Volodymyr Zelensky deixou esta garantia porque entende que as gerações mais novas, a propósito da cerimónia onde discursava, só devem ter uma visão do que é uma guerra mundial através do cinema, o que encaixa melhor numa narrativa de quem busca resolver pela via negocial um confronto militar que já dura desde 24 de Fevereiro de 2022 e que o próprio diz que só vai terminar quando estiverem cumpridas exigências que sabe que o outro lado, a Federação Russa, não vai acatar em circunstância nenhuma.
Esta guerra nasceu de um longo processo de degenerescência das relações entre Kiev e Moscovo que começou com o colapso da União Soviética, em 1990, teve em 2014 um impulso faiscante com o golpe que derrubou Viktor Yanukovych, um Presidente pró-russo eleito em 2010, e a sublevação independentista das regiões de Donetsk e Lugansk (Donbass) e ainda a anexação da Crimeia por Moscovo após referendo.
Agora, depois de Moscovo justificar a intervenção no país vizinho com aquilo a que chamou de genocídio em curso das populações russófilas e russófonas do Donbass por parte das forças de Kiev, que estava obrigado a proteger, versão que não é reconhecida pela comunidade internacional, e muito menos por Kiev, Zeçensky e o seu regime exigem como condição sine qua non a saída unilateral e até ao último soldado de todas as forças russas, incluindo a Península da Crimeia, não ficando de fora um centímetro que seja do mapa que é reconhecido pelas Nações Unidas.
A verdade, no terreno, está longe de corresponder à vontade de Zelensky que é passar a ver guerras apenas nos ecrãs do cinema, porque, embora nada esteja decidido e este conflito esteja a ser marcado essencialmente por avanços e recuos limitados das forças na frente de batalha, neste momento, o principal foco dos combates está a ser, como Kiev reconhece, favorável às forças russas, nomeadamente na estratégica região de Bakhmut, onde a unidade Wagner, paramilitares aos serviço do Kremlin, mercenários na visão de Kiev, tomaram a essencial neste avanço cidade de Soledar e mesmo em Bahkmut já conquistaram uma boa parte dos seus subúrbios, que estavam, segundo a Russia Today, quase em exclusivo a ser defendidos por mercenários ocidentais ao serviço de KIev, especialmente polacos e alemães.
Este momento é vitorioso para Moscovo porque se conseguirem, como tudo indica, tomar Bakhmut, uma cidade de Donetsk, uma das províncias anexadas pela Federação Russa em Setembro de 2022, o Grupo Wagner e as forças locais da República Popular de Donetsk passam a ter uma "passadeira vermelha" para levar este "filme trágico" até às margens do Rio Dniepre, considerada a muralha intransponível, tando de um lado como do outro, que praticamente divide a Ucrânia ao meio.
Se tal acontecer, admitem analistas militares, se os russos chegarem ao Dniepre, o que os colocaria muito além das fronteiras do Donbass, o Kremlin poderia dispor de um upgrade na sua capacidade de negociar, porque poderia ceder território inexpugnável em troca da aceitação de Kiev de cedência do Donbass e do corredor terrestre até ao norte da Crimeia, via Zaporijia e Kherson, as outras duas regiões anexadas em 2022.
Não se sabe que as palavras de Zelensky, que, no fundo, quando se dirigia aos actores na Cerimónia dos Globos de Ouro, em Los Angeles, na madrugada de terça-feira para hoje, quarta, 11, foram introdutórias para uma nova fase na abordagem ao que é necessário para levar a um cessar-fogo, até porque, como antigo actor de comédias, o Presidente ucraniano sabe que todos os "filmes" terminam com um "The End".
Sabe-se sim que Volodymyr Zelensky disse em Los Angeles, onde esteve remotamente, que "não haverá III Guerra Mundial" porque "não se trata de uma trilogia" sucessora das I e II Guerras Mundiais, "que tiraram a vida a dezenas de milhões de pessoas", tendo mostrado um enorme optimismo sobre o desfecho da guerra actual, onde já morreram milhares de pessoas e milhões se viram obrigadas a deixar as suas casas, dizendo que "é claro quem vai vencer!".
Mas não disse que em Bakhmut e Soledar se combate prédio a prédio, rua a rua como na II Guerra Mundial, e trincheira a trincheira, como na I Guerra Mundial, com pesadas baixas pelo caminho de um e do outro lado, fazendo deste conflito, desta batalha no Donetsk, a mais sangrenta na Europa deste 1945.
EU e NATO renovam "votos" de parceria anti-Rússia
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou esta quarta-feira, citada pela Lusa, a criação de uma 'task force' conjunta com a NATO para avaliar a debilidade das infra-estruturas críticas e melhorar a sua resiliência contra adversários que são uma crescente "ameaça às democracias"
"Hoje vamos lançar uma "task force" entre a União Europeia (EU) e a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para a resiliência das infra-estruturas críticas", anunciou Ursula von der Leyen, no arranque de uma discussão sobre defesa e segurança na College of European Commissioners, em Bruxelas.
A presidente da Comissão Europeia explicou que esta "task force" conjunta vai ser "composta por especialistas da NATO e da UE e vai trabalhar para identificar ameaças cruciais às infra-estruturas críticas, olhar para as vulnerabilidades estratégicas que têm e desenvolver princípios-chave para melhorar a sua resiliência".
Esta parceria surge menos de 24 horas depois de a Rússia e a China terem sido apontadas em Bruxelas, pela EU e pela NATO como principais adversários quando as duas organizações assinavam a terceira, e redundante, declaração conjunta, que só tem a valia de relembrar este posicionamento anti-Rússia.
