Isso mesmo dizem duas importantes organizações internacionais de protecção às crianças, a "Save de Children - Salvem as Crianças" e a "Defense for Children International Palestine - Protecção Internacional para as Crianças Palestinianas", cujo director-geral já disse que o conflito em Gaza "é uma guerra contra as crianças".

Khaled Quzmar disse, citado pela Al Jazeera, que as atrocidades exercidas por Israel contra as crianças de Gaza "não tem precedentes em nenhum momento ou lugar na história" da Humanidade.

A morte de crianças, que já ultrapassa oficialmente as 18 mil, e há cerca de 21 mil desaparecidas, que podem estar em parte incerta e impossíveis de localizar no caos social que a guerra gerou, mas muitas estarão seguramente mortas sob os escombros dos milhares de edifícios destruídos à bomba pelas Forças de Defesa de Israel (IDF), é uma das frentes de pressão internacional sobre Benjamin Netanyhau.

A imagem do beco sem saída e sem forma de recuar em que o chefe do Governo israelita está é simples de explicar: os Estados Unidos exercem cada vez maior pressão, ameaçando fechar a torneira do apoio em armas e financeiro se o número de civis mortos não for reduzido de forma significativa nas operações das IDF.

E sem as armas norte-americanas, Israel fica sem capacidade militar para enfrentar o Hamas em Gaza, e muito menos o Hezbollah, no sul do Líbano.

Mas se travar a ofensiva contra o Hamas, os dois partidos radicais religiosos e extremistas ideologicamente que suportam o seu Governo de coligação, ameaçam abandoná-lo, o que faria cair o Executivo de imediato.

E se o Executivo cair, Netanyhau vê-se na iminência de voltar ao banco dos réus, onde estava antes do conflito, acusado de corrupção e branqueamento de capitais. Mas nem seria isso o pior...

Teria ainda de explicar como foi possível três das organizações de intelligentsia mais sofisticadas do mundo - Mossad (externa), Shin Bet (interna) e AMAM (militar) - não terem conseguido perceber antecipadamente o ousado e volumoso ataque de 07 de Outubro realizado pelo Hamas ao sul de Israel.

Ora, se o Governo de Netanyhau não pode ir em frente no tal beco sem saída, nem escapar pelas laterais, e sequer está em condições de voltar para trás, o que fazer então (?) terá pensado Netanyhau e os seus correligionários.

Passar por cima, foi, ao que tudo indica, a solução encontrada. E mandou o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, um dos mais aguerridos falcões de guerra israelitas, que no início deste conflito disse que os palestinianos não eram sequer humanos, voar para Washington...

Na capital norte-americana, Gallant tem uma proposta concreta a fazer ao Presidente Joe Biden e aos seus conselheiros mais próximos... sair do conflito em Gaza, onde a opinião pública mundial está pesadamente contra Telavive e onde a morte de crianças e de mulheres, já superior a 25 mil, num total de 38 mil civis mortos, gera cada vez mais protestos globais.

Mas, de imediato, entrar noutra, com o Hezbollah, o movimento xiita apoiado pelo Irão que domina o sul do Líbano, e com quem Israel sempre esteve em latente tensão e agressão esporádica desde há décadas, sendo que tanto a Casa Branca como a opinião pública norte-americana poderá aceitar melhor uma guerra com um "proxy" iraniano...

Ora, perante tal cenário, Benjamin Netanyhau estaria de novo numa guerra de larga escala e contra o Hezbollah, um inimigo que os seus aliados radicais no Executivo odeiam tanto ou ainda mais que o Hamas e seria muito mais aceitável para a Administração Biden, devido ao ódio norte-americano ao Irão...

Não só teria resolvido o problema interno de Governo, manter-se-ia longe dos tribunais, atrasaria as explicações sobre as falhas do 07 de Outubro e garantiria o fornecimento contínuo de armas e dinheiro dos norte-americanos ao mesmo tempo que amaciaria o problema dos civis mortos na Faixa de Gaza...

... mas nem tudo são rosas

... porque o Hezbollah é uma organização militarizada que os analistas, como o major-general Agostinho Neto, analista militar da CNN Portugal, sublinham ser cinco a seis vezes mais poderosa que o Hamas, contando com mais de 150 mil combatentes bem equipados e armados, milhares de drones kamikazes de vigilância e recolha de informações e acima de 200 mil misseis e roquetes e uma capacidade logística quase ilimitada...

