No campo militar, as últimas 48 horas foram de extrema importância para que possa ser desenhado um mapa a mostrar o caminho para a paz com melhor definição. Neste período, as forças terrestres russas abrandaram a iniciativa em redor de Kiev, optando pelo uso de misseis de longo alcance e de precisão, disparados do Mar Negro, a centenas de quilómetros, para destruir objectivos, enquanto Kiev juntava pequenas vitórias na reconquista de território em torno da capital, mas também de Kharkiv, no leste, ou ainda nas proximidades de Odessa.
Face a esta relativa acalmia, substanciada ainda na diminuição dos refugiados que chegam às fronteiras da Polónia e da Roménia, nos corredores da diplomacia talhava-se mais um apoio para a paz, com o tom intrépido dos vídeos de Zelensky a baixarem de intensidade, anunciando pequenas cedências, como a reafirmação da neutralidade ucraniana ou a abertura, ténue, mas abertura, de canais para discutir com Moscovo a questão da integridade territorial do país, depois de a Rússia ter anexado a Crimeia, após um referendo, em 2014, e já este ano ter reconhecido oficialmente as duas repúblicas pró-russas do Donbass, Donetsk e Lugansk, ou ainda a abertura para que a língua russa, falada por 30% da população como 1ª língua, volte a ser de uso "legal" no país.
Apesar de tudo, e quando a guerra entra no seu 33º dia, só um destes pontos está integralmente assegurado, que é a desistência ucraniana de integração na NATO, ponto que está na génese do conflito, porque há quase duas décadas que o Kremlin, de Putin, tem vindo a advertir que o avanço desta Aliança Atlântica, criada em 1949 para travar os ímpetos da União Soviética, através do equivalente militar Pacto de Varsóvia, o seu braço armado, é uma ameaça insustentável à segurança vital da Rússia e que não toleraria a entrada nesta estrutura ocidental da Ucrânia, da Geórgia e da Moldavia, como sucedeu com outros países do leste europeu que se afastaram da Rússia com a queda do Muro de Berlim e o colapso soviético em 1991.
Com a vitória eleitoral de Zelensky em 2019, a questão da NATO foi colocada na Constituição, o que em Moscovo foi visto como um ultraje, tendo esse momento iniciado a preparação para esta guerra, que o Kremlin disse ser uma "operação especial" com o objectivo de desmilitarizar a Ucrânia, garantir a segurança do Donbass, onde, desde 2014, as populações locais, russófilas, são atacadas violentamente por forças nacionalistas leais a Kiev, e voltar a colocar a língua russa, entretanto, proibida, no ensino oficial e nas burocracia do Estado, desnazificando, ao mesmo tempo, a governação.
Com o avançar da guerra, Putin deixou de lado a questão da mudança de regime em Kiev como exigência, colocada sob a forma de desnazificação, o que tem a ver com a existência de batalhões de milícias, como o Batalhão Azov, integrados nas formas regulares, com origem nazi-fascista, como o demonstra toda a simbologia adoptada por estas forças nacionalistas, sendo isso visto como uma cedência negocial, ao que, do outro lado, foi correspondido com a anulação do processo de integração na NATO - que exige ainda uma alteração constitucional -, embora porque a NATO veio publicamente dizer que não está em cima da mesa tal questão.
Agora, quando é evidente, de acordo com analistas militares ocidentais, embora isso não se verifique no alinhamento editorial dos media ocidentais, que a Rússia tem consolidadas as suas posições territoriais no leste da Ucrânia, margem esquerda do Rio Dniepre, que separa o país em dois lados distintos, um mais russófilo, a leste, outro mais ocidentalizado, a oeste, restam em cima da mesa duas questões consideradas incontornáveis para que seja alcançado um cessar-fogo e sem as quais a paz se manterá como uma miragem no deserto: a aceitação por parte de Kiev da existência das repúblicas do Donbass e a aceitação da língua russa como fala nacional ucraniana ao lado do ucraniano.
