A instabilidade macroeconómica prevalecente corrói diariamente o poder de compra dos consumidores, constituindo-se num grande empecilho. Por conseguinte, me pareceu pertinente centrar a minha abordagem nesta reflexão em torno da problemática do poder de compra, reflectindo sobre os factores que o influenciam. Então, o que se entende por poder de compra? Ray Dalio, o bilionário fundador da Bridgewater Associates, define "poder de compra" como a quantidade de bens e serviços que uma determinada quantia monetária consegue comprar.

O dinheiro perde poder de compra, quando uma unidade monetária, por exemplo, Kz 10,00, que anteriormente comprava 10 pães, com o mesmo montante já só pode comprar 8 pães. O fenómeno que corrói o poder de compra da moeda é a inflação, que é a variação de preço no consumidor. Ora, quando 10 pães que no mês de Setembro custavam Kz 10,00, se no mês seguinte tivermos de desembolsar mais Kz 2,00 para comprar os mesmos 10 pães, significa que houve uma variação de preços mensal de (12,00-10,00=2,00), equivalente a um aumento de 20%. Por isso, os economistas fazem a distinção entre a riqueza nominal, que é o que efectivamente o dinheiro que dispomos (no banco ou no bolso) e a riqueza real, que representa o seu poder de compra.

A perda de poder de compra se dá, porque as fontes de rendimento dos consumidores, sejam pessoas singulares, sejam pessoas colectivas ou empresas, não variam na mesma proporção que os preços, que no final do dia, são os que vão determinar o poder de compra da moeda. A melhor forma de verificar o grau de corrosão do poder de compra é analisar, olhar para o preço de uma lata de Coca-Cola, partindo do ano base. Neste caso iríamos para o ano de 2014, que é quando este novo ciclo corrosivo do poder de compra iniciou. Em 2014 uma lata de coca-cola custava 70,00 Kwanzas.

Passados 11 anos, uma lata de coca-cola custa 575,00 Kwanzas (preço na rede retalhista da cidade do Lobito a 20-11-2025), ou seja, uma variação de 721,43%. O salário líquido de um professor auxiliar de universidade pública em 2014 era de Kz 317 855,39, em 2025, no momento que escrevemos o presente artigo é de Kz 526 000,00 mês, um aumento de cerca de 65,48% em mais de 10 anos. Pelo salário de um professor auxiliar, pode até, não se visualizar a gravidade da situação, pois se formos para os níveis de salário de um professor do ensino geral ou enfermeiros técnicos médios, cujos salários estavam em 2014 no intervalo de Kz 68 111,87, para professores do 13.º Grau e auxiliares de enfermagem de 3ª classe hoje próximo dos Kz 153 000,00, vê-se quão grave é a situação.

A analogia que trago da leitura dos escritos de Ray Dalio, que repetidas vezes mencionei neste espaço, é que a despesa de um agente económico (famílias, empresas e Estado), é a receita do outro agente económico. O activo (direito) de um agente, é passivo (obrigação) do outro agente. A permuta ou as transacções que ocorrem entre os agentes económicos, determina a intensidade da reprodução ou não da economia do país. Ora, a perda do poder de compra impacta directamente na capacidade de consumo. No exemplo da coca-cola que referi acima, vê-se que tendo em conta a redução do poder de compra dos consumidores, a empresa produtora do refrigerante teve de reduzir a produção, resultando na redução do pessoal que participa no processo de produção da Coca-Cola, o vendedor de matéria-prima, reduziu também os fornecimentos, a empresa que presta serviço de transporte ficou também afectada, redundando numa cadeia de reduções, a própria colecta de impostos ficou também afectada, que no final, se traduz, na desaceleração do crescimento económico, ou, em outras palavras na capacidade de criação de riqueza da economia.

