Apesar das centenas de ataques já realizados contra organizações da resistência islâmica apoiados pelo Irão na Síria, Iraque e Iémen, deixando um rasto de dezenas de mortos e feridos entre combatentes e civis, no âmbito da resposta desenhada por Washington ao ataque à base dos EUA na Jordânia "Torre 22" - alguns analistas garantem que o ataque foi do lado sírio da fronteira, numa base secreta dos EUA -, que fez três mortos e 34 feridos entre militares dos Estados Unidos, a Administração Biden não está ainda satisfeita e vai manter os misseis e os aviões no ar, deixando um aviso ao Irão pela voz de Jack Sullivan: "Se atacarem directamente os EUA, a resposta será fulminante e devastadora".
É certo e sabido que os ataques verificados desde 07 de Outubro, após a invasão do Hamas ao sul de Israel, sejam dos rebeldes Houthis do Iémen sobre os navios que atravessam o Mar Vermelho, dos combatentes islâmicos às bases ilegais dos EUA no Iraque e na Síria, contestadas pelos respectivos governos, ou o atrito entre o Hezbollah e as forças israelitas na fronteira israelo-libanesa, são faíscas regionais do conflito que decorre na Faixa de Gaza entre Israel e os combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica.
E é neste contexto, no qual Washington pressiona o Irão através de centenas de ataques indirectos aos seus "proxys" nos últimos dias, pulverizando qualquer base de sustentação para um baixar da tensão, que o chefe da diplomacia norte-americano, Antony Blinken, está a iniciar mais um périplo ao Médio Oriente para forçar um cessar-fogo em Gaza, através de um acordo entre a resistência palestiniana do Hamas e Israel, centrado na troca de prisioneiros dos dois lados e a entrada de ajuda humanitária no inferno em que quase quatro meses de bombardeamentos israelitas deixaram o território de escassos 365 km2 para 2,3 milhões de habitantes.
Aparentemente, nem os EUA nem o Irão estão disponíveis para um confronto directo no Médio Oriente, porque isso seria devastador tanto para a região, de onde sai, diariamente, 35% do petróleo consumido em todo o mundo, como para o resto do planeta, porque as consequências de tal cenário seriam trágicas, tanto nas economias, com o fecho de relevantes rotas comerciais, desde logo o Canal do Suez, como no risco de globalização desta guerra devido às relações estreitas de Israel com o ocidente e do Irão com a Rússia e a China, por exemplo.
A primeira etapa de Blinken neste seu 5º périplo pela região é a Arábia Saudita, seguindo-se, não forçosamente por esta ordem, o Qatar, que é a "cara" do Hamas na mesa de negociações, o Egipto, Israel e a Jordânia.
Um dos "chamarizes" para esta visita, além de ser a 5ª, sem que nenhuma das anteriores tenha resultado em avanços sólidos no caminho da paz, pelo contrário, assistindo-se a um perigoso escalar da violência, é que os EUA estão numa fase de mínimos históricos na qualidade das relações bilaterais com Israel, devido à sistemática recusa do Governo extremista de Benjamin Netanyhau em acomodar algumas das indicações de Washington para reduzir a mortalidade entre civis em Gaza.
Isso mesmo ficou claro quando, nos últimos dias, se ficou a saber que o Presidente Joe Biden assinou um decreto com sanções a alguns líderes israelitas responsáveis pelos colonatos ilegais na Cisjordânia, que são um foco permanente de tensão e violência com as populações palestinianas e uma das paredes hebraicas contra a solução dos "dois Estados" na Palestina, um judeu e um palestiniano, conforme descrito nos Acordos de Oslo assinados em 1993, o que representa uma histórico puxão de orelhas de Washington a Telavive.
O que Blinken tem em mente é incentivar um acordo de cessar-fogo que está a ser trabalhado em múltiplas vertentes de negociações, envolvendo o Hamas, os países da região, excepto o Irão, os EUA, a França, o Reino Unido, dizendo antes de embarcar, após um encontro em Washington com o líder do Qatar, Sheik Mohammed al-Thani, que "existe agora uma verdadeira esperança de um sólido e prolongado cessar-fogo".
Estas movimentações diplomáticas têm em pano de fundo uma crescente vaga global de críticas a Israel pela forma desmesurada com que está a reagir em Gaza ao ataque do Hamas de 07 de Outubro, que deixou mortos 1200 israelitas, destruindo quase por completo o território, matando 28 mil civis, destes 12 mil crianças e nove mil mulheres, destruindo mais de 70% dos edifícios, incluindo 32 dos 36 centros hospitalares do território, ficando apenas quatro a funcionar, embora parcialmente, e mais de 1,3 milhões de pessoas ao relento, à mercê da fome, das doenças e do desespero.
O topo deste icebergue de protestos contra Telavive foi a sentença do Tribunal de Justiça Internacional (TIJ) à acusação de genocídio da África do Sul, que obriga Israel e garantir a protecção aos civis e a desistir das acções genocidas, mantendo este crime em análise, o que, de algum modo, é igualmente uma pressão pesada sobre Washington, que é o maior aliado dos israelitas e principal fornecedor das armas com que os civis palestinianos estão a ser dizimados.
Segundo a imprensa internacional, um acordo de cessar-fogo em Gaza é fundamental para reduzir as chamas da fogueira do Médio Oriente, porque é dali que partem as faíscas que incendeiam o Iémen, o Iraque e a Síria, além das brasas que estão sob os pés de norte-americanos e iranianos, à beira de uma guerra aberta.
Para já, em Washington já percebeu que a bola está do lado de Israel, tendo mesmo Jack Sullivan afirmado numa entrevista recente que Blinken vai à região pressionar Telavive para facilitar a ajuda humanitária a Gaza e criar mecanismos que permitam descer a tensão e caminhar para um acordo com o Hamas que permita a libertação dos israelitas detidos em Gaza pelo Hamas.
Para já, não é isso que se verifica no território de Gaza, com a intensificação dos ataques no sul do território, onde, todos os dias estão a morrer centenas de civis como resultado do alastramento da incursão terrestre das Forças de Defesa de Israel (IDF) para sul, em direcção às cidades de Khan Younis e Raffah, junto à fronteira com o Egipto.
Estas mortes diárias volumosas são inevitáveis considerando que qualquer ataque sobre um território de apenas 365 kms2, com 2,3 milhões de pessoas a habitar uma faixa de território com apenas 40 kms de extensão por nove de largura, consubstanciando uma densidade populacional de 6.500 pessoas por kms2, deixa um inevitável rasto de morte e sofrimento.
Além disso, devido à falta de alimentos, água, medicamentos, e com os hospitais quase todos destruídos ou inoperacionais, as mortes colaterais à guerra, como adverte a ONU, começam a ser superiores às que resultam de ataques militares directos.
Para piorar este cenário dantesco, os países ocidentais, EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália... deixaram de financiar a agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), que garante o apoio mínimo a milhões de pessoas, porque, sem mostrar provas, Israel acusou 10 dos seus mais de 30 mil funcionários locais de terem facilitado o ataque do Hamas de 07 de Outubro.