Para já, como veio expresso nos media a partir de uma entrevista concedida por Volodymr Zelensky a jornalistas russos, embora esta tenha sido proibida de divulgação na Rússia, o líder ucraniano veio admitir que a "neutralidade" da Ucrânia, que é um dos tais três pontos fulcrais nas negociações, está a ser "estudada em profundidade", o que abrange ainda a segurança exigida por Kiev se aceitar essa condição estrutural e constitucionalizada, o que pode ser feito através de acordos com países terceiros, a decidir ainda.
Estes assuntos, decisivos para que as negociações que ponham termo a este conflito no leste europeu vejam uma luz ao fundo do túnel, voltam a ser centrais nas conversações que hoje reiniciam na Turquia, com os auspícios do ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlüt Çavusoglu, uma das forças motrizes deste já longo processo negocial.
Sendo que, desta feita, as possibilidades são melhores que aquelas que existiam antes da visita do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à Europa na semana passada, onde participou em reuniões de alto nível da União Europeia, G7 e NATO, de onde saíram alguns acordos essenciais da sua "agenda", o negócio da venda de 15 mil milhões de metros3 de gás americano aos europeus para que estes possam ir abandonado a dependência do gás russo, e a sua "chantagem" energética, e o aumento para 2% dos respectivos PIB"s europeus para a Defesa, o que só na Alemanha, com um PIB de 3 biliões, em 2020, representa gastos de 6 mil milhões USD/ano. Os EUA são, de longe, os maiores comerciantes de armamento aos europeus.
E, sendo igualmente verdade que Volodymyr Zelensky assentou uma grande parte da sua retórica belicista e desafiadora à Rússia invasora de Putin no apoio militar dos norte-americanos, estes, agora que já têm uma parte dos seus objectivos cumpridos, tendencialmente, segundo alguns analistas, vão-se afastando desse permanente alimentar do conflito, até porque está a gerar efeitos colaterais demolidores para as economias ocidentais, especialmente a europeia, mas também a norte-americana, face ao ricochete das pesadas sanções aplicadas a Moscovo.
Outro factor importante para os analistas que levará Joe Biden a uma retirada parcial estratégica do conflito no leste europeu é que as eleições intercalares deste ano, a 8 de Novembro, estão a ser um problema para os democratas visto que as sondagens mostram uma penalização como consequência da guerra e não um benefício, até porque a pressão inflacionista já atravessou o Atlântico, deixando alguma indisposição nos eleitores norte-americanos.
Mas esta questão poderá ser melhor avaliada após serem conhecidos os resultados desta rona negocial, presencial, que vaio ter lugar na Turquia, cujo Presidente, Recep ERdogan, tem mantido uma relativa equidistância face às partes em confronto, valendo-lhe uma posição importante como mediador.
Outro factor relevante para este desfecho, a desenrolar-se nos bastidores, onde, como sempre, tudo se prepara para emergir à mesa das negociações, é que as grandes potências económicas mundiais fora do "casulo" ocidental, como a Índia, a China ou o Brasil, ou mesmo a Turquia, e uma grande parte do continente africano, no seu todo, mas com a África do Sul na esteira, já deixaram claro que não estão disponíveis para isolarem a Rússia, como pretendiam os Estados Unidos e a União Europeia, o Japão ou a Austrália.
Isto deixa em evidência que pode estar em crescimento uma nova ordem mundial, onde as nações ocidentais se afastam do resto do mundo, num formato que alguns analistas ocidentais medem por "democracias versus autocracias ou Estados autoritários", mas que na Ásia, África ou América Latina tende a ser visto apenas como uma redefinição do mapa mundi dos interesses económicos e geoestratégicos.
O fiel da balança
Pequim é o fiel da balança global que pode fazer pender o desfecho da guerra na Ucrânia para o lado de Moscovo ou de Kiev, como o deixou claro na semana passada, em Bruxelas, o Presidente dos EUA, Joe Biden, que voltou a mostrar-se esperançoso de que Pequim tome a atitude certa que é, no seu entender, colocar-se ao lado dos norte-americanos e europeus na condenação de Moscovo.
