Ao longo destes nove meses de invasão de Gaza, os media israelitas e internacionais foram notando pequenas diferenças no olhar para o conflito entre as chefias das IDF e o Governo de Benjamin Netanyhau, mas agora o elefante na sala destruiu mesmo as porcelanas.
O porta-voz das IDF, almirante Daniel Hagari, que tem dado a cara nos momentos mais difíceis da operação em Gaza, especialmente quando foi obrigado a justificar as atrocidades cometidas pelos militares israelitas, veio agora abrir um confronto directo com o primeiro-ministro.
Um dos objectivos traçados por Netanyhau após o assalto do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro do ano passado, deixando um rasto de 1.200 mortos e 250 reféns levados para Gaza, era exterminar o Hamas e as suas lideranças miliares e políticas.
O que, segundo defendeu agora o almirante Daniel Hagari, é "atirar areia para os olhos das pessoas", que é o mesmo que dizer que Netanyhau colocou como objectivo algo impossível de conseguir militarmente.
Além da derrota total do Hamas e a sua expulsão de Gaza "para sempre", o primeiro-ministro disse ainda que a operação só estaria concluída depois de libertar todos os reféns e garantir que Gaza não voltará a ser fonte de qualquer perigo para Israel.
Ao fim de 9 meses de guerra, depois de quase 38 mil civis palestinianos terem sido mortos, na sua maioria mulheres (12 mil) e crianças (16 mil), 75% dos edifícios no território estarem em ruínas, os equipamentos sociais, hospitais, escolas... estarem reduzidos a uma sombra, nem o Hamas nem a Jihad Islâmica deixaram de combater e lançar roquetes de Gaza para Israel.
Alguns analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, na portuguesa CNN, ou o analista suíço coronel Jacques Baud, defenderam já que Israel está a ser derrotado em Gaza, pela percepção que gera de incapacidade de um dos melhor equipados e treinados exércitos do mundo não conseguirem levar a melhor sobre um conjunto de combatentes "de chinelos".
E é perante este cenário que o almirante Hagari, que é a cara das chefias de topo das Forças Armadas israelitas, veio agora, numa declaração que terá consequências no futuro próximo, e citado pela Al Jazeera, dizer que "colocar como objectivo para acabar com a guerra a destruição do Hamas é simplesmente atirar areia para os olhos do público".
E explicou porquê, coincidindo na forma e no conteúdo com a opinião de vários analistas: "O Hamas é uma ideia, um partido enraizado no coração do povo, e quem achar que pode derrotar uma ideia está completamente enganado".
Na resposta, o gabinete do primeiro-ministro Netanyhau, citado pelo Times of Israel, lembrou que a derrota do Hamas "é um dos objectivos traçados pelo Governo" e que o Exército está "naturalmente empenhado em consegui-lo", tendo, logo depois, as IDF vindo a terreiro garantir que esse objectivo permanece válido.
Apesar disso, o que fica já claro é que as IDF e o Governo não estão em total sintonia.
Entretanto, acossado como nunca nestes quase nove meses de guerra pelas manifestações ruidosas, repetidas e numerosas nas ruas de Telavive contra o Governo, com milhares em todo o país a exigir eleições, Benjamin Netanyhau vive um dos momentos mais difíceis dos seus 20 anos de poder.
E não é de estranhar, segundo vários analistas, que esteja agora a procurar divergir as atenções - como existem suspeitas de já o ter feito com o conflito em Gaza (ver aqui) - para uma nova guerra, desta feita a norte, na fronteira israelo-libanesa, com o Hezbollah, o movimento apoiado pelo Irão.
Uma guerra entre Israel e o Hezbollah, que é incomparavelmente superior ao Hamas em organização, capacidade militar e disponibilidade de unidades de combate, como de resto, o demonstrou em 2006, quando infligiu um humilhante impasse na denominada guerra de 30 dias - dirimido pela ONU a pedido de Telavive -, é um desafio que as IDF nunca enfrentaram, porque o Hezbollah de hoje é ainda mais forte que há duas décadas.
E o risco é muito grande, não apenas porque Benjamin Netanyhau está acossado com o insucesso em Gaza e com o risco de o seu Governo cair e ver-se de novo sentado no banco dos réus, acusado de corrupção, num processo que foi suspenso devido ao 07 de Outubro, como uma eventual nova humilhação do poderoso Tzahal pode abrir brechas na até aqui ideia de invencibilidade de Israel.
Perceber em concreto o poderio militar do Hezbollah é, no entanto, tarefa difícil, mas algumas fontes falam em cerca de 150 mil homens bem armados e treinados, com apoio de proximidade do Irão, dispondo de mais de 200 mil misseis de diversos tipos, milhares de drones kamikaze e de vigilância e uma rede de intelligentsia que não se equipara a nenhum outro movimento do género.
O Hezbollah, depois de o Governo e as chefias militares israelitas terem dito que estava tudo pronto para uma guerra aberta e total com este movimento xiita, havendo mesmo um plano de acção para o efeito, já veio ameaçar com ataques em todo o território israelita e no mundo, além de ter avisado o Chipre (ilha próxima de Israel e do Líbano) para se manter neutro se não quiser igualmente represálias.
E para "legendar" as ameaças, o Hezbollah divulgou um vídeo feito por um dos seus drones de vigilância de quase 10 minutos onde são sobrevoados dezenas de alvos estratégicos, incluindo bases e postos militares, no norte de Israel sem qualquer aparente oposição a este longo sobrevoo.