Com a estranha e fora das margens da lei guineense tomada de posse de Umaro Sissoco Embaló, num hotel de Bissau e com o vice-presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Nuno Nabian, - sem respaldo constitucional para isso - a conferir essa mesma passagem de poder, a Guiné voltou a assistir a uma situação anormal na transição de Presidentes.
Depois de conferir a posse a Embaló, Nabian foi, pelo "novo" Chefe de Estado, nomeado primeiro-ministro, ao mesmo tempo que Cipriano Cassamá, que era o efectivo Presidente da ANP, ter assumido, no Parlamento o cargo de Presidente interino, dando corpo a uma situação excêntrica de coabitação de dois Presidentes no mesmo país e de dois primeiros-ministros.
Foi face a este imbróglio, os militares, que tinham garantido, através das suas chefias, que não se intrometeriam na política, deram o dito por não dito e assumiram o controlo de alguns departamentos de Estado, como os tribunais e o edifício da Presidência, no Sábado, e, depois, da própria ANP.
Com ameaças de morte pelo meio, Cipriano Cassamá cedeu e renunciou ao cargo de Presidente interino, apesar de o ter assumido de forma legal, explicando aos jornalistas em Bissau que tinha sido alvo de ameaças de morte, bem como a sua família, o que conduz à confirmação de Umaro Sisssoco Embaló como Presidente da República de facto.
Também Aristides Gomes, que foi demitido por Embaló logo a seguir a ter sido empossado por Nuno Nabian, acabou a ser indicado como novo primeiro-ministro em mais um golpe de teatro de passagens e trocas de cargos, veio agora confirmar que foi ameaçado para deixar o cargo.
Perante este cenário, Gomes concluiu que quem manda actualmente é quem tem consigo o apoio dos militares, mas não disse se iria ou não deixar de ser primeiro-ministro. Citado pela imprensa, Gomes disse que "não tem de renunciar ou continuar" porque "o Governo trabalha quando tem condições de trabalhar e neste momento, quer queiramos, quer não, não temos condições de trabalhar", adiantando que estão em casa à espera.
Entretanto, a maioria de deputados no Parlamento guineense emitiram uma posição onde apelam às partes e a todas as forças da sociedade civil do país para respeitarem a Constituição e aos militares e restantes forças de segurança para assumirem o papel que a Constituição lhes reserva, próprio de um Estado de Direito, democrático e republicano.
Na resposta, a única emitida até hoje, através do seu porta-voz, Umaro Embaló veio garantir que não decorre nenhuma alteração à ordem constitucional guineense.
Hélder Vaz, antigo dirigente partidário e diplomata, disse, em declarações à Lusa, que não há nenhum golpe de Estado na Guiné-Bissau mas sim o fim de uma tentativa de subversão da verdade eleitoral.
Isto, porque, recorde-se, depois da 2ª volta das presidências, que teve lugar a 29 de Dezembro, entre Embaló e Domingos Simões Pereira, líder do histórico PAIGC, e após os resultados preliminares, o primeiro proclamou-se vencedor e o segundo deu entrada com uma sucessão de recursos como o próprio explicou após uma visita ao Presidente angolano, João Lourenço, no fim da passada semana.
Simões Pereira alega que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) não foi capaz de confirmar os resultados da maioria das circunscrições do país, e que ainda não terminaram os procedimentos de verificação dos recursos por parte das instâncias judiciais, acusando Embaló de ter protagonizado um golpe de Estado.
Alguns países, como a França e Portugal já pediram aos seus residentes na Guiné para reduzirem os movimentos ao indispensável, embora a situação em Bissau, cidade que, segundo relatos de repórteres no terreno, se mantém calma, sob o olhar atento de militares armados em locais estratégicos, e onde a população está habituada aos cíclicos períodos de convulsão política, lidando com eles já com uma relativa margem de segurança porque raramente é envolvida, seja nos golpes, sejas nos sucessivos assassinatos de lideres políticos ou militares ao longo das últimas duas décadas.
Recorde-se que todo este cenário de instabilidade surge depois de Embaló ter sido recebido em Portugal pelo primeiro-ministro António Costa e pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, embora tendo esses encontros sido anunciados como cortesia e sem quaisquer tipo de cerimonial de Estado.
A Guiné-Bissau foi a primeira das antigas colónias portuguesas em África a proceder à proclamação da independência, a 24 de Setembro de 1973, nas matas de Madina do Boé, no leste do país, embora o início da fundação da nacionalidade tenha começado com o assassinato em Conacri meses antes, a 20 de Janeiro desse mesmo ano, de Amílcar Cabral, o histórico fundador do PAIGC e considerado o pai da Nação guineense.
O país teve o seu arranque enquanto Estado com um golpe militar onde o general Nino Vieira derrubou Luís Cabral, irão de Amílcar Cabral o primeiro Presidente do país e governou até finais da década de 1990, quando, numa guerra civil - a Guerra de 07 de Junho - de mais de um ano, onde tiveram participação activa ao lado de Nino Vieira o Senegal e a Guiné Conacri, levou ao derrube de Nino Vieira, que se exilou em Portugal.
Depois de anos de permanente instabilidade política e militar, marcada pela frenética presidência de Kumba Yalá, Nino Vieira regressa a Bissau em 2005, ganhando as eleições que lhe permitiu governar até 2009, ano em que foi assassinado em mais um golpe militar.
Desde então, e apesar de alguns anos de relativa acalmia, a Guiné-Bissau voltou a mergulhar no caos político, embora sem intervenção militar alguma, tendo ficado os últimos anos marcados pelos abusos cometidos pelo anterior Presidente, José Mário Vaz, que lhe permitiram governar por mais dois anos que o limite oficial do seu mandato e que, agora, volta a ferver por entre novas dúvidas quanto à lisura eleitoral num dos mais problemáticos, e dos mais pequenos, países africanos.