"Neste ficou expresso que o Governo Português reafirmava a natureza exclusivamente interna das razões que conduzira à nacionalização dos Bancos comerciais portugueses com sede em Portugal e não pretendeu, de todo, intervir na orientação e funcionamento do sistema de crédito de Angola, afirmando-se, por outro lado, que competiria ao Governo de Angola exercer, conforme entendesse conveniente, a fiscalização da respectiva actividade bancária, designando nomeadamente representantes permanentes junto dessas instituições."
O que chocava com o Comunicado do Colégio Presidencial, de 23 de Março, que anunciou a vinda da delegação portuguesa. Referia que seria para iniciar "as discussões técnicas que possibilitarão a transferência, para mãos angolanas, das acções das empresas nacionalizadas." Mas não é de admirar, considerando a posição defendida pela FNLA e UNITA, de oposição à transferência das acções para Angola.
É de admitir, pois, que o projecto de acordo provavelmente seria já uma tentativa de compromisso entre os três Movimentos de Libertação para, pelo menos, o Governo de Transição nomear representantes junto dos bancos.
E é de assinalar que não deixa de ser insólito que constasse do projecto de acordo, que "competiria ao Governo de Angola exercer a fiscalização da ... actividade bancária", pois tal competência já era do Governo de Transição, em linha com o acordado no Alvor e depois plasmado no Decreto-Lei nº 1-A/75, de 03 de Fevereiro, já do Governo de Transição. A única novidade seria a possibilidade de o Governo de Transição nomear "representantes permanentes" junto dos bancos, subentendendo-se que seriam administradores, em representação da parte do capital que estava nas mãos do sector público português.
Para além de um "imbróglio", como lhe chamou Gonçalves Ribeiro (página 231), havia, pois, uma enorme confusão! E o imbróglio, na verdade, nunca chegou a ser desfeito, com Portugal anos depois a assumir-se ainda como detentor de participações nos Bancos em Angola, com "posição dominante" - ver o Despacho Normativo n.º 210/77, de 29/Outubro, assinado pelos Ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros de Portugal: "Considerando que a actividade dos bancos de Angola e Moçambique, em que, directa ou indirectamente, o sector público português tem posição dominante, ...."
Resultado: não chegou a ser assinado qualquer acordo e tudo continuou na mesma. O que não é de estranhar, pois a FNLA e a UNITA tinham colocado como seus representantes no grupo de trabalho criado para negociar com a parte portuguesa, membros das administrações dos bancos, que no fundo eram representantes dos antigos accionistas, como consta de telegrama de 28 de Abril, enviado por Tom Killoran: "Os três negociadores da UNITA e três da FNLA, todos banqueiros, terão assinado um memorando conjunto enviado ao Colégio Presidencial solicitando que a comissão técnica evitasse questões políticas e se concentrasse nos problemas técnicos."
Entretanto, paralelamente às "negociações" que decorriam com a Delegação Portuguesa, estava em elaboração e foi aprovado pelo Governo de Transição, nos primeiros dias de Maio de 1975, o chamado "Programa Económico de Angola". Sobre o sistema bancário, constava o seguinte:
a) Transformar o Banco de Angola num banco exclusivamente comercial detido pelo Estado;
b) Tomada pelo Estado de pelo menos 51% do capital de todos os bancos;
c) Obrigatoriedade de existência em mãos de nacionais de 70% do capital dos bancos incluindo a participação do Estado;
d) Conclusão das negociações com o Governo Português da transferência para o Estado de Angola da propriedade do capital dos bancos angolanos pertencentes ao sector nacionalizado.
Repare-se que o Programa dizia que 70% do capital dos bancos deveria ficar "em mãos de nacionais", percentagem que, grosso modo, correspondia à parte do capital que passou para a propriedade do Governo português, como resultado da nacionalização dos bancos em Portugal.
Tendo o Programa sido elaborado pelo Ministério da Economia, que tinha à frente um Ministro indicado por Portugal, 9 depreende-se que tivesse havido uma concertação, na parte referente aos bancos, com a delegação que veio de Lisboa em Março, chefiada por Melo Antunes, um dos membros mais influentes do governo português.
