parte de aliados ocidentais de USE algum silêncio ou ambiguidades coniventes.
Sem condenar expressamente a acção autogolpista de Sissoco Embaló, o Governo de Lisboa apela "a que todos os intervenientes se abstenham de qualquer acto de violência institucional ou cívica", e Marcelo Rebelo de Sousa considerou um "assunto interno" da Guiné-Bissau. Mas, a Venezuela não é assunto interno dos venezuelanos.
Enquanto isso, Macron vai-se desdobrando em contactos para encontrar refúgio seguro e temporário para Embaló, pressiona a CEDEAO a tudo fazer para que "son nouveau garçon" continue no Poder na Guiné-Bissau como bom e legítimo representante da Françafrique.
Em situação instável e sem perspectivas de solução proximamente, na Guiné-Bissau, o país africano com a mais heróica e vibrante luta de libertação nacional, joga-se hoje o futuro dos processos político-eleitorais e, consequentemente, a estabilidade de África.
Num continente onde democracia simboliza luta fratricida pelo poder como instrumento de enriquecimento fácil, a saída para a Guiné pode passar pelo fim do silêncio cúmplice das organizações africanas, demarcando-se pública e expressivamente de toda a tramoia sissoquista , incluindo dos militares golpistas, fiéis representantes de USE.
Essas organizações devem, para além de condenar inequivocamente Sissoco Embaló e seus procuradores golpistas, decretar sanções contra autores e mentores do golpe de Estado contra o processo eleitoral e a vontade popular guineense.
Devem, por isso, publicar oficialmente, em conferência de imprensa, presencial e online os resultados eleitorais na posse de todas as missões de observação.
Se Sissoco Embaló ignorou os novos movimentos pro-liberdade e dignidade da Geração Z africana, a CEDEAO e a União Africana, para a sobrevivência de ambas, devem olhar para a actual crise guineense como a oportunidade de mostrarem que estão atentas, compreendem e respeitam os anseios de mudança de modelo político e de desenvolvimento manifestados por essa Geração
A UA e a CEDEAO deviam interpretar como um aviso a atitude dos guineenses que, em defesa do seu voto, permaneceram nas assembleias de votação até ao apuramento dos resultados eleitorais. E deviam interpretar como mudança. De forma pacífica. Através do voto.
A CEDEAO, a UA e outros parceiros ainda podem incentivar ao diálogo, ajudar os militares a regressar às casernas e a iniciar um processo que torne civil o poder político, respeitando sempre a vontade dos guineenses.
Ainda podem travar essas democracias da morte (Kenneth Kaunda), se aceitarem e respeitarem a soberania popular.