E, para forçar, Vladimir Putin a começar a caminhar na direcção que a Casa Branca e os aliados europeus da Ucrânia entendem ser a certa, que é aceitar as suas condições para assinar um cessar-fogo - congelar o conflito na actual linha da frente - Washington e Bruxelas sincronizaram o anúncio de novos pacotes de sanções económicas a Moscovo.
E no mesmo dia em que se ficou a conhecer o 19º pacote de sanções da União Europeia à Rússia, incidindo fortemente no que resta da indústria de petróleo e gás, e nos seus principais clientes, a China e a Índia, e abrindo a porta para deitar a mão aos 140 mil milhões de euros em fundos russos congelados no sistema financeiro europeu, a Casa Branca anunciou punições sobre as empresas subsidiárias das petrolíferas russas com presença nos EUA.
A frente sancionatória que agrega EUA e União Europeia visa, têm estado a explicar a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, e o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, visa obrigar Vladimir Putin a sentar-se à mesa das negociações pressionado pela persistente debilitação da economia russa.
Claro que os efeitos das novas sanções pretendidos estão longe de estar garantidos, porque, como explicava o analista de política internacional Tiago André Lopes, na CNN Portugal, ao sancionar as subsidiárias da Lukoil nos EUA, Washington está, efectivamente, a punir os donos das empresas em sistema de "franchising" e não a Rússia.
A aposta europeia são as sanções...
Já no que diz respeito às sanções europeias, estas, ao longo dos anteriores 18 pacotes, em quase 4 anos de guerra, revelaram-se ineficazes devido à estratégia russa de redireccionar a sua economia para oriente, enquanto a questão do uso dos fundos russos congelados nos bancos europeus, não deverá vingar porque isso levaria a uma perigosa desconfiança no sistema financeiro europeu e há vários países que se opõem.
Todavia, a maior sanção de Donald Trump a Vladimir Putin pode muito bem ter sido a desmarcação do encontro que o próprio anunciou para Budapeste, na Hungria, dentro de duas semanas, depois de ter recebido, na passada quinta-feira, 16, um telefonema do Kremlin onde a segunda conversa presencial tinha ficado agendada...
Isto, porque, se é verdade que foi no decurso dessa conversa telefónica que Trump recuou na ideia de fornecer os já famosos mísseis Tomahawk a Kiev, o que estava previsto ser anunciado para o dia seguinte, sexta-feira, 17, num almoço com o Presidente Volodymyr Zelensky na Casa Branca, não é menos certo que depois disso o americano voltou a aproximar-se dos ucranianos e dos europeus.
É claro que os media ocidentais fazem o relato diário destes zigue-zagues de Trump vincando a sua importância no contexto da guerra na Ucrânia, mas a verdade é bem mais abrangente.
Porque, como nota o reconhecido analista norte-americano e professor da Universidade de Chicago, John Mearsheimer, os Estados Unidos nunca se desviaram do seu objectivo prioritário, que é enfraquecer a Rússia para que este país deixe de ser uma mais-valia para a China no âmbito do confronto pelo domínio planetário que já é visto como inevitável no futuro breve entre os dois titãs mundiais: EUA e China.
Estratégias e interesses
E estes avanços e recuos de Trump em direcção a Putin têm, sublinha Mearsheimer, de ser enquadrados neste desígnio vital para a hegemonia norte-americana, ao mesmo tempo que o coronel Jacques Baud, antigo elemento da intelligentsia suíça na NATO, defende que também o conflito na Ucrânia deve ser analisado num contexto mais alargado, porque Moscovo não está apenas a destruir a capacidade militar ucraniana, está também a liquefazer a solidez de guerra ocidental ao destruir equipamento fornecido a Kiev pelos seus aliados europeus e americanos.
Embora este jogo por detrás dos panos seja o que verdadeiramente importa para se perceber o contexto de guerra ucraniano, na boca de cena estão as declarações bombásticas de Donald Trump, as respostas russas e a gritaria dos europeus para fazerem de conta que ainda são relevantes mesmo que a Casa Branca e o Kremlin há muito os secundarizem.
E a frase que está nos espaços mais importantes dos media por estes dias em todo o mundo é de Trump onde diz que cancelou o encontro com o Presidente Putin porque não lhe parecia correcto mantê-lo verificando que "presentemente não se está a ir a lado nenhum", ao que acrescentou de forma usual para quem não quer dar por findo o show: "Mas vamos realizar esse encontro no futuro".
"É verdade que sempre que converso com o Vladimir, são boas conversas, mas, depois, não se vai a lado nenhum. Essas conversas simplesmente não dão em nada", disse ainda Trump, mesmo que, do lado russo, a versão dos factos seja totalmente o oposto, como o voltou a frisar o ministro dos Negócios Estrangeiros em Moscovo.
Sergei Lavrov fez saber que o que foi acordado por Putin no Alasca, aquando do encontro com Trump em Anchorage, a 15 de Agosto, "mantém-se inalterado e a Rússia está a cumprir todos os pontos definidos nessa conversa inicial".
Por detrás dos panos
Mesmo que não seja possível verificar ao detalhe que conversa foi essa e o que dela ficou plasmado em papel assinado, sabe-se que o Kremlin não alterou, ao longo deste mais de um ano, uma vírgula ao que disse Vladimir Putin em Julho de 2024 cobre as condições para acabar com a guerra, nomeadamente a questão da discussão das "raízes mais profundas" para o conflito.
Em síntese, o que o chefe do Kremlin disse nessa altura é que Moscovo exige o reconhecimento internacional da soberania russa nas cinco regiões anexadas, que são a Crimeia (2014), Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson (2022), a neutralidade de Kiev fora da NATO, nada de forças ocidentais na Ucrânia, a "desnazificação" do regime, e o respeito pela língua e cultura russas no que restar do actual Estado ucraniano.
O que significa que qualquer entendimento com os EUA e, posteriormente, com Kiev, tem de resultar de um acordo abrangente e bem discutido antes de qualquer cessar-fogo, o que implicou que o Kremlin tenha, de forma passiva, ou activa, porque não se sabe, feito perceber a Trump que a sua proposta de congelar a guerra nas suas actuais posições na linha da frente não é uma proposta viável.
Isto, embora Trump tenha conseguido que, ao contrário que que sucedeu no passado, Volodymyr Zelensky e os seus aliados europeus tenham dito que estavam de acordo comesses termos para parar o conflito, embora sem cedências permanentes de territórios, o que é visto como inaceitável pelo Kremlin.
Ainda por cima agora que as forças russas estão, como o reconhece o canal ucraniano no YouTube e afecto às suas Forças Armadas, Deep State, a avançar em toda a linha da frente em profundidade e no Donetsk, a mais importante e estratégica região para os desígnios de Moscovo, as principais cidades-fortaleza, como Pokrovsk, Kramatorsk e Sloviansk, ou ainda Kostyantynivka, estão à beira de cair para o lado russo...
O que fica por entender, no actual cenário, é que tipo de resposta vai dar o Kremlin a Trump depois desta sequência de acontecimentos claramente marcados pelo cancelamento do encontro de Budapeste, para o qual os russos estavam a dirigir boa parte das suas energias e expectativas, e quando se sabe (ver aqui) que a linha mais dura dentro do poder russo está a começar a abrir brechas na política de harmonização das relações com os EUA notadamente preferida e defendida por Vladimir Putin.