É que Keith Kellog, general na reforma, fiel aliado de Trump e seu antigo chefe do Conselho de Segurança Nacional no primeiro mandato, é das figuras republicanas mais críticas dos milhares de milhões enviados de Washington para Kiev no âmbito do apoio à Ucrânia na guerra com a Rússia.
Esta indicação não é passível de outra leitura que não seja Donald Trump a enviar um recado robusto para o Presidente Volodymyr Zelensky de que a sua promessa de acabar com a guerra rapidamente é para manter e que de pouco lhe vale estar agora a tentar convencê-lo a mudar de ideias.
Isto, porque, desde que se conheceu a vitória estrondosa de Trump nas eleições de 05 de Novembro, somando à Casa Branca as duas câmaras do Congresso, os Representantes e o Senado, Zelensky tem procurado trazer as palavras do Presidente-eleito para a sua narrativa.
E o melhor exemplo disso foi quando o líder do regime ucraniano aproveitou Trump ter dito que é apologista de soluções de força para acabar com conflitos para dizer que essa posição de força passa por ajudar Kiev a fortalecer as suas forças para obrigar Moscovo a negociar a paz.
Zelensky, o mau hermeneuta
Ora, a peculiar interpretação das palavras de Trump está, como se vê por esta indicação, a sair cara a Zelensky, que, a partir de 20 de Janeiro vai ter de receber e ouvir o que o general Keith Kellog, em nome do Presidente dos EUA, tem para lhe dizer, que passa, claramente, por obrigar os ucranianos a caminhar para a mesa das negociações com os russos.
Naturalmente, Kellog vai estar igualmente em Moscovo, mas na capital russa, no Kremlin, perante Vladimir Putin, a conversa terá de ser forçosamente diferente, porque nem os americanos são o suporte decisivo da Rússia e os russos estão claramente a ganhar a guerra.
Além disso, Putin já desenhou sobre o mapa desta guerra as condições mínimas para negociar a paz com Kiev e dificilmente quem está a ganhar a guerra, não depende dos americanos para manter o impulso combativo e é a maior potência nuclear do mundo recuará nos pontos essenciais.
O que Keith Kellog tem como posição oficial de um e do outro lado da barricada é conhecido e não há alterações conhecidas, pelo menos de forma pública e oficial.
As condições...
A Ucrânia, antes de se sentar a negociar, quer ver as forças russas a saírem de todos os territórios ocupados desde 24 de Fevereiro de 2022, garantias de que Moscovo paga os curtos da reconstrução e os dirigentes do Kremlin julgados num tribunal internacional por crimes de guerra e contra a Humanidade.
A Rússia coloca como condições mínimas para negociar com Kiev a saída das forças ucranianas que ainda resistem em parte das regiões anexadas em 2022 (Donetsk, Kherson e Zaporizhia), porque em Lugansk e na Crimeia (anexada em 2014) tal já não acontece, a garantia de que o país não adere à NATO em nenhuma circunstância e o respeito inviolável pela cultura, religião e língua russas na Ucrânia depois do fim das hostilidades.
É neste cenário que Kellog vai ter de levar as partes a cederem no que for considerado essencial para garantir o início das negociações e o fim dos combates, embora seja difícil perceber onde é que Putin vai abrir mão para satisfazer a necessidade diplomática de Zelensky não sair humilhado deste processo.
Para ajudar Zelensky a avançar uns degraus na posição onde vai estar no momento de negociar, que deve ser pouco depois de 20 de Janeiro, os seus aliados ocidentais estão mesmo a arriscar atravessar o Rubicão de um confronto nuclear com a Federação Russa.
Especialmente com a autorização arriscada de Washington e Londres para o uso dos misseis ATACMS e Storm Shadow para flagelar a Rússia em profundidade e fora da geografia em disputa na guerra que Putin tem, repetidamente, afirmado que faz com que os EUA e o Reino Unido sejam co-beligerantes porque tais armas só podem ser usadas por militares destes países.
Enviar tropa da NATO para a Ucrânia?!
Além disso, nos últimos dias, França e Reino Unido vieram a público admitir a possibilidade de enviarem forças militares para ajudar os ucranianos a combater os russos, o que seria o mesmo que declarar guerra à Rússia e colocar toda a Europa ocidental à mercê da tríade nuclear russa.
Isso, porque uma guerra entre a Federação Russa e a NATO levará inevitavelmente a um catastrófico confronto nuclear na III Guerra Mundial e a antecâmara do fim da Humanidade tal como a conhecemos.
Este desafio ocidental é sustentado por aquilo que as lideranças europeias e norte-americana dizem ser os permanentes bluffs de Putin quando este avisa que os países da NATO estão a brincar com o fogo.
E mantiveram esse tom de quase escarnio para com os russos depois do uso da nova arma russa, o míssil hipersónico de múltiplas ogivas convencionais, o Oreshnik (ver links em baixo), contra uma unidade industrial em Dnipro, voando a mais de 10 vezes a velocidade do som, sendo imparável face aos sistemas antiaéreos conhecidos actualmente.
