O truque que Donald Trump tem na manga é pressionar o Senado, a câmara alta do Congresso dos Estados Unidos da América, para que não reconheça (ratifique) a votação do colégio eleitoral que a 14 de Dezembro, como esperado, nomeou a dupla Joe Biden/Kamala Harris para governar o país nos próximos quatro anos, depois de as eleições presidenciais terem dado uma esmagadora maioria de grandes eleitores - que compõem o colégio eleitoral - aos democratas, naquela que foi um derrota histórica dos republicanos que, o que é historicamente muito raro, não conseguiram reeleger o seu Presidente para um segundo mandato.
Estas palavras ameaçadoras, mas vagas de conteúdo, foram proferidas por Trump na Geórgia, estado onde estão a ter lugar eleições para o Senado, numa segunda volta renhida a ponto de delas depender o controlo da câmara alta do Congresso norte-americano.
Isto, porque estão em disputa dois lugares para o Senado, entre dois republicanos e dois democratas, com especial foco no facto de que se os democratas ganharem os dois lugares em disputa, ficam com o domínio do Senado e da câmara dos Representantes, o que se traduziria por um domínio quase total dos órgãos de decisão política mais importantes do país, sobrando para os republicanos a maioria de juízes conservadores - o que é meramente indicador de decisões futuras e nenhuma garantia - no Supremo Tribunal Federal.
No entanto, quando Trump, como alguns analistas estão a sublinhar, vem dizer, quase em cima da data em que vai ser, quer queira quer não, expulso da Casa Branca, que vai lutar como "um diabo" para se manter na Presidência dos Estados Unidos, mais não está a fazer que não seja dar um estímulo extra aos eleitores republicanos da Geórgia para votarem nos seus candidatos de forma a que os democratas não acumulem o poder todo no Congresso.
Isto, porque pretende fazer crer os mais crédulos de que o lugar de Presidente dos EUA ainda não está totalmente perdido, quando, de facto, já é apenas uma questão de dias para deixar o cargo, sendo que, como determina a Constituição, e ao contrário da maioria das democracias ocidentais, nos Estados Unidos o Presidente mantém todos os poderes intactos até ao último minuto no cargo.
As declarações foram feitas durante um comício na Geórgia para apoiar os candidatos republicanos ao Senado nas eleições de hoje, que vão determinar quem controlará a câmara alta do Congresso, nas vésperas de uma sessão conjunta - Senado e Representantes - para ratificar a votação do colégio eleitoral, o que, normalmente, nesta fase, é apenas uma decisão burocrática mas que Trump está a tentar transformar num dos momentos mais importantes da história da democracia no país.
Essa sessão especial do Congresso, agendada para quarta-feira, vai ser liderada pelo vice-Presidente Mike Pence, a quem compete anunciar o resultado da votação e o arranque dos trabalhos e, para além das negociações de bastidores, pouco mais poderá fazer porque a 03 de Novembro Biden conseguiu 306 grandes eleitores para o colégio eleitoral e Trum apenas 232..
E é por isso que a votação na Geórgia, que decorre hoje, assume especial interesse porque se os democratas saírem vencedores em oda a linha, ou seja, se conseguirem os dois lugares em disputa no Senado, todo o esforço nestes derradeiros momentos dos republicanos, apesar de pouco ou nada poderem fazer, ainda, serão ainda mais inglórios.
Também no terreno para apoiar os seus homens que disputam os derradeiros lugares no Senado, Joe Biden optou por um discurso de factos adquiridos, ao mesmo tempo que sublinhava a importância de livrar os EUA destes momentos embaraçosos protagonizados e gerados pela teimosia de Trump, a quem acusou de ser um "queixinhas" que passa "mais tempo a lamentar-se da vida que a trabalhar".
Recorde-se que estes momentos atípicos na política norte-americana surgem depois de nas últimas horas o ainda Presidente ter sido apanhado numa gravação divulgada pelo The Washington Post a exercer uma pressão ameaçadora sobre o secretário de estado da Georgia, um republicano, para lhe encontrar, desse por onde desse, mais de 11 mil votos.
Um telefonema perigoso
Donald Trump, foi "apanhado" a telefonar demoradamente para um membro da administração do estado da Georgia, o também republicano Bad Raffensperger, a quem pressionou para manipular a eleição local de forma a ganhar novo folego na contestação que tem vindo a fazer ao resultado do Presidente eleito, o democrata Joe Biden, que a 20 de Janeiro assume o cargo.
O The Washington Post teve acesso a uma gravação de uma hora onde Trump pressiona o secretário de estado da Georgia para que este encontre forma de manipular o resultado eleitoral de 03 de Novembro naquele estado.
O que o ainda Presidente queria com esta polémica conversa era levar Bad Raffensperger a usar seu cargo para "encontrar" mais de 11,7 mil votos a seu favor, apesar de ter perdido naquele estado por igual número de votos, o que lhe iria permitir dizer que, afinal, ganhou na Georgia, dando-lhe renovado chão para manter a contestação aos resultados eleitorais que, como nunca aconteceu na história de 231 anos de eleições nos EUA, ainda não reconheceu.
"Eu só quero 11.780 votos", disse Trump ao governante da Georgia, como, segundo avançam os media norte-americanos, se pode ouvir na gravação que chegou à redacção do The Washington Post.
Esta pressão está mesmo a ser considerada por membros do partido republicano como passível de ser considerada uma ameaça directa do Presidente a um governante estadual.
Este é o derradeiro, para já, escândalo que atinge a Administração Trump, que, recorde-se, chegou a ver iniciado um processo de impeachment devido a pressões sobre o Presidente da Ucrânia, a quem ameaçou com cortes no apoio militar se não conseguisse forçar uma investigação à família Biden, mais tarde seu adversário eleitoral que lhe infligiu uma derrota histórica ao impedir a sua reeleição, como é comum na história da democracia norte-americana.