Até porque, na mesma ocasião, o chefe da NATO, Jens Stoltenberg, insistiu, de novo citado pela Lusa, na ideia que esta parceria "é mais importante do que nunca", o que salienta o facto de que a UE e a NATO serem, de facto, os principais aliados de Kiev, garantindo um apoio ilimitado em armamento convencional, havendo, no entanto, dúvidas sobre o envio para o terreno de equipamento mais pesado, e no financiamento do regime de Kiev, com largas dezenas de milhares de milhões de euros ao mesmo tempo que aplicam a Moscovo as mais duras sanções alguma vez atiradas contra um país.
O que levou a que Kiev viesse, através do ministro ucraniano da Defesa, Aleksey Reznikov, dizer aos seus aliados para não se esquecerem de que eles apenas dão dinheiro e armas porque quem dá o sangue em nome da NATO são os ucranianos.
Kiev em missão em nome da NATO
Este esforço permanente, refrçado nos últimos dias, dos países ocidentais para garantir capacidade de defesa e de ataque aos ucranianos, que inclui, além dos blindados, os sistemas de defesa anti-aéreos mais sofisticados, os Patriot, visando a manutenção de Bahmut, bem como de outras localidades estratégicas - mas nenhuma como aquela - no Donetsk, foi acompanhado de uma declaração de grande relevo por parte do ministro da Defesa ucraniano, que veio a público dizer que o seu país também está a combater os russos em nome da NATO.
Esta foi a primeira vez que um responsável de topo em Kiev admitiu que as suas forças miliares combatem no lugar da NATO e dos EUA para fragilizar a Rússia, o que obriga, provavelmente, a um reposicionamento do ocidente.
As palavras do ministro ucraniano da Defesa, Aleksey Reznikov, foram ainda mais desafiadoras para Washington e os seus aliados da NATO, sublinhando que nesta guerra em que a Ucrânia combate em nome do ocidente, estes países apenas entram com equipamento militar enquanto os ucranianos com o sangue derramado no campo de batalha.
Em entrevista a um canal ucraniano, o governante disse ainda que a Rússia é oficialmente apontada - foi assim dito na Cimeira de Madrid em 2022 - como a principal ameaça ao ocidente, e que, "hoje, a Ucrânia está a levar a cabo uma missão em resposta a essa ameaça em nome da NATO sem que esses países derramem o sangue dos seus povos porque a Ucrânia derrama o sangue do seu povo", o que, acrescentou, "exige que nos providenciam as suas melhores armas", onde entra a questão dos blindados pesados.
Entretanto, para fazer frente com sucesso aos russos, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas da Ucrânia, General Valery Zaluzhny, disse numa entrevista recente a The Economist, que KIev precisa de mais de 300 blindados, 600 carros de transporte de militares e 500 peças de artilharia, o que é um "menu" bem recheado para a capacidade de resposta ocidental, que, segundo alguns analistas, se aproxima rapidamente da sua saturação em vários tipos de armamento, desde logo veículos blindados e howitzers (canhões).
E a paz pode chegar no "estilo coreano"
Desde que a guerra da Coreia deixou de fazer vítimas na Península Coreana, na década de 1950, ambos os lados, Norte e Sul, mantiveram as posições, a partir de 1953, numa linha definida pelo Paralelo 38, com a assinatura de um armistício mas sem a confirmação por um acordo de paz.
Esta realidade coreana foi imposta pela incapacidade de ambos os lados, o Norte apoiado pela China e pela URSS, enquanto o Sul era apoiado pelos EUA e pelos seus aliados ocidentais, em avançar mais um milímetro no terreno ocupado pelo outro, consolidando posições com fortificações inexpugnáveis, o que é quase em tudo semelhante com o que se está a verificar no leste da Ucrânia, onde nem russos nem ucranianos parecem conseguir empurrar o opositor das suas posições actuais, mesmo que aqui e ali possam surgir avanços muito limitados e insignificantes.
É por isso que o Governo de Volodymyr Zelensky está agora a acusar Moscovo de pretender conduzir a guerra para um beco sem saída "estilo coreano", formalizando o status quo.
O chefe do Conselho Nacional de Defesa e Segurança de Kiev, Aleksey Danilov, acusa os russos que quererem impor uma situação como a que subsiste há décadas na Península Coreana, o que lhes permitiria, a Moscovo, ganhar uma substancial parte dos territórios ucranianos que conseguiram ocupar até aqui.
Esses territórios consistem basicamente na Península da Crimeia, integrada na Rússia em 2014, e numa grande parte das regiões anexadas em Setembro do ano passado, Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson, o que, a verificar-se, seria claramente uma vitória limitada de Moscovo sem que Kiev não deixasse de puder dizer que também conseguiu uma posição valorizável face à impossibilidade de a Rússia conseguir totalmente os seus intentos.
Esta possibilidade de solução ao estilo coreano é, para já, recusada por Kiev, mas, ao que disse o responsável ucraniano, as chefias russas estão a tentar impô-la como razoável à União Europeia e aos EUA.
Até agora não existe quaisquer reacções em Bruxelas ou em Washington, mas esse silêncio, em diplomacia, pode ser interpretado como um momento de reflexão sobre uma proposta com alguma, pelo menos, exequibilidade.
Ainda assim, em Moscovo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov veio já negar quaisquer movimentações russas nesse sentido.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.