A missão das três divisões que a Al Jazeera diz terem entrado, ou estarem na fronteira para entrar no Líbano após a primeira vaga de assalto israelita às posições do Hezbollah, é "acabar de destruir a capacidade operacional" do movimento xiita próximo do Irão.

Esta invasão terrestre do território libanês, a 4ª que sucede desde que o Líbano é independente, em 1944, foi precedida por quase uma semana de intensos bombardeamentos sobre as posições do Hezbollah no sul do Líbano.

Estes bombardeamentos, que partiram de peças de artilharia posicionadas no norte de Israel e pela poderosa aviação de guerra que usa essencialmente os modernos F-35 norte-americanos, incidiram ainda nasinstalações do Hezbollah em Beirute, capital do Líbano.

Na última semana, Israel eliminou dezenas de figuras de topo da organização, incluindo o seu líder Hassan Nasrallah, num gigantesco ataque sobre a, até então, secreta sede do Hezbollah em Beirute.

Um plano que vem de longe

Ao contrário das anteriores incursões e invasões israelitas no Líbano, em 1978, 1982 e em 2006, que em nenhuma delas conseguiu totalmente os seus objectivos e na última, conhecida pela "guerra dos 30 dias", sofreu mesmo uma humilhante derrota, Israel preparou longamente o terreno.

Não apenas decapitou o topo da hierarquia do Hezbollah, como, antes, em sucessivas operações especiais, eliminou dezenas de comandantes intermédios, especialmente com a já famosa operação onde usou milhares de pagers e walkie talkies armadilhados antes de chegarem às mãos do grupo xiita pró-iraniano.

Todavia, como notava esta manhã um dos jornalistas da Al Jazeera no Líbano, em todos os confrontos alargados entre Israel e o Hezbollah, os israelitas começaram sempre a vencer, com ataques à distância, artilharia e aviões de guerra, mas, depois, ao passar para os combates apeados, foi o movimento libanês que saiu por cima, apesar do elevado número de vítimas.

Para já, perto das 09:00 desta terça-feira, hora de Luanda, analisando as notícias que corriam nos media internacionais, citando fontes militares israelitas e libanesas, incluindo comunicados do Hezbollah, pode-se concluir que os combates no terreno são encarniçados e que ainda é muito cedo para perceber quem está a levar a melhor.

Mas sabe-se que são as tropas de elite israelitas que atravessaram a fronteira israelo-libanesa, com cerca de uma divisão, que tem entre 10 e 12 mil militares, estando pelo menos duas divisões operacionais em stand by na fronteira e outras duas divisões de reservistas na retaguarda, provavelmente para se posicionarem no território que vier a ser ocupado na primeira vaga.

O Hezbollah já não é o Hezbollah?

Por sua vez, o Hezbollah, que está claramente fragilizado no que diz respeito às suas chefias políticas e militares, de topo e intermédias, mas que possui ainda uma alargada capacidade de operacional devido ao elevado número de combatentes, perto de 100 mil, segundo diversas fontes.

Entre os quais estão milhares de veteranos das guerras na Síria e do Iraque contra o `estado islâmico" que facilmente podem ocupar o lugar dos seus comandantes de proximidade eliminados por Israel nas últimas semanas com igual competência no terreno.

Por isso é que quaisquer prognósticos sobre o desfecho desta guerra, que pode inflamar todo o Médio Oriente, serão sempre precipitados até que exista uma visão mais clara do mapa dos combates em todo o sul do Líbano e, provavelmente, a seguir, no oeste da Síria.

Isto, refira-se, quando o elefante na sala é claramente o que pode acontecer a seguir, até porque em cima da mesa estão ameaças por cumprir do Irão após as sucessivas humilhações que sofreu às mãos de Israel com os especialistas em geoestratégia a falar mesmo numa extraordinária contenção estratégica por parte de Teerão.

Aparentemente o Hezbollah, apesar da morte do seu líder, estava igualmente predisposto a seguir à risca um alegado master plan de contenção estratégica, tendo sido forçado pelas iniciativas militares de Telavive a sair dessa posição de espera.

O ruidoso silêncio da expectativa

Vai ou não o Irão entrar neste conflito directamente, porque, indirectamente, sabe-se, já está dentro há muito, com um apoio alargado em armas e conselheiros militares da sua Guarda Revolucionária (GRI), demonstrado pelo facto de alguns dos seus elementos terem sido igualmente mortos nos ataques de Beirute.

A resposta não é clara, porque essa já denominada contenção estratégica não é resultado dos seus planos para a região mas enquadrar-se-á antes numa estratégia global que inclui a igualmente conhecida guerra pela mudança na Ordem Mundial desenhada em conjunto por China e Rússia que conta com o apoio do Irão e que visa acabar com a hegemonia planetária dos EUA e dos seus aliados do Ocidente Alargado.