Sempre que Biden se refere à China como um potencial aliado de Moscovo, deixando ameaças de que Pequim sofrerá severas consequências se apoiar militarmente ou financeiramente o seu esforço de guerra, o Presidente chinês manda dizer que a sua posição se mantém firme desde o primeiro dia na forma de neutralidade face aos combates mas igualmente firme na parceria económica e comercial entre os dois países, condenando as sanções ocidentais ao Kremlin que visam asfixiar a economia russa sem suporte na lei internacional.
E nem sequer o argumento que Biden usa para construir a sua retórica que é a ideia de que Pequim tem mais a ganhar com a Europa e os EUA como aliados no campo do comércio global parece colher a firmeza da posição chinesa, que já veio mesmo dizer que a parceria com Moscovo é "firme como uma rocha", o que parece ser igualmente o entendimento da Índia, outro gigante global que parece não estar a alinhar com a estratégia de isolamento de Putin pelo ocidente, tendo mesmo Nova Deli firmado robustos acordos económicos e comerciais com os russos nas últimas semanas.
Num tom persistentemente altivo, Joe Biden lembrou aos seus aliados, concentrados em Bruxelas, da NATO, da União Europeia e do G7, que, alem dos 27 europeus agrega ainda, nas três organizações, o Japão e o Canadá, que manteve uma conversa telefónica com XI JInping onde "de maneira muito clara" garantiu que o líder chinês entendia as "consequências de ajudar a Rússia".
Disse que não tinha feito ameaças a Jinping mas que lhe apontou o número de empresas ocidentais que deixaram a Rússia devido à guerra na Ucrânia, como que deixando entender que o mesmo poderá suceder com a China, gerando um caos económico se as multinacionais ocidentais deixarem o gigante asiático.
Não se sabe o que Xi JInping disse a Biden, excepto aquilo que a diplomacia chinesa repetiu, no sentido de não se desviar da sua posição de neutralidade face ao conflito mas também de parceiro estratégico da Rússia na área comercial e económica e de forte opositor às ilegais sanções ocidentais impostas à Rússia.
Mas sabe-se que a crise mundial que está a crescer em cima da guerra da Ucrânia e das sanções a Moscovo, as maiores de sempre impostas a um país, é já de tal ordem, com a inflação e o desemprego a dispararem na Europa e nos EUA, com os preços dos alimentos e dos combustíveis em níveis estratosféricos, e com os protestos sociais a multiplicarem-se por toda a Europa, além da fome que começa a grassar em África, na Ásia e mesmo na América Latina mais empobrecida, se o mesmo fosse aplicado à China, com o seu peso de 2ª maior potência económica mundial - a Rússia é a 12ª -, de maior importador mundial de crude, de maior exportador mundial de bens de consumo, com a maior parte da dívida externa dos EUA nos seus cofres, as consequências seriam de tal monta que dificilmente os políticos ocidentais que o fizessem sobreviveriam por muito tempo por entre as convulsões sociais e o desemprego galopante...
Relações Rússia-EUA em ponto de ruptura
A Rússia ameaçou os Estados Unidos da América com um histórico corte de relações diplomáticas depois deJoe Biden ter apelidado o seu homólogo Vladimir Putin de "assassino" e "criminoso de guerra", situação que deve ter piorado os humores do Kremlin depois de já este Sábado, o Presidente americano ter chamado "carniceiro" a Putin e ter dito que "um homem destes não pode permanecer no poder".
Este momento gerou uma forte polémica, com a Casa BRanca a vir a pública rectificar as declarações de Biden, dizendo que este não queria dizer o que disse, e depois de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter vindo criticar as suas palavras, considerando que "uma escalada verbal não ajuda a parar a guerra".
Recorde-se que Biden chamou "carniceiro" e disse que Putin devia sair do poder, já depois de uma primeira reacção vinda do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, onde este disse apenas que se tratou de uma declaração que não dignifica o cargo de Presidente dos EUA.
Mas logo de seguida o Governo russo aumentou o tom da resposta através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, admitindo uma ruptura entre os dois países.
Ao mesmo tempo, o embaixador norte-americano em Moscovo, John Sullivan, era chamado ao ministério dos Negócios Estrangeiros russo para lhe ser entregue uma nota de protesto e ser informado por Sergei Lavrov de que as relações bilaterais estão "à beira do colapso"..
