No próximo mês de Março completaria 76 anos de idade, dos quais mais de 58 foram dedicados à medicina, contados a partir de 1967, ano em que, em Luanda, se matriculou na Faculdade de Medicina dos Estudos Gerais Universitários de Angola (EGUA), instituição que, em 1970, evoluiu para a Universidade de Luanda, onde se viria a licenciar em 1972/73.
Por força desta triste circunstância e de várias outras bastante relevantes entre institucionais e pessoais, achei por bem escolher a sua figura para preencher este editorial.
Ao mesmo tempo que, em nome do Novo Jornal, lhe presto a mais do que merecida e devida homenagem, aproveito o ensejo para destacar a importância dos médicos e da medicina no contexto angolano, onde o Dr. Sacy emergiu como uma das referências maiores dos primeiros e difíceis passos que a saúde deu em Angola nos anos que se seguiram à proclamação da Independência em Novembro de 1975.
Já se passaram 50 anos.
Falamos da administração dos cuidados de saúde que se processa nos estabelecimentos hospitalares/centros, mas também queremos aqui destacar o ensino da medicina numa Faculdade que na época era a única e assim foi durante muitos anos, estando hoje a viver uma estranha crise, muito difícil de entender e que já levou ao seu encerramento parcial.
Ao lado dos seus companheiros da época que não eram muitos, o Dr. Sacy esteve em todas as frentes e em todas elas se destacou pela sua seriedade, competência e grande empatia/generosidade emprestando assim o seu saber a um dos sectores mais sensíveis da vida de qualquer país num contexto histórico dramático em que os desafios que Angola enfrentava eram verdadeiramente ciclópicos.
Se tivéssemos aqui que destacar alguns momentos da sua extensa e rica trajectória, pois este espaço editorial é demasiado limitado para falarmos dela na sua totalidade, talvez ficássemos apenas pela sua passagem pela direcção da Faculdade de Medicina entre 1990 e 1993 e pela sua gestão da Ordem dos Médicos de Angola onde em 1999 foi democraticamente eleito como sendo o seu primeiro Bastonário para um mandato de quatro anos.
Só para detalhar minimamente a sua intervenção nestas duas instituições iríamos, certamente, precisar de mais algumas páginas e de muita tinta.
A proclamação da Ordem dos Médicos, a segunda a surgir em Angola depois da Ordem dos Advogados, representou efectivamente um momento histórico de viragem/afirmação da autonomia da classe médica.
O momento mais difícil, mas menos conhecido da maior parte das pessoas, incluindo os seus contemporâneos, que o Dr. Sacy viveu nestes anos todos foi, certamente, aquele que teve lugar após a morte de Agostinho Neto em Moscovo em 1979 como resultado de uma patologia maligna no fígado que já lhe tinha sido diagnosticada em Luanda.
O Dr. Sacy era um dos médicos do falecido primeiro Presidente de Angola tendo, na sequência do funesto acontecimento, sido mesmo acusado injustamente de ser responsável pelo trágico desfecho.
O inquérito prolongou-se por mais de um ano, aparentemente sem outras consequências maiores para a sua própria liberdade numa altura em que os direitos fundamentais dos cidadãos não tinham qualquer valor no país.
O Dr. Sacy sempre se recusou a falar publicamente desse momento mais complicado da sua carreira, tendo alegado a sua inutilidade superveniente.
Felizmente para mim, enquanto editorialista de piquete, que esta não é a primeira vez que faço referência com destaque a esta geração pioneira dos médicos angolanos que há 50 anos carregaram com o país às costas, sendo hoje já poucos aqueles que se lembram deles e da sua contribuição inestimável.
Em 2014 quando nos preparávamos para assinalar o 40º aniversário da Independência escrevi isto:
Há 40 anos quando tudo isto, que hoje se chama Angola independente começou, com o 25 de Abril de 1974, estes meus amigos médicos entregaram-se de corpo e alma e foram pau para toda a obra de um país que, no sector da saúde e do ensino da medicina, tinha ficado praticamente de tanga, com a saída dos portugueses.
Em grande medida, foram estes meus amigos que não permitiram que o pouco que tinha sobrado desaparecesse completamente, sobretudo na área da formação de novos médicos, alguns dos quais hoje já são a nata da nossa medicina especializada com todas as pós-graduações/doutoramentos que depois foram fazer ao estrangeiro.
Alguém tinha que ficar para garantir a continuação da máquina, tendo os meus amigos preferido permanecer no posto, a troco da satisfação de garantirem o mínimo que o Sistema Nacional de Saúde (SNS), em condições cada vez mais debilitadas, ia provendo aos angolanos carentes de cuidados e assistência médica.
Grande Sacy!