E que, claramente, está em jogo neste conflito no Médio Oriente, tal como está na guerra da Ucrânia, porque se o Irão entrar nesta guerra com Israel, os Estados Unidos também vão entrar directamente ao lado de Israel, o que faria do que é ainda um conflito limitado para uma guerra à escala global.

Isto, porque não se pode ignorar que se os EUA têm um acordo de segurança robusto com Israel, no âmbito do qual posicionaram duas esquadras de porta-aviões na região e centenas de aviões de guerra nas suas bases no Médio Oriente, o Irão tem acordos de segurança com a China e com a Rússia, o que pode ser a porta aberta para a III Guerra Mundial.

Tal cenário alargaria assim para dois locais do Planeta onde um conflito mundial pode despoletar, incluindo a Ucrânia, sob risco de colocar dos dois lados da barricada as duas maiores potências nucleares do mundo, os EUA e a Federação Russa.

A guerra de mundos e civilizações

Ora, o que surge subjacente a isto é que a passagem dessa "guerra de mundos e civilizações", como foi já chamada, da geoestratégia, que abarca a economia, a política e a influência regional intercontinental, para o combate directo, iria claramente beneficiar qual defende.

Isto é, se o eixo Pequim-Moscovo-Teerão, assente no Sul Global, procura impor ao Ocidente Alargado uma alteração à Ordem Mundial Baseada em Regras com a desvitalização, por exemplo, dos pilares onde assenta a hegemonia norte-americana, seja o dólar, seja as instituições internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, para encaminhar o mundo para uma Ordem Mundial Assente em Parcerias entre Iguais, a eclosão de uma guerra de larga amplitude, desmoronaria esse intento sino-russo-iraniano, ao qual a Índia e a África do Sul também já mostraram claros sinais de adesão, mesmo com idiossincrasias próprias na abordagem a essa "guerra de mundos".

E é por isto que é de extrema relevância perceber o que vai fazer o Irão em primeira instância, porque, recorde-se, só em nome de um compromisso e objectivos sobejamente qualificados Teerão poderia assimilar as feridas profundas no seu orgulho provocadas nos Israel nos últimos meses sem qualquer reacção.

Entre essas feridas profundas no orgulho iraniano estão, apenas alguns exemplos desde 2020, a morte do general Qassem Soleimani, o seu comandante da GRI, em Bagdad, Iraque, por um míssil dos EUA, depois a eliminação de três comandantes no consulado iraniano em Damasco, na Síria, e, já nos últimos dois meses, o assassinato do seu vice-comandante militar, general Fuad Shukr, em Beirute, Líbano, do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerão, e, a culminar uma longa noite de trevas para o Irão, a morte do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em conjunto com uma dezena de figuras de topo do movimento, também em Beirute

Desde que lançou, em Abril, uma chuva de misseis, para efeitos mediáticos, porque Israel, via EUA, foi avisado do ataque com antecedência, de forma a evitar uma escalada mas a limpar a vergonha em Teerão, após o ataque ao seu consulado na Síria, o Irão fechou-se em copas e, também ao que tido indica, levou o Hezbollah a conter quaisquer ímpetos de atacar alvos israelitas com robustez excessiva.

A visão do Litania ou a falsa segurança da profundidade

Agora, que Israel procura ocupar o território libanês entre a sua fronteira norte e a linha constituída pelo Rio Litani, a cerca de 30 kms dentro do Líbano, criando assim mais uma linha importante para um país sem profundidade estratégica devido à sua reduzida dimensão, provavelmente apenas o Hezbollah travará essa batalha.

É, pelo menos, isso que está a suceder para já. E se assim for, isso mostrará à evidência que nem sequer a eliminação de Nasrallah, levará Teerão a sair da bolha onde se colocou delimitada pela contenção estratégia em nome de interesses maiores.

Entretanto, há uma sucessão curiosa, que já vem desde 07 de Outubro, quando o Hamas lançou o mortal ataque ao sul de Israel, levando à invasão de Gaza, e a mais de 41 mil mortos naquele exíguo território palestiniano de 2,3 milhões de habitantes.

Sempre que o Presidente norte-americano, ou os seus aliados europeus, vem dizer publicamente que quer um cessar-fogo ou que está próximo um cessar-fogo, primeiramente em Gaza, e agora no Líbano, Israel escala mais um patamar na espessura dos seus ataques num e noutro lado das duas frentes de guerra que trava actualmente.

Ou em Telavive, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau já não teme e ignora totalmente as vozes contrárias aos seus planos de guerra regionais, ou as propostas e exigências de cessar-fogo feitas por Washington são mero fogo fátuo propositado para entreter o circo mediático em torno da muito perigosa situação no Médio Oriente onde, provavelmente, se joga, em grande medida, o futuro da humanidade.