Na semana passada, depois de quase todos os media ocidentais pró-Ucrânia, do britânico Financial Times ao norte-americano The New York Times, passando pelo alemão Die Welt ou o francês Le Figaro, terem, finalmente, deixado de ignorar a deterioração das condições ucranianas na linha da frente da guerra com a Rússia e a degradação das relações de Zelensky com o general Zaluzhny, o Presidente ucraniano veio admitir publicamente, em entrevista à TV italiana RAI, que uma reestruturação no Governo e nas Forças Armadas é inevitável e que o seu CEMGFA iria deixar o cargo no dia seguinte.
Aquilo que parecia ser uma demonstração de força de Zelensky, como castigo sobre Zaluzhny, depois deste ter enfurecido a linha mais dura em Kiev ao admitir, em declarações à Bloomberg, em Janeiro, que a situação da guerra, após o fracasso da contra-ofensiva do Verão de 2023, que gerou fortes expectativas entre os aliados ocidentais de uma derrota iminente de Moscovo, era de congelamento de posições, está a revelar-se uma perigosa manifestação de fragilidade institucional.
Isto, porque, como noticiou o jornal mais próximo do regime ucraniano, Ukrainska Pravda, Volodymyr Zelensky foi avisado pela secreta ucraniana que um passo na direcção da exoneração de Valery Zaluzhny levaria a uma revolta nos quartéis e a manifestações ruidosas nas ruas de Kiev contra o Presidente e contra o circulo mais restrito que gere a guerra contra a Rússia.
Alguns analistas entendem, porém, que a situação é ainda mais perigosa para o regime de Zelensky porque existe uma contida revolta popular e nas casernas militares contra a evolução deste conflito com os russos, devido ao número insustentável de mortos e feridos nas trincheiras, como se percebeu há duas semanas, quando centenas de mulheres foram para as ruas de Kiev exigir o regresso dos seus filhos e maridos que estão há dois anos na frente de combate, muitos dos quais não dão notícias há meses ou mesmo há mais de um ano.
E esta disputa entre o Presidente e o seu comandante militar, a que se junta ainda a questão do recrutamento de 500 mil soldados, exigida por Zaluznhy, negada por Zelensky, que acabou por ficar a meio caminho, ao ser reduzida a idade de recrutamento dos 27 para os 25 anos, além da saída de algumas doenças, físicas e mentais, dos impedimentos para alistamento, pode ser o rastilho que falta para incendiar o descontentamento dando-lhe forma de contestação à liderança, até porque em Março, não fora a Lei Marcial em que a Ucrânia se encontra, deveriam ser realizadas eleições Presidenciais.
Alias, não é apenas com Zaluzhny que Zelensky tem de se preocupar. Agora já está a ser criticado abertamente por dois dos seus mais pesados aliados até agora, em contexto de guerra, que são o anterior Presidente, Petr Poroshenko, que lhe disse na cara que teria problemas se demitisse o CEMGFA, e o autarca de Kiev, Vitali Klitschko, um antigo pugilista medalhado e figura popular no país, que tem criticado a liderança do país, acusando o Chefe de Estado de estar a conduzir a Ucrânia para um regime autoritário e antidemocrático.
Na génese desta disputa, que parece só poder terminar com a saída de cena de um dos dois homens, está a defesa intransigente por parte de Zelensky de que a guerra deve ser mantida a todo o custo e em todas as posições da linha da frente, independentemente das baixas nas fileiras ucranianas, e a opinião do CEMGFA, que vai no sentido de poupar homens e material nas áreas onde uma vitória russa é inevitável, estando apenas a ser aiada com elevados custos em vidas humanas e em armamento que fará falta na defesa de locais mais importantes estrategicamente para os interesses do país.
Zelensky diz que isso é o que lhe pedem os aliados ocidentais como contrapartida para o apoio financeiro e militar, sem o qual a Ucrânia deixaria de conseguir resistir por mais de duas semanas, enquanto Valery Zaluzhny entende que os interesses ucranianos são mais relevantes que as estratégias dos aliados ocidentais assentes nos seus interesses e que salvar vidas deve ser a prioridade quando em disputa estão áreas sem relevância maior no contexto da guerra.
Face a este cenário, vai Zelensky manter a palavra e fazer uma abrangente remodelação das chefias militares? E se o não fizer, mantém a legitimidade intacta (?) face à claramente evolução negativa para os ucranianos na linha da frente, com iminentes derrotas em áreas relevantes, como Avdiivka, Donetsk, Kupiansk, na área de Kahrkiv, ou Robotine, na região de Zaporizhia.
Se recuar, como vão agir os seus mais próximos, como o general Kirilo Budanov, chefe da secreta militar, SBU, a quem a imprensa ocidental próxima de Kiev diz que Zelensky vai indicar para substituir Zaluzhny, ou o general Oleksandr Syrskyi, chefe das Forças Terrestres ucranianas, igualmente na lista das alternativas para o cargo de CEMGFA?