Como, alias, as forças israelitas sabem melhor que ninguém, porque em 2006, na famosa guerra dos 30 dias, ou "Guerra de Junho", as IDF foram derrotadas militarmente num conflito onde ninguém admitia sequer essa possibilidade.

E só uma intervenção, a pedido de Telavive, das Nações Unidas, aceite pelo Hezbollah, que já tinha conseguido os seus objectivos, levou a um cessar-fogo, sendo que Israel teve de levantar o embargo marítimo ao Líbano e abandonar algumas posições geográficas relevantes na região...

Porém, o mais importante foi que, nessa guerra, o Hezbollah conseguiu desmistificar a invencibilidade das IDF, sendo que a capacidade militar deste movimento apoiado pelo Irão é hoje muito superior, em número de combatentes e meios militares.

Um exemplo disso foi divulgado nos últimos dias pelo comando do Hezbollah ao lançar nas redes sociais um vídeo longo, quase 10 minutos, com imagens obtidas por um drone de vigilância sobrevoando mais de uma dezena de alvos militares no norte de Israel, incluindo infra-estruturas energéticas, bases militares... sem qualquer resistência aparente.

Nada disso parece demover Netanyhau

O primeiro-ministro, numa entrevista ao Canal 14 israelita, um canal ligado aos radicais da extrema-direita nacionalista, disse que tem tudo pronto para levar as suas tropas para o norte do país, junto à fronteira israelo-libanesa, garantindo total disponibilidade para um confronto aberto com o Hezbollah.

Já se sabia que Netanyhau tinha esta solução na manga para se livrar de problemas, sair do tal beco sem saída aparente, também já se sabia que Israel tinha um plano para o confronto com o movimento xiita, e agora ficou-se a saber que este já está a ser executado, que é iniciar um fade out de Gaza para passar ao fade in no norte do país com o Hezbollah.

Além disso, com esta solução, as IDF respondem a outra exigência de milhares de israelitas que estão longe das suas casas junto à fronteira com o Líbano, de onde foram obrigados a sair, muitos deles nos últimos meses, mas outros tantos há vários anos, devido aos ataques persistentes com roquetes e misseis do Hezbollah e querem agora regressar.

Mas para isso terão de derrotar o Hezbollah, o que não parece ser algo que consigam facilmente, mesmo com o apoio dos EUA, porque o Hamas, uma organização de muito menor dimensão, e após oito meses de guerra, ainda está activo, mantém capacidade militar e volta e meia ataca Israel com roquetes lançados de Gaza.

Ou seja, as três grandes promessas feitas por Netanyhau após o ataque de 07 de Outubro, quando o Hamas invadiu o sul de Israel deixando um rasto de 1200 mortos e capturando cerca de 250 reféns, nenhum foi cumprido ao fim de oito meses de guerra, mais de 38 mil mortos, e quase 85% dos edifícios do território destruídos, além dos equipamentos sociais, como hospitais e centros de acolhimento de refugiados...

Promessas essas que eram a destruição total do Hamas, a libertação de todos os reféns e garantir que Gaza nunca mais seria um problema para a segurança de Israel.

O risco de alastramento

Face a isto, o mundo começa agora a temer um alastramento do conflito na vasta e estratégica região do Médio Oriente, de onde sai cerca de 35% do petróleo consumido no mundo, e onde alguns actores, como o Irão e Israel há décadas que se ameaçam mutuamente com uma guerra sem quartel...

Esse receio de escalada é sentido especialmente na Europa e nos EUA, onde uma valorização desregrada do crude poderia agravar ainda mais a já severa crise económica em que estás geografias estão mergulhadas.

Sendo o problema maior para o Presidente norte-americano Joe Biden que vai defrontar nas urnas, em Novembro, Donald Trump, estando, para já, segundo as últimas sondagens, ligeiramente atrás e a correr contra o prejuízo, sob risco de o antigo Presidente poder voltar ao poder em 2025.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, já demonstrou a preocupação de Bruxelas, afirmando, citado pelas agências, que "é hoje claro que o risco de um alastramento é maior que nunca".

"Estamos claramente na iminência de um alastramento desastroso deste conflito", lamentou Borrell.