O que leva a concluir que o governo português tinha intenções de entregar ao Governo angolano as acções que os bancos portugueses nacionalizados detinham nos bancos em Angola.
Mas, é claro, a "tomada pelo Estado de pelo menos 51% do capital de todos os bancos" não estava em linha com as posições defendidas pelos «banqueiros» que representavam a FNLA e a UNITA nas negociações com a delegação portuguesa, embora, como afirmou Vasco Vieira de Almeida quando apresentou o Programa ao público, o "governo tomou a decisão", ou seja, a FNLA e a UNITA estiveram de acordo com o Programa quando foi discutido no Conselho de Ministros.
O que demonstra alguma desorientação e falta de articulação no seio dos membros da FNLA e da UNITA, tendo os Ministros indicados por estes dois Movimentos aprovado um programa no Conselho de Ministros que contrariava a posição que os seus representantes defenderam no grupo técnico que negociou o impacto da nacionalização dos bancos em Portugal.
E, com tudo isto, nem foi assinado qualquer acordo com Portugal sobre a transferência, para mãos angolanas, das acções das empresas nacionalizadas nem o Programa Económico foi implementado, tendo Vasco Vieira de Almeida escrito uma carta aos três movimentos de Libertação, em Julho, em que dizia que o Programa, embora aprovado pelo Governo e pelos três movimentos, foi boicotado a vários níveis dentro do Governo de Transição.
Manteve-se, por conseguinte, o controlo dos bancos em Angola pelos antigos proprietários dos bancos portugueses e, por arrasto, continuaram à frente dos cinco bancos os mesmos gestores, que deles recebiam orientações.
Perdeu-se uma oportunidade de o então Governo de Angola entrar na posse de um significativo lote de acções, que antes eram de entidades estrangeiras e lhe daria uma posição dominante no capital dos bancos, podendo desde essa altura participar na sua gestão, com a nomeação de pessoas que dessem garantias de continuidade no País.
Isto teria sido muito importante para a preparação de quadros angolanos em gestão bancária, porque até aí nos bancos praticamente não existiam empregados angolanos e os raros que existiam desempenhavam funções de pouca relevância.
SITUAÇÃO DE INSTABILIDADE E VIOLÊNCIA E O IMPACTO NA ECONOMIA EM GERAL E NOS BANCOS EM PARTICULAR
Os confrontos entre militares dos Movimentos de Libertação intensificaram-se fortemente a partir de Junho, provocando o agravamento da situação económica, com o aumento da instabilidade e a falta de segurança.
Para piorar a situação, a partir de meados de Junho foi-se assistindo à gradual balcanização do país e a uma crescente dificuldade na circulação de pessoas e mercadorias, o que trazia mais prejuízos às empresas.
A situação foi agravada pelo facto de Angola ser uma colónia em que todo o poder e controlo administrativo e económico estavam nas mãos de pessoas que cedo começaram a ponderar sair para o exterior. E quando essas pessoas, face à cada vez maior insegurança e incerteza quanto ao futuro, iniciaram o abandono em massa, assistiu-se à semi-paralisação da administração pública ou mesmo total paralisação em vastas regiões, ao abandono de muitas empresas do sector agro-pecuário e ao esvaziar da maioria das empresas dos outros sectores de quadros de gestão e pessoal qualificado. Para se ter uma melhor ideia do impacto na actividade económica, atente-se na previsão, em Maio de 1975, quanto à produção de café. Em telegrama do consulado americano para o Departamento de Agricultura do governo americano, em Maio de 1975, em que o assunto era "Desastre com a produção de café no Distrito do Uíge", pode ler-se que o Governador do Uíge estimava que a produção no distrito seria apenas 20%, comparando com a de 1974. E, no final, está referido haver estimativas de que a produção total de café em 1975 seria 40% da registada em 1974.
9 Vasco Vieira de Almeida, advogado, que já fora Ministro da Coordenação Económica em Portugal, logo a seguir à revolução do 25 de Abril.