Nos próximos dias, estas questões estarão esclarecidas, mas, até lá, alguns analistas admitem que não está afastada a possibilidade de um golpe de Estado que permita começar a desenhar uma saída para esta guerra, que passará sempre por conversações com os russos, e que Zelensky não pode fazê-lo, porque se proibiu a si mesmo por decreto de o fazer.
Isso seria igualmente forçado pelo muito importante desfecho que vier a ter no Congresso dos EUA a disputa entre democratas e a maioria republicana sobre a aprovação de um pacote de ajuda financeira a Kiev proposto pelo Presidente Biden mas recusado pela maioria da oposição, sendo que, para já, as possibilidades de tal ajuda vir a ser aprovada são quase nulas, como a própria Administração norte-americana já admite devido ao impasse.
E é igualmente relevante o facto de em Novembro ocorrerem as eleições Presidenciais nos EUA, com o candidato republicano, Donald Trump, que já disse que vai acabar com a guerra em 24 assim que assumir o poder, a dominar todas as sondagens, sendo, no presente, o mais provável vencedor da disputa eleitoral que se aproxima.
Se Trump ganhar, e o apoio norte-americano cessar, como acontecerá se vier a acontecer esse desfecho, a Ucrânia perde um aliado e deixa, como é assumido pelo Presidente da Ucrânia, de ter condições de resistir à Rússia por mas de duas semanas.
Ora, face a este possível cenário já em menos de um ano, os analistas começam a admitir que em Kiev se adensa a ideia de que negociar antes de tal suceder é mais vantajoso que fazê-lo depois, em clara desvantagem, até porque a cada diz que passa as unidades russas avançam no terreno e esses ganhos, seriam, então, irrecuperáveis para a Ucrânia...
Tucker Carlson baralha contas mediáticas ocidentais
Desde o início da guerra que os governos ocidentais, na Europa e nos EUA, definiram como estratégia de acompanhamento mediático o controlo editorial dos media, tendo esta opção chegado à estranha decisão da União Europeia de censurar todos os media russos que transmitem para o exterior, como, por exemplo, o canal de notícias Russia Today.
Nos EUA, um dos mais famosos e controversos pivots da televisão de abrangência global, a Fox News, Tucker Carlson, um jornalista conservador e polémico, próximo da linha dura de Donald Trump,começou por contrariar esse alinhamento com a política pró-ucraniana da Administração de Joe Biden, acabando por ser despedido do canal, não sendo, porém, essa a razão principal avançada pelas suas chefias.
Agora, depois de ter criado o seu próprio canal nas redes sociais, com grande difusão e milhões de visualizações, Tucker Carlson, volta a mexer com os corredores da política norte-americana ao anunciar que estava em Moscovo para fazer uma longa entrevista ao Presidente Vladimir Putin.
De mediato começou a ser atacado pelos restantes media, sendo a menor das acusações de que ele não é um jornalista mas sim um activista conservador aliado dos republicanos mais radicais e que não olha a meios para passar as suas mensagens, incluindo descaradas mentiras, como foi esta quarta-feira acusado pela CNN.
Seja como for, Carlson acaba por colocar Putin no palco do interesse mediático global com a entrevista que deve ser transmitida ainda esta quinta-feira e que, segundo o próprio, já obteve garantias do chefe do antigo Twitter, actual X, Elon Musk, que a sua entrevista ao chefe do Kremlin, apesar das pressões da Casa Branca e dos governos europeus, não será censurada nesta rede social.
Sobre esta entrevista, o porta-voz do Kremlin, Dmitr Peskov, confirmou a conversa entre o polémico jornalista norte-americano e Putin, informando que este não tem interesse em falar aos media ocidentais que mostram ter apenas uma visão sobre as matérias da guerra e que esta entrevista serve precisamente para mostrar as mentiras sucessivas dos media "mainstream".
Num vídeo promocional desta conversa com Putin, Carlson disse que avançou com esta ideia depois de confirmar que os media ocidentais de uma forma generalizada estão a mentir de forma premeditada sobre as razões que levaram à invasão russa da Ucrânia.
Uma das criticas mais violentas que ouviu, além das dos seus pares jornalistas, veio da antiga secretária de Estado dos EUA, Hilary Clinton, que acusou Tucker Carlson de ser "o papagaio das mentiras de Putin" sobre a Ucrânia.
E na União Europeia, no Parlamento Europeu, já há vozes a defender que o jornalista norte-americano, mesmo antes da difusão da entrevista a Putin, deve ser alvo de sanções e ser impedido de entrar nos países da União.
Em Washington há igualmente múltiplas vozes a defender que Tucker Carlosn deve ser processado e sancionado depois desta ida a Moscovo.