Como conta a Radio Okapi, a emissora das Nações Unidas na RDC, verificou-se uma acalmia ao fim do dia de domingo depois de violenta troca de fogo entre as FARDC e o grupo terrorista M23 nas imediações de Jomba e Bunagana, aldeias próximas de Rutshuru.

Ainda segundo esta rádio, as FARDC, que contam com o apoio armado da MONUSCO, a missão da ONU na RDC, mantiveram a pressão sobre os terroristas do M23 que têm vindo a intensificar os ataques na província e estiveram por detrás de uma grave crise entre a RDC e o Ruanda, com Kinshasa a acusar o governo de Paul Kagame de estar a fornecer apoio logístico a estes guerrilheiros, que alegadamente usam o território do país vizinho para preparar as incursões no leste do Congo.

Pelo menos 80% das populações das localidades onde os confrontos estão a ocorrer, Jomba e Bunagana, já deixaram a região para procurarem segurança face aos dois dias de combates violentos e depois de quase três meses em que o M23 voltou a espalhar o terror.

Perante este recrudescimento da violência e a crise entre a RDC e o Ruanda, que ameaçava mesmo gerar uma crise mais grave com o envolvimento dos dois exércitos, o Presidente angolano, João Lourenço, voltou a assumir a condição de actor da estabilidade nos Grandes Lagos.

A tensão entre Kinshasa e Kigali passa pela acusação do Governo congolês ao vizinho de apoiar e dar guarida ao temível M23 (Movimento 23 de Março), um movimento de guerrilha criado em 2012, que, mais que nunca nos últimos dois meses, mas que, desde a sua criação, tem mantido, com intervalos alargados por duras negociações, a ferro e fogo o Kivu Norte, a província fronteiriça com o Ruanda.

O M23 foi criado por elementos da minoria ruandesa Tutsi, no interior do leste do Congo. Recorde-se que o leste da RDC foi arrastado como continuação do conflito que se prolongou após o genocídio que em 1994 ceifou a vida a 800 mil tutsis à mão da maioria étnica Huto.

Entre as principais guerrilhas a actuar no leste da RDC estão ainda a FDLR (Frente Democrática de Libertação do Ruanda) e a de origem ugandesa (Aliança das Forças Democráticas), protagonistas maiores da desestabilização permanente desta já agreste região africana.

O que pretendem estas forças é um tema em permanente discussão, mas, além da origem, que foi a protecção das respectivas comunidades num contexto de guerra étnica fratricida, existe uma abundante teia de dados que apontam para a transformação destes grupos armados em forças de protecção de interesses na exploração ilegal de recursos abundantes na região, como, além dos diamantes, o cobalto e o coltão, minerais raros e fundamentais para as novas tecnologias e que, por exemplo, o Ruanda é exportador, no caso do coltão, sem que sejam conhecidas jazidas no seu subsolo.

O trunfo Lourenço

Com a sua intervenção neste problema, João Lourenço conseguiu anunciar uma Cimeira de Luanda, embora ainda sem data marcada, entre os dois Presidentes, Kagame, do Ruanda, e Felix Tshisekedi, da RDC, tendo esta sido anunciada pelos serviços da Presidência angolana após uma visita, com carácter urgente, ao Palácio da Cidade Alta, há duas semanas, que durou poucas horas, do Chefe de Estado congolês para analisar a crise RDC-Ruanda, que ameaça(va) desestabilizar ainda mais o já de si complexo xadrez dos Grandes Lagos.

Enquanto presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), João Lourenço conseguiu já o primeiro passo para arrefecer os ânimos na fronteira entre o Ruanda e o leste da RDC, com a libertação de dois soldados ruandeses da Guarda de Fronteira, capturados pelas Forças Armadas da RDC (FARDC) quando faziam o patrulhamento da linha de divisão territorial.

E se a RDC acusa o Ruanda de apoiar e acoitar os rebeldes do Movimento 23 de Março, este país acusa os congoleses de trespassarem sem autorização as suas fronteiras, inclusive com tiros de artilharia, alegadamente para posições ocupadas pelos rebeldes.

