As minas antipessoais são proibidas pelo Tratado de Otawwa, assinado por 164 países mas nem EUA nem Rússia estão nesta lista, o que deixa legalmente as mãos livres ao Presidente norte-americano para enviar milhares delas para a Ucrânia usar na guerra com os russos.
No entanto, mesmo não sendo os EUA signatários do Tratado de Otawwa, de 1997 - a Ucrânia é-o -,esta decisão, revelada esta quarta-feira, 20, pela Reuters, vem acrescentar ruído e polémica às derradeiras decisões de Joe Biden sobre aquele conflito, por se tratar de uma arma traiçoeira e "desumana".
Ainda por cima, os milhares de minas antipessoais que os norte-americanos vão fazer chegar aos ucranianos, alegadamente para ajudar a travar o avanço dos russos na linha da frente, o que atesta o reconhecimento dos EUA de que a Rússia está em clara vantagem, mesmo que o novo Presidente queira revogar esta decisão, será tarde por estarem já semeadas na frente de guerra.
Oficiais norte-americanos citados pelos media notam, porém, que se trata de minas com características especiais, porque se desactivam ao fim de determinado tempo no chão, deixando de ser um perigoso para civis quando, alegadamente, as hostilidades cessarem.
O polémico anúncio do envio das minas antipessoais surge dois dias depois de Biden ter permitido à Ucrânia usar os misseis ATACMS, projecteis balísticos de alcance intermédio - até 300 kms - para flagelar alvos no interior da Federação Russa.
Decisão essa que, como pode rever aqui, levou o Kremlin a alertar para as eventuais consequências catastróficas dessa decisão, incluindo com recurso ao arsenal nuclear, tendo, para cimentar esse aviso, o Presidente Putin aproveitado para tornar público que assinou o documento que oficializa a alteração à doutrina nuclear da Federação Russa.
Embaixada sob ameaça
Dessa alteração substantiva à doutrina nuclear russa fazem parte duas alíneas fundamentais e as mais incandescentes, que passam a "permitir" a Moscovo ver como co-beligerante uma potência nuclear que forneça armas e informação técnica para o seu uso contra a Rússia a um país não-nuclear.
O que passa a consubstanciar a possibilidade de a Rússia "lubrificar" cenários de ataque aos EUA, directa ou indirectamente, como retaliação pelo uso dos misseis ATACMS pela Ucrânia contra a Rússia.
Mas o documento de alteração à doutrina nuclear russa vai ainda mais longe quando garante, no seu ponto 10, que passam à condição de co-beligerante as organizações de Defesa e Segurança onde essa potência nuclear esteja inserida.
O que faz com que Moscovo se sinta "livre" para ripostar contra quaisquer países da NATO (de Portugal à Finlândia) ou das organizações do Índo-Pacífico, como o AUKUS (Austrália, Reino Unido e EUA) ou o QUAD (India, Japão, EUA e Austrália).
Apesar deste cenário estar em aberto, no imediato não há quaisquer sinais de que os russos possam vir a usar as "liberdades" da nova doutrina nuclear, havendo, isso sim, sinais, pelo menos é o que dizem os EUA, de que a sua embaixada na capital ucraniana, Kiev, está na mira das baterias de misseis russos.
E é de tal forma assim que o edifício da representação diplomática norte-americana em Kiev foi mesmo encerrado e o pessoal diplomático foi colocado em segurança.
Apesar desta notícia estar a ser veiculada por diversos media internacionais e ucranianos, não há nenhuma referência aos fundamentos efectivos para mandar fechar a embaixada e dar como real esse perigo.
Há, todavia, indícios de que esse risco esteja a ser hiperbolizado porque em Moscovo é dado como certo que isso seria atacar os EUA de forma directa, o que colocaria o actual cenário, que já é de elevado risco, num patamar muito mais... vermelho.
É que, aquando do ataque de Israel à embaixada do Irão em Damasco, em Abril, a diplomacia russa fez questão de condenar esse momento por ser uma ataque directo à soberania iraniana.
A única referência efectiva a um alegado risco para a embaixada dos EUA na capital ucraniana foi feita na rede social X pelo Departamento de Estado onde se diz que existem "informações específicas" sobre a iminência de um "ataque aéreo significativo" a Kiev.
A sondagem... esperada
Uma das fórmulas mais conhecidas para levar a opinião pública de um país a aceitar condições menos vantajosas num cenário de negociações é elaborar estudos de opinião, sondagens, onde a maior parte dessa população aceita as "perdas inevitáveis" em nome do fim da guerra.
Isso mesmo já tinha sido colocado como cenário possível por diversos analistas para alivair tensões sociais em caso de a Ucrânia ser forçada a sentar-se à mesa com a Rússia para acabar com a guerra.
E esta quarta-feira, a norte-americana Gallup, uma das mais poderosas organizações privadas de sondagens e aconselhamento para empresas e países, divulgou uma sondagem que mostra que a maioria dos ucranianos passou a defender negociações comos saída para o conflito.
Este estudo põe em evidência que o número de ucranianos que defendem essa via para acabar com a guerra duplicou em menos de um ano, sendo agora 52% os ucranianos que defendem como melhor caminho as negociações, quando ainda há menos de um ano eram apenas 27%.
No preâmbulo do estudo, pode-se ler, segundo o site Gallup News, que "depois de dois anos de um doloroso conflito, os ucranianos, de forma crescente, mostram-se cansados da guerra com a Rússia".
O estudo, realizado entre Agosto e Outubro, diz ainda que, agora, apenas 4 em 10 ucranianos (38%) defendem que o país deve lutar até ao fim com os russos, quando esta percentagem era de mais de 70% no início de 2023.
"Estes dados recolhidos pela Gallup mostra uma viragem enorme no sentimento público na Ucrânia à medida que o impacto negativo da guerra na sociedade ucraniana aumenta", o que, acrescenta o texto, mostra o aumento substantivo do cansaço social da guerra no país.
Um dos elementos percepcionados neste estudo de opinião é que a sociedade ucraniana está consciente de que a chegada ao poder de Donald Trump nos EUA exige acção em conformidade, nomeadamente aproveitar este lapso temporal para poder negociar em melhor posição.
"A perspectiva do regresso de Donald Trump à Casa Branca pode estar a criar incerteza sobre o decorrer do apoio militar e financeiro dos EUA", alerta ainda o texto do Gallup News.