Depois de cair o seu último reduto, como se previa, os guerrilheiros da TPLF, liderados por Debretsion Gebremichael, optaram por procurar novo terreno de combate nas intrincadas montanhas da província que ladeiam a cidade de Mekelle que fica a mais de 2.500 metros de altitude, onde estão, agora, segundo o Governo de Adis Abeba, a ser perseguidos por patrulhas do Exército e da polícia.
Esta caça ao homem é dirigida aos lideres da FPLT e foi lançada depois de terminada a operação militar sobre Mekelle, que, ao contrário do que estava previsto, até porque Debretsion Gebremichael tinha garantido que a resistência seria até ao último homem, não contou com qualquer resistência e o guerrilheiros estão, agora, com as suas forças intactas protegidos pelas montanhas que conhecem bem e são, segundo analistas, impenetráveis para colonas militares.
No entanto, apesar da acalmia descrita por elementos de organizações humanitária que se vivia nas últimas horas em Mekelle, os hospitais debatiam-se com largas dezenas de feridos, resultado do avanço da tropa de Abiy Ahmed sobre a cidade que conta com mais de 500 mil habitantes, apesar de mais de 60 mil terem fugido horas antes, a maior parte para atravessar a fronteira com o Sudão.
Numa mensagem enviada à Reuters, o líder da FPLT garantiu que vai continuar a luta pela autodeterminação e que este desfecho do assalto à cidade de Mekelle não quer dizer que a luta desapareceu.
"A sua brutalidade só nos vai manter com mais vontade para combater os invasores", disse Debretsion Gebremichael, respondendo ainda à agência, ciada pelo The Guardian, que a luta vai continuar porque "se trata de defender o (seu) direito à autodeterminação!".
Face a este desfecho, o primeiro-ministro e Nóbel da Paz 2018 tem tudo para surgir perante o povo etíope como um líder sólido, mas os analistas advertem para a dificuldade de manter esse estatuto face ao previsível surgimento de desgaste gerado pela guerra de toca-e-foge que se espera que seja agora a opção dos lideres da TPLF.
O desgaste que isso pode gerar nas forças federais com o correr do tempo pode virar-se contra Ahmed, que dificilmente poderá continuar a justificar o aumento de mortes entre civis que, segundo as ONG no terreno, são já milhares, crendo-se que o mesmo sucede entre os militares, embora nessa aspecto a informação seja mais difícil de obter.
Para já, existem sinais de que a FPLT mantém capacidade de responder e de atacar, visto que a capital da Eritreia, Asmara, que dista escassas dezenas de quilómetros da fronteira com Tigray (Etiópia) foi atingida por foguetes lançados pelos guerrilheiros de Debretsion Gebremichael no Sábado.
A capital da Eriteia foi atingida com pelo menos seis roquetes no Sábado e por um número indeterminado no Domingo.
A ofensiva começou na quinta-feira
A partir de Adis Abeba, a capital etíope, onde a União Africana (UA) tem a sua sede continental, o primeiro-ministro Ahmed ordenou que a prometida ofensiva militar fosse iniciada, na quinta-feira.
União Africana, ONU, os países vizinhos da Etiópia na já de si massacrada região do Corno de África, apesar do forte empenho no apelo ao diálogo entre as forças rebeldes de Tigray e o Governo federal, não foram capazes de travar o recurso às armas para resolver um diferendo histórico que opõe os independentistas da TPLF e as forças federais.
Apesar de o comandante das forças federais ter dito há dias que se os rebeldes não depusessem as armas, a ofensiva seria sem quartel e sem poupar ninguém, incluindo os civis que não fugissem da cidade, o o primeiro-ministro, nas redes sociais, corrigiu o tiro e veio garantir, no dia da ofensiva, que seriam tidos todos os cuidados para poupar as vidas dos habitantes que não conseguiram fugir ou optaram por ficar, bem como poupar ao máximo as infra-estruturas ubanas.
No Twitter, Ahmed publicou um documento oficial onde explicava que o ultimato chegara ao fim e que centenas de rebeldes se renderam mas que o grosso das forças não o fez, estando, por isso, a ter início a ofensiva prometida para repor a lei e a ordem.
Face a isso, pediu aos habitantes de Mekelle que se mantivessem longe dos alvos militares, que ficassem em casa e tomassem as precauções necessárias para não se exporem ao perigo provocado por "um punhado de criminosos da TPLF" que serão levados à justiça a bem ou a mal.
Sob o título do seu tweet, "A fase final das operações para garantir o cumprimento da lei começaram", Abiy Ahmed deu o passo que pode culminar em mais uma prolongada guerra de atrito em África, visto que os rebeldes da TPLF, depois de dizerem que não se iriam render, optaram agora pelas montanhas para reagrupar e retomar a iniciativa de guerrilha.
Crise humanitária
Mais de 60 mil pessoas já passaram a fronteira com o Sudão em busca de segurança e as ONG no terreno admitem, apesar de difícil confirmação, que foram feitos milhares de mortos e feridos de um e do outro lado das forças em combate.
A severa crise humanitária que se adivinha para a região contextualizada pelas linhas de fronteira da Etiópia (Tigray), Sudão e Eritreia, está a juntar as vozes dos governos africanos da região, da União Africana e da ONU, no sentido de levar as partes em conflito à mesa das negociações, mas, até agora, isso tem sido rechaçado com veemência, tanto pelos homens e mulheres do movimento guerrilheiro de Debretsion Gebremichael como pelas forças federais de Abyi Ahmed.
E o pior, como têm notado analistas ouvidos pelas agências internacionais, é que Debretsion Gebremichael parece estar disposto a manter a decisão de não depor armas, prometendo levar a luta para todos os cantos da província e também das regiões limítrofes a partir das montanhas de Tigray.
O histórico
Esta guerra resultou de meses a fio de um constante e sólido aumento das tensões entre os rebeldes e o Governo de Abiy Ahmed, depois de o seu Governo ter adiado eleições devido à pandemia mas com os lideres de Tigray a realizarem-nas na mesma, gerando uma insustentável quebra no já de si escasso diálogo e dando o mote para disparar a primeira bala, cujo ruído ainda hoje se ouve, tendo, pelo caminho, causado milhares de mortos e feridos e mais de 35 mil refugiados naquele que era um dos mais promissores países africanos.
A ofensiva governamental foi lançada depois de Abiy Ahmed ter acusado a TPLF de ter atacado uma guarnição militar regular, apoderando-se do armamento ali estacionado. As primeiras batalhas vieram mesmo dos céus, com a Força Aérea a fazer raides diários sobre Tigray.
As animosidades têm, no entanto, uma génese histórica, porque as elites políticas de Tigray, região com apenas 9 milhões dos 109 milhões de habitantes da Etiópia, o segundo país mais populoso do continente, governaram a Etiópia durante décadas até que o actual primeiro-ministro Abiy Ahmed, chegou ao poder, em 2018.
Recorde-se que a FPLT manteve uma guerra intensa com as forças federais entre 1975 e 1991 que culminou com o acesso ao poder deste movimento em Adis Abeba, que durou décadas.
Abiy Ahmed é natural de Beshasha, região-estado de Oromia (cuja capital é Adis Abeba, em acumulação com a capital do país), com 35 milhões de habitantes, no centro da Etiópia, e o povo Oromo, histórico rival do povo Tigrayan, que conseguiu manter as rédeas do poder etíope nas últimas décadas, praticamente desde a morte de Haile Selassie, em 1974, também ele, tal como Abiy Ahmed, natural de Oromia.