A torrente de armas e dinheiro que segue, num fluxo contínuo, entre os EUA e Israel, para alimentar a máquina de guerra de Netanyhau contra o Hamas e contra o Hezbollah, não sofreu nem vai sofrer qualquer alteração apesar de Israel ter ignorado a ameaça de Joe Biden.

Há cerca de um mês, pressionado pela campanha eleitoral e pelos protestos que surgiam como cogumelos nos comícios da candidata democrata à Casa Branca, Kamala Harris, o Presidente Biden anunciou com ênfase teatralizada a punição de Israel com um corte no fornecimento de armas e dinheiro se não fosse garantido um mínimo de ajuda humanitária a Gaza.

Esse prazo de 30 dias terminou esta terça-feira mas Benjamin Netanyhau e o seu Governo de radicais religiosos e ideológicos não moveram um dedo para corresponder às exigências do seu maior aliado e sem o qual seria impossível manter o actual esforço de guerra.

Na verdade, ao ter ignorado o prazo dado por Biden, Netanyhau volta assim a humilhar o Presidente dos EUA, provando mais uma vez que Israel tem uma força em Washington que, aparentemente, se sobrepõe ao próprio poder do Presidente dos EUA.

Isso mesmo já tinha sido notado por vários observadores a partir do momento em que se sucederam as visitas de urgência do secretário de Estado, Antony Blinken, a Telavive, para convencer Netanyhau a aceitar as condições de um cessar-fogo desenhado em Washington, sem qualquer resultado prático...

Para lidar com mais esta demonstração de desrespeito de Netanyhau com Washington, de quem recebe apoio militar em quantidades sem precedentes históricos, Blinken mandou um porta-voz de segunda linha dizer publicamente que apesar do prazo concluído, há progressos conseguidos no aumento da ajuda humanitária a Gaza que devem ser agora "complementados".

Ignorando a questão do prazo que correu nem nenhuma alteração no quadro da assistência humanitária a Gaza, Vedant Pattel, disse que o entendimento em Washington é que a lei que impõe que aqueles que recebem apoio militar dos EUA respeitem o direito humanitário internacional e não impeçam a ajuda humanitária às zonas em conflito.

Isto sucede quando, desde a invasão israelita a Gaza, a 08 de Outubro de 2023, um dia após o ousado e letal assalto do Hamas ao sul de Israel, onde morreram mais de mil pessoas, já estão oficialmente registados mais de 43 mil mortos no território.

Perto de 80% dos 43 mil mortos em Gaza são mulheres e crianças, tendo ainda sido destruídos quase todos os edifícios públicos do território, incluindo a generalidade dos hospitais que serviam perto de 2,3 milhões de habitantes.

Destes, perto de 2 milhões são agora deslocados internos sem acesso a cuidados de saúde, alimentos e abrigos, com várias doenças parasitas se espalham entre a população cada vez mais fragilizada e concentrada em apertados campos de refugiados.

Todas as organizações de ajuda humanitária internacional notam que Israel é o grande responsável por impedir o acesso de ajuda a Gaza, mas nem assim os EUA reduziram o apoio militar e financeiro a Israel.

O pior está para chegar...

Apesar deste quadro tenebroso, ao qual é preciso acrescentar a propagação do conflito para o Líbano nos últimos dois meses, onde já morreram milhares de pessoas em ininterruptos bombardeamentos israelitas, o pior pode ainda estar para vir com a abertura mais que provável de uma guerra aberta ao Irão.

Isto, porque se Joe Biden representa um apoio relevante a Israel, seja qual for a guerra em que estiver envolvido, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, a partir de 20 de Janeiro, esse apoio vai crescer e uma guerra com o Irão poderá mesmo ser incentivada a partir de Washington.

Isso mesmo parece evidente com as escolhas de Trump para seu secretário de Estado, Marco Rubio, um indefectível de Israel em todas as circunstâncias, e ainda pela nomeação de Mike Waltz, um falcão de guerra que pugna por um confronto definitivo com o Irão, para Conselheiro de Segurança Nacional.

Com este triunvirato no poder em Washington, adivinhar um crescendo das hostilidades entre Israel, onde há anos Netanyhau pede aos EUA apoio claro para atacar o Irão, e o regime dos aiatolas, dificilmente haverá aposta mais fácil de ganhar que apostar que esse conflito directo e aberto vai mesmo acontecer.

A única possibilidade de tal cenário ser evitado é que o Irão tem como aliados de primeira linha a Rússia e a China e Donald Trump tem em Moscovo o seu velho amigo Vladimir Putin com quem terá de se haver se os EUA se envolverem directamente numa guerra entre Israel e o Irão.

E esse risco é de tal modo saliente no actual cenário incandescente do Médio Oriente que o Presidente turco, Recep Erdogan, já veio a público dizer que acredita que Donald Trump vai escolher uma abordagem diferente à crise na região.

"A nossa esperança é que Donald Trump siga outro caminho na abordagem dos EUA ao Médio Oriente porque as mensagens que têm sido passadas, são muito preocupantes", disse Erdogan, citado pelos media internacionais.

Erdogan é um defensor acérrimo dos palestinianos, tendo mesmo chegado a ameaçar invadir Israel se Netanyhau não se contivesse no extermínio dos habitantes de Gaza, sendo um dos lideres mundiais que defende que o que Israel está a fazer naquele território é um genocídio sem qualquer dúvida.

E apoia as iniciativas em curso nos tribunais internacionais, TPI e TIJ, onde Israel está sob julgamento na condição de acusado de genocídio, tendo mesmo estas instâncias já concluído que existem indícios claros nesse sentido mas sem que exista ainda uma condenação formal e definitiva.