Este escalar da tensão, inesperada depois de ter parecido que o Governo russa estaria a preferir desvalorizar as "ofensivas" palavras de Biden, surge num momento em que este está a preparar uma importante deslocação à Europa, que antecedeu de uma nova acusação a Putin, dizendo que o senhor do Kremlin pretende usar armas biológicas na sua guerra na Ucrânia.
Uma eventual consumação desta ruptura diplomática entre Moscovo e Washington tem um significado histórico de relevo porquanto ocorreria 105 anos desde que uma situação similar aconteceu, em 1917, ano em que que os EUA, era Presidente Woodrow Wilson, cortaram relações com a Rússia depois da tomada do poder pelo partido Bolchevique, que viria a dar corpo à comunista União Soviética, que Washington apenas reconheceu 16 anos depois, em 1933, estava Franklin Roosevelt na Casa Branca.
Para já, atravessar essa linha histórica de corte de relações, que significaria que as duas maiores potências mundiais no campo militar, detentoras dos dois maiores arsenais nucleares do mundo, deixariam de comunicar, pelo menos oficialmente, não foi ainda anunciada pelo Kremlin, mas o MNE russo já fez saber que é certo e seguro que essas relações foram severamente prejudicadas pelas declarações de Joe Biden.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Ryabkov, citado pelo site oficial Sputniknews, disse que, perante esta situação, "os EUA têm de parar a escalada das tensões, em termos verbais e na forma como estão a alimentar o regime de Kiev com armamento".
"Têm de parar de gerar ameaças para a Rússia", acrescentou o vice-MNE russo, Sergei Ryabkov, aproveitando para dizer aos jornalistas que se os EUA deixarem de incentivar Kiev, "o que não deve vir a suceder", então "estarão criadas condições para retomar a normalidade das relações" entre a Rússia e os EUA.
E não perdeu a oportunidade para garantir que as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia, no seguimento da invasão da Ucrânia, que a Rússia apelida de operação militar especial e condena os jornalistas que escrevem a palavra "guerra", ou todos aqueles que se refiram à entrada doas forças russas na Ucrânia como uma "guerra", não terão "qualquer efeito ou influência" na determinação de Moscovo.
A tempestade humanitária
O grito de alerta foi lançado já há muito tempo, considerado que esta guerra começou a 24 de Fevereiro com o avanço dos blindado russos sobre a Ucrânia - pelo Secretário-Geral da ONU, quando este, a 11 de Março, disse que uma avassaladora fome vai atingir a parte mais fragilizada do mundo, milhões de pessoas em África e na Ásia, já começaram a sentir os efeitos na forma de insegurança alimentar, se o conflito se prolongar.
António Guterres sabia do que falava e a fome é já uma realidade para milhões de pessoas na África Oriental, em países como a Somália ou a Etiópia, ou o Sudão, onde 20 milhões dos 45 milhões de pessoas do país estão à beira da fome severa, uma tragédia jamais vista, porque estes países, embora o mesmo suceda em muitos outros, como o Egipto, ou até Angola, indirectamente, dependem quase a 100% dos cereais adquiridos à Ucrânia e à Rússia, que já fecharam as exportações destes bens de forma a garantir a sua própria segurança alimentar em tempos de guerra.
A Rússia e a Ucrânia os campos agrícolas dedicados ao milho, trigo, cevada... da humanidade menos desenvolvida, produzindo 30% dos cereais em todo o mundo, e, ao mesmo tempo, o celeiro dos países mais pobres e a fonte de alimentos fornecidos, normalmente, pelas agências da ONU, como o UNICEF, o PAM ou outras... nas áreas de maior incidência de secas prolongadas, como o Corno de África, ou de, por exemplo, devastações produzidas por pragas de gafanhotos...
Em Angola, por exemplo, onde, tal como no resto do continente, mas não só, a generalidade dos bens da cesta básica estão a encarecer diariamente - o pão, por exemplo, em alguns locais
Contexto
A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 60%.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio