Depois de duas semanas frenéticas e surpreendentes, que começaram a 15 de Agosto, com o encontro histórico entre Putin e Trump no Alasca, atravessando a não menos histórica visita de Volodymyr Zelensky e a comitiva dos mais destacados lideres europeus à Casa Branca, onde o Presidente dos EUA lhes impôs uma humilhante formação em sentido à sua frente na Sala Oval, com mimos, ofensas e ameaças à mistura, eis que a se começa a perceber que a diplomacia mais experimentada em todo o Ocidente voltou à estaca zero.

E é tanto assim que, horas antes do Dia da Independência da Ucrânia, que se comemorou este Domingo, com as já banais visitas dos líderes europeus a Kiev para manifestarem o apoio indefectível a Zelensky, em Washington o Presidente norte-americano voltou a ameaçar com medidas drásticas o seu "amigo" Putin se em duas semanas não verificar passos decisivos para a paz na Ucrânia.

Isto, quando a diplomacia parece já ter chegado ao limite das possibilidades para desatar o nó que foi sendo apertado dia após dia no rendilhado das ensanguentados trincheiras do leste ucraniano desde, pelo menos, 2014, quando os povos do Donbass se revoltaram contra o golpe de Estado em Kiev organizado e financiado pelos EUA, como a antiga sub-secretária de Estado Victória Nuland admitiu, onde o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich foi deposto à força, dando início ao actual regime pró-americano, primeiro liderado por Petr Poroshenko e agora, desde 2019, por Volodymyr Zelensky.

Entre 2014 e 2022, quando em Fevereiro desse ano a Rússia invadiu a Ucrânia, as forças ucranianas leais a Kiev mataram mais de 14 mil ucranianos em Donetsk e Lugansk, como a OSCE, a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa, registou e confirma em vários relatórios, a maioria civis, mas também em combates com as milícias do Donbass com apoio em armas de Moscovo mas sem a entrada em cena de forças regulares russas.

E hoje, depois de oito anos de guerrilha no Donbass e quase quatro de guerra aberta entre ucranianos e russos, a luz ao fundo do túnel trazida para o palco diplomático por Donald Trump, que insiste ainda hoje em garantir que se fosse Presidente em 2022 - era então Joe Biden quem mandava na Casa Branca -, "esta guerra nunca teria começado", apagou-se, ou então o túnel alongou-se tanto que o holofote americano já não chega às sombrias e ensanguentadas trincheiras do leste europeu.

O que pensa Moscovo

Para Moscovo, como se percebe pelas palavras azedas do ministro russos dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, numa rara entrevista à norte-americana NBC, a culpa deste prolongamento da guerra é dos europeus ocidentais que teimam em empurrar Kiev para a guerra sem fim à vista que não seja a derrota da Federação Russa, enquanto, garante o chefe da diplomacia de Moscovo, o Kremlin e a Casa Branca buscam seriamente a paz.

Os aliados e financiadores do esforço de guerra de Kiev da Europa Ocidental, falando especialmente de britânicos, franceses e alemães, "procuram manter a guerra a todo o custo enquanto o Presidente norte-americano parece querer genuinamente levar o conflito para o fim através da diplomacia".

"A reacção dos países europeus da NATO à reunião no Alasca (Trump/Putin) e o que eles estão a fazer desde então, indica que eles não querem a paz, mantendo que não podem permitir uma derrota de Kiev e querem claramente uma derrota de Moscovo", acusa Lavrov.

Ao contrário dos europeus, o chefe da diplomacia russa entende que o Presidente Trump "procura a paz defendendo os interesses norte-americanos" o que lhe garante "o respeito" da federação Russa e do seu Presidente, Vladimir Putin.

Nesta entrevista, no Domingo, 24, à televisão norte-americana, Sergei Lavrov aproveitou ainda para desmembrar a retórica europeia assente na ideia de que a Rússia pode ser derrotada porque mostra uma grande dificuldade na frente de batalha onde não está a conseguir avançar no terreno, o que demonstra que com mais apoio de Londres, Paris e Berlim, mas essencialmente de Washington, Kiev pode derrotar militarmente Moscovo.

Ora, esta retórica, que alguns especialistas como o coronel Jacques Baud, antigo elemento da intelligentsia suíça e com longo passado junto da NATO, ou o português major-general Agostinho Costa, não faz sentido porque os russos não estão numa guerra de conquista territorial como elemento fundamental mas sim de atrito, visando a destruição e desmilitarização do inimigo.