Após o Oreshnik ter sido usado pela primeira vez, a Ucrânia voltou a atacar a Rússia em profundidade com misseis norte-americanos e britânicos, o que faz com que se espere agora que a Rússia volte a mostrar a capacidade destrutiva da sua nova arma, podendo isso acontecer de novo na Ucrânia ou sobre uma base norte-americana ou britânica na Europa ocidental.
Putin, o contido...
Resta agora saber se Putin vai optar pela contenção estratégica, esperando que o tempo passe e a chegada de Trump à Casa Branca provoque um arrefecimento bélico no ocidente, porque dificilmente a quase insignificante Europa manterá as garras de fora sem o escudo protector americano no contexto da guerra na Ucrânia.
E parece que é isso mesmo que num e noutro lado se vê já como inevitável, até porque o próprio Donald Trump não perde uma oportunidade para o relembrar, tendo, agora, depois ser conhecida a indicação de Keith Kellog para seu enviado especial para o conflito ucraniano, vindo à sua rede social para escrever que com o seu "amigo" vai alcançar a paz "pela força".
Keith Kellog "está comigo desde o princípio e juntos alcançaremos a paz através da força e tornaremos a América e o mundo seguros de novo", escreveu Donald Trump na rede social Truth Social.
A esta posição de Trump não se pode ignorar a de Kellog, que é conhecida há meses, e que passa por condicionar qualquer apoio a Kiev a negociações com a Rússia, além de defender que a Ucrânia não deve entrar na NATO porque é preciso dar garantias suficientes para que Putin aceite sentar-se à mesa e negociar uma saída para este conflito.
O rublo "desrubla-se" pressionado pelas sanções
Mas há outro factor que pode facilitar a vida a Kellog e a Trump, bem como a Zelensky, que é o surgimento de indícios sólidos de que as sanções aplicadas contra a Rússia pelo ocidente estão, finalmente, a funcionar.
Isto, porque, como noticiam esta quinta-feira, 28, os próprios media russos, a moeda russa está em queda acentuada, tendo mesmo atingido mínimos de Março de 2022, logo após a invasão, quando cada dólar valia cerca de 115 rublos, embora depois tenha recuperado para os 80/1.
A RT, a tv estatal russa em inglês, avança, citando especialistas, que esta queda cambial se deve às sanções ocidentais e à incerteza geopolítica.
O declínio da economia russa, que viu agora o Gazprombank, o seu último banco a ser retirado do sistema de pagamentos internacional SWIFT, traduzido agora nesta pesada perda cambial, pode ser uma nova frente de pressão sobre o Kremlin para facilitar o caminho para a mesa das negociações.
E se a Rússia não for capaz de encontrar alternativas apara o fluxo e influxo de divisas, os problemas económicos e financeiros, que são hoje apenas visíveis nos gráficos, podem chegar ao bolso dos cidadãos, o que levará a uma perda de popularidade de Putin e a um novo olhar, naturalmente mais negativo, para a guerra e para o apoio popular que esta ainda mantém.
Os lideres europeus e norte-americanos, sempre que confrontados com a ainda saliente resistência da economia russa às sanções ocidentais, muito porque Moscovo virou-se para oriente, onde encontrou na China e na Índia os seus novos e grandes parceiros comerciais, foram repetindo que esse impacto era uma questão de tempo.
E esse tempo pode estar a chegar quase três anos depois da invasão russa, que levou este país ao estatuto do mais sancionado de sempre em todo o mundo, o que pode, coincidentemente, vir a ser a melhor "arma" ocidental entregue a Kiev para usar na mesa das negociações.
Tempo escasseia e Moscovo está a apagar as luzes em Kiev
Só que essa pressão não acontece de oeste para leste, também a Ucrânia vive momentos de asfixia social, com a sua economia de rastos, estando mesmo já com rating de lixo nalgumas agências que medem a qualidade das economias nacionais em todo o mundo.
Kiev vive mesmo uma situação dramática de não ter viabilidade sem o apoio continuado dos seus aliados europeus e norte-americanos, que já injectaram quase 300 mil milhões USD no país ao longo destes quase três anos de guerra.
E, a somar a este sufoco económico e financeiro, a Ucrânia esta a entrar na pior fase do Inverno com a quase totalidade do seu sistema eléctrico em baixo devido aos permanentes e intensos ataques russos ás suas centrais e linhas de abastecimento.
E uma população sem poder ligar o aquecimento para lidar com temperaturas médias de vinte graus negativos (- 20º) fica sem vontade de resistir, como o demonstram as recentes sondagens (ver aqui) que indicam que cada vez mais, sendo já uma maioria alargada, pessoas querem que a paz seja conseguida rapidamente, mesmo com perda de territórios para Moscovo.