Agora, atendendo ao conteúdo do documento hoje aprovado por decreto do Presidente russo, Vladimir Putin (ver aqui e aqui), se este for levado à letra, a Federação Russa está agora de "mãso livres" para ripostar contra os Estados Unidos da América.
Isto, porque foram os EUA que forneceram à Ucrânia os seis ATACMS, misseis balísticos de alcance intermédio, com que foi atacada uma base militar em Briansk, região russa a cerca de 200 kms da fronteira ucraniana, causando danos não especificados.
Não é a primeira vez que Kiev ataca alvos no interior profundo da Rússia nos mil dias de guerra que são "comemorados" nesta terça-feira, 19, mas é a primeira vez que para tal são usados misseis norte-americanos, o que foi possível depois de, no Domingo, o Presidente Joe Biden ter dado a sua autorização formal para esse efeito.
Ate aqui, os ATACMS norte-americanos (na foto) eram usados unicamente em território disputado por russos e ucranianos, o que justificou a margem que Moscovo usou para não considerar que se tratava de ataques directos à Federação Russa, apesar de as cinco regiões anexadas em 2014 e 2022, serem já, constitucionalmente, geografia russa de total direito.
Naturalmente que aqui chegado, o que deve ser visto à luz das palavras do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que, já hoje, aconselhou os líderes dos países das NATO a estudar com minúcia o conteúdo das oito páginas que acolhem a nova doutrina nuclear russa, tudo depende agora da leitura da realidade russa à luz destas novas disposições.
O anúncio do uso dos ATACMS norte-americanos foi feito pelos russos, notando os media do país que, dos seis projecteis disparados, cinco foram destruídos pelos sistemas de defesa S-400 e Pantsir, e um deles acabou por embater numa unidade militar.
Da parte ucraniana, ainda não foi feita qualquer afirmação sobre este ataque, embora o Presidente do país, Volodymyr Zelensky, tenha afirmado ontem que não haverá grandes palavras sobre o uso dos ATACMS, porque "as palavras não produzem efeitos, serão os misseis a falar".
E parece que falaram, apesar, porque, até ao momento, tirando as palavras de Zelensky, apenas o The New York Times noticiou que Joe Biden mudou a sua posição sobre o usso alargado destes misseis, ficando apenas o silêncio sobre essa notícia da Casa Branca.
Preparos para a guerra
Esta escalada na guerra, tanto efectiva, o que se traduz pelo uso alargado agora dos Misseis ATACMS, como administrativa, a mudança da doutrina nuclear russa, está a gerar um vendaval de reacções um pouco por todo o mundo.
Nos últimos dias, países como a Suécia e a Finlândia, os dois países da Europa do norte que entraram na NATO este ano, lançaram uma gigantesca campanha de sensibilização dos seus cidadãos para se prepararem para uma guerra com a Rússia.
E pouco depois, os media internacionais noticiavam que os cabos submarinos de comunicações entre a Suécia e a Lituânia, e entre a Finlândia e a Alemanha, tinham sido destruídos por desconhecidos, tendo estes países já anunciado inquéritos para encontrar os responsáveis.
Se este cenário escaldante é a antecâmara de uma guerra envolvendo a NATO e a Rússia, alguns analistas defendem que tal é muito precipitado dizer-se, mas segundo o major general Agostinho Costa, à CNN Portugal, estes são "tempos muito perigosos".
Outro problema apontado é que a alteração à doutrina nuclear por parte de Moscovo é que elas traduzem uma banalização do uso das armas nucleares que só pode ser encarado como um momento de fragilidade emocional no Kremlin, porque se trata de um passo alargado rumo ao desastre global.
Mas a forma mais sensata de se olhar para este "momento perigoso" na percepção do especialista militar português, Agostinho Costa, é que se esteja na antecâmara de um processo negocial forçado pela chegada de Donald Trump à Casa Branca e os aliados de Kiev estão a apostar tudo o que podem apostar na criação das melhores condições negociais para o seu "protege".
Negociações essas que, provavelmente, ainda terão de ver o mundo aproximar-se ainda mais do precipício nuclear para poderem chegar à mesa das negociações, onde, para já, os dois lados da barricada persistem nas condições mínimas para lá chegar.
Os russos querem a saída das forças ucranianas das regiões anexadas onde ainda têm presença militar organizada, garantias incondicionais de que a Ucrânia não entra na NATO, respeito pela cultura, língua e religião russa no país e a desnazificação do regime ucraniano, o que, no limite, levará sempre à saída de cena de Zelensky e do seu círculo mais restrito de conselheiros.
Do lado da Ucrânia, nada mudou ainda, excepto a definição do prazo para o fim da guerra, o ano de 2025, com a saída das forças russas de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia, a condenação dos dirigentes russos em tribunal internacional, a obrigação de Moscovo pagar a reconstrução do país e a autodeterminação no que respeita à NATO e à União Europeia.