RwandAir em aterragem forçada

Uma das medidas que mais fez temer uma escalada para violência aberta aconteceu quando o Governo de Felix Tshisekedi encerrou, ainda em Maio, o espaço aéreo congolês à companhia aérea de bandeira ruandesa, a RwandAir, o que, em termos diplomáticos, é um dos passos de maior animosidade, tendo ainda chamado de urgência o embaixador em Kinshasa para esclarecimentos, outra demonstração de impaciência diplomática da parte congolesa.

Esta deslocação de Tshisekedi ao Palácio da Cidade Alta, anunciada à última da hora, aconteceu depois de a liderança rotativa senegalesa da União Africana, pelo Presidente Macky Sall, que esteve em Luanda há duas semanas, ter colocado os líderes ruandês e congolês a dialogar para evitar uma escalada que poderá desestabilizar a já de si instável situação neste xadrez regional que são os Grandes Lagos.

Agora, com este encontro com João Lourenço em Luanda, e com o anúncio oficial de que o Palácio da Cidade Alta receberá igualmente nos próximos dias os Presidentes do Ruanda, Paul Kagame, e da RDC, Felix Tshisekedi, ficará fechado o ciclo de contactos com os líderes regional, da CIRGL, e pan-africano, da União Africana, quando a situação na fronteira entre a RDC e ao Ruanda é já um dos pontos mais escaldantes em todo o continente africano pelo que representa se evoluir para um conflito aberto.

Terreno difícil

Para já, depois de cerca de três meses de intensos combates entre o M23 e as FARDC, apoiadas pelas unidades de combate da MONUSCO, a missão da ONU na RDC, cuja definição é de apoio à paz e ao combate militarizado aos grupos de guerrilha, embora tenha ainda sido pedida a intervenção do Mecanismo Conjunto de Verificação Alargado (MCVA), criado em 2012 para responder rapidamente a situações de dificuldade de comunicação com potencial de conflito entre membros da CIRGL, que tem como líder, no momento, o coronel José Rui Miranda, das FAA, toda a atenção fica agora centrada no papel de João Lourenço para desatar mais este nó na teia apertada da difícil estabilidade nos Grandes Lagos.

E, depois de receber Tshisekedi, Lourenço esteve, segundo os serviços de comunicação da Presidência, a conversar, por videoconferência, com o seu homólogo ruandês, abordando a mesma questão, tendo esta dupla comunicação do "Pacificador" permitido garantir uma Cimeira com os dois lideres desavindos em Luanda, com data a anunciar, mas com o objectivo único de "ajudar, de forma consistente, a promover o desanuviamento da tensão actualmente reinante na fronteira entre os dois países e contribuir assim para o reforço da paz na sub-região".

Novo apelo da ONU

Entretanto, com esta crescente tensão, a ONU, através do seu enviado especial para a região dos Grandes Lagos, o chinês Huang Xia, lançou um veemente apelo a todos os grupos armados que actual na RDC a deporem as armas "imediatamente".

Quando se dirigia, na terça-feira, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a propósito desta crise entre a RDC e o Ruanda, Huang Xia disse que os grupos armados, milícias e guerrilheiros, devem escolher a via do diálogo proporcionada pela plataforma criada pelo Quénia, denominada Processo de Nairobi, que visa resolver a prolongada convulsão armada no leste do Congo.

"Apelo a todos os grupos armados presentes no leste da RDC a renunciarem à violência e a entregarem imediatamente as armas, entrando sem estados de alma no processo de diálogo de Nairobi", disse Huang Xia.

Sobre o M23, grupo que está agora em questão mais que todos os outros, Xia notou que estes, há 10 anos, ganharam visibilidade ao gerar forte atrito regional, com ataques indistintos sobre populações indefesas e unidades militares locais, deixando claro que o mundo não pode deixar que esta história se repita agora.