Estes dois especialistas sublinham amiúde que esta ideia entre os europeus é resultado de visões históricas diferentes sobre a guerra, porque enquanto a Rússia, país gigante, não busca territórios como primazia, na Europa, erguida numa teia de pequenas Nações, a conquista territorial é e foi sempre o azimute de todos os seus conflitos, notando que para Moscovo é "muito mais relevante fragilizar o inimigo destruindo as suas capacidades humanas e materiais" porque isso lhe retira "apetite" sobre as suas próprias fronteiras.

Isso mesmo sublinhou Sergei Lavrov nesta entrevista à NBC, garantindo que "a Rússia não procura conquistar territórios" mas sim "proteger as populações etnicamente russas e rossófilas" da perseguição de Kiev.

"Nós não temos interesse nenhum em territórios, nós já temos o maior território à face da terra", explicou Lavrov, acrescentando que a Rússia, um país com 11 fusos horários que vai da Europa ao Pacífico, está interessa em garantir a segurança do seu povo, "removendo todas as ameaças às suas fronteiras oriundas do território ucraniano".

Lavrov deixou por último uma garantia a Kiev que é Moscovo aceitar sem rebuço o direito da Ucrânia a existir mas exigindo que Kiev deixe os povos russos e russófonos escolher os seus caminhos como é o caso das cinco regiões que em 2014 (Crimeia) e em 2022 (Kherson, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk) escolheram integrar a Federação Russa.

O que pensam europeus e Kiev

Isto, quando em Kiev, nas comemorações do Dia da Independência, em 1991, da então URSS, o Presidente Zelensky voltou a insistir que quer a paz mas que para isso é preciso que os seus aliados, incluindo os EUA, o ajudem a "empurrar e obrigar Moscovo a aceitar a paz" e que para isso o melhor é "Putin aceitar" um tête-à-tête com ele.

No meio de enorme ambiguidade, com Kiev a aceitar ceder territórios num dia e recusar fazê-lo no outro, é com uma retórica claramente oposta à de Moscovo que Zelensky procura levar os países da NATO a ajudar na continuidade do conflito, porque o Kremlin já fez saber que não pode acontecer um encontro entre Putin e o ucraniano sem que as normas da tradição diplomática sejam seguidas.

Isto é, que as equipas técnicas trabalhem na procura de um entendimento que leva a um acordo e depois, por fim, que os Presidentes se sentem à mesa para assinar o documento ou, eventualmente, dirimir pequenas questões que as equipas técnicas não puderam ultrapassar mas que não sejam questões de fundo e decisivas.

Para já, da parte russa e da parte ucraniana, apesar do folclore mediático, as posições mantêm-se, no essencial, as mesmas de há largos meses, pelo menos, apesar de o vice-Presidente dos EUA, JD Vance ter vindo agora garantir que Moscovo deu um passo relevante cedendo em algumas exigências ucranianas.

Moscovo, em síntese, exige que a Ucrânia se mantenha neutra e fora da NATO, que nem pense em ter forças militares ocidentais no seu território no âmbito das garantias de segurança no pós-guerra, e que aceite a soberania russa das cinco províncias anexadas desde 2014.

Kiev, em resumo, mantém que quer os russos fora das suas fronteiras de 1991, incluindo a Crimeia, que Moscovo pague a reconstrução do país e que os dirigentes russos sejam julgados e condenados nas instâncias judiciais internacionais, embora este posicionamento já tenha sido apresentado com menos solidez em várias ocasiões, tendo, porém, sempre voltado a ser a posição final da Ucrânia.

O risco maior

Neste momento, uma das questões mais flamejantes é a exigência dos europeus, especialmente o alemão chanceler Friedrich Merz, do Presidente francês Emmanuel Macron e do primeiro-ministro britânico Keir Starmer, de colocar forças militares suas no terreno para servirem de garantia a Kiev para evitar novos ataques russos, embora Moscovo sublinhe que tal é uma inultrapassável linha vermelha e que se vier a suceder, marcará o início de uma guerra aberta entre a NATO e a Federação Russa, que, como se sabe, levaria de forma célere o mundo para o seu temido, agora mais que nunca, Armagedão nuclear.