Será o aumento do limite da isenção do Imposto de Rendimento do Trabalho (IRT) de Kz 100 000,00 para Kz 150 000,00, prevista na proposta do Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2026, ou o aumento das dotações para os programas sociais (Kwenda e outros), ou mesmo o ajustamento salarial, constituem as soluções adequadas para aumentar o poder de compra das famílias? Acredito que essas medidas podem ajudar no imediato, mas não resolvem o problema! São medidas de curta duração, porque não contrapõem as deformações estruturais que fragilizam a capacidade de criação de riqueza. Tal como referi na série de reflexões sobre "Por que razão as várias tentativas de reformas económicas não são bem-sucedidas?", o poder de compra aumenta-se com o aumento da capacidade de criação de riqueza. Enquanto a capacidade de criação de riqueza continuar a ser debilitada por uma série de factores objectivos, como o mau ambiente de negócio, a fragilidade das infra-estruturas e a escassez de pessoas qualificadas, continuaremos a ver à perda do poder de compra da moeda nacional, que se desvaloriza dia após dia, com a depreciação da moeda a corroer o seu valor real.

Naturalmente, a solução para aumentar o poder de compra da moeda e, consequentemente, das famílias, é a criação de condições para que os agentes económicos tenham condições de incrementar as suas actividades, que proporcionem ganhos, tendentes a criação da riqueza. Riqueza é poder! A riqueza vem do trabalho, vem das novas invenções e inovações. A realidade angolana, infelizmente, não proporciona estas condições às pessoas. As poucas empresas que vão sobrevivendo às consequências da corrosão do poder de compra dos consumidores, podem contar-se aos dedos. Estamos todos recordados de que, há alguns anos, existiam inúmeras pequenas empresas de construção civil e obras públicas, que iam oferecendo emprego em várias localidades fora dos grandes centros urbanos. A maioria sucumbiu por falta de pagamentos por parte do maior contraente (o Estado), que, não tendo pago as dívidas no seu devido tempo, corroeu o valor desses haveres. Por exemplo, uma dívida de Kz 100 000 000,00 (cem milhões de kwanzas) em 2014 equivalia a USD: 606 060,00 (quando 1,00USD = Kz 165,00). A dívida, não tendo sido liquidada em 2014, arrastou-se até 2025, quando 1USD = Kz 1005,00, que é agora equivalente USD: 99 502,50, verificando-se uma perda real de USD: 506 557,5. Aqui pode-se verificar quão destrutivos são esses incumprimentos por parte do Estado, quando não honra as suas obrigações, constituindo-se numa acção real de destruição de valor. Foi assim que desapareceram as pequenas empresas de construção civil e outras que se aventuraram prestar serviços às entidades públicas, resultando numa massiva destruição de emprego e, concomitantemente, na corrosão do poder de compra que se assiste.

O baixo poder de compra faz com que muitas iniciativas empresariais para novos investimentos não se concretizem, pois, os estudos de mercado preliminares acabam por indicar não haver viabilidade, devido à exiguidade do mercado. Porquanto, dos cerca de 37 milhões de habitantes, talvez nem 5% têm efectivo poder de compra para qualificar o financiamento da aquisição de uma viatura. Vejamos o exemplo do mercado automóvel. O maior comprador de veículos em Angola é o Estado. São raros os casos de pessoas singulares que adquirem viaturas para uso próprio, contrariamente ao que acontece nos mercados de países desenvolvidos, onde os particulares são os maiores compradores. Nos idos anos 2011 e 2012 verificou-se uma dinâmica no mercado em que o rendimento de um funcionário público, militares e polícias eram considerados elegíveis para a obtenção de crédito para aquisição de viatura. O mesmo se aplica ao crédito habitação. Porém, no actual contexto, com taxas de juro na ordem dos 20%, são poucos os orçamentos que conseguem suportar tal despesa, mesmo com a subsídios (no caso do crédito habitação), o mercado não reage.

A cadeia impactada negativamente pela degradação do poder de compra é longa, incluindo o próprio Estado, que deixa de ter receitas fiscais, porque as pessoas compram pouco. Em cada venda, incide o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no pagamento de salários, o IRT, no lucro da empresa, o Imposto Industrial, com os quais o Estado zela pelo bem-estar colectivo. Por conseguinte, a melhoria do poder de compra contribui objectivamente para a reprodução da economia, o que passa por uma melhor organização económica do país. Sem uma classe média vibrante e exigente, o mercado limitar-se-á ao consumo de produtos básicos para a sobrevivência.