Há semanas que as toneladas de alimentos e medicamentos que faltam há meses na Venezuela se estavam a acumular do lado brasileiro e colombiano da fronteira para que no Sábado, data definida pelo autoproclamado Presidente interino, Juan Guaidó, de 35 anos, tivesse início a operação de distribuição dos bens doados pela comunidade internacional mas com a fatia de leão a partir dos Estados Unidos da América, país que lidera a ofensiva externa contra o regime de Caracas.
Para isso, a fronteira teria de estar aberta e assim teria sido se as Forças Armadas tivessem obedecido ao Presidente interino em vez de, como sucedeu, terem obedecido ao Presidente eleito há cerca de um ano em eleições, NIcolás Maduro, de 56 anos.
Em vez disso, apesar de cerca de uma centena de militares, quase todos de baixa patente, terem desertado, as fronteiras mantiveram-se encerradas pela Guarda Bolivariana - uma força de elite leal ao Presidente Maduro - e os camiões carregados de alimentos e medicamentos foram forçados a fazer meia volta e os que se recusaram foram incendiados pelos grupos de civis apoiantes de Maduro que também estiveram na fronteira.
Assim que se percebeu que a ajuda humanitária não passaria, milhares de pessoas juntaram-se para manifestarem o seu repúdio pela opção de Maduro, tendo as forças de segurança recorrido a gás lacrimogénio para dispersar os aglomerados de gente que se desmultiplicavam em vários locais da região de Pacaraima, onde tiveram lugar alguns dos mortos e feridos desta "batalha" travada por apoiantes e críticos de Maduro.
O fim do episódio inicial
Como pano de fundo para aquele que é o mais escaldante problema internacional na América Latina está, recorde-se, a autoproclamação de Guaidó, a 23 de Janeiro, como Presidente interino a partir da condição de Presidente da Assembleia Nacional que saiu das últimas eleições, tendo recebido o apoio dos EUA de imediato e mais tarde de vários países europeus e do chamado Grupo de Lima, onde estão, para além de uma dezena de países da região, com destaque para o Brasil e a Colômbia, que são os mais activos na luta contra Maduro, o Canadá.
Nesse corrido narrativo histórico, o Presidente Maduro resolveu extinguir a Assembleia Nacional e criar uma Assembleia Constituinte porque, simplesmente, não detinha a maioria dos deputados no Parlamento saído das urnas, mantendo desde então uma férrea luta contra Guaidó, contando com, também ele, alguns pesos-pesados no exterior, a começar pela Rússia e pela China, mas onde estão ainda outros, como o México ou Cuba.
Com o, para já, insucesso nesta empreitada para levar a ajuda para o interior da Venezuela, o Presidente interino, Juan Guaidó, não se deu por vencido e anunciou uma reunião de emergência para as próximas horas com os países do Grupo de Lima, onde estará também o Vice-Presidente dos EUA, Mike Pence, o mais entusiasta dos seus apoiantes e que veio, há semanas, garantir a disponibilidade de Washington para analisar todas as formas possíveis de intervenção, desde logo0 uma invasão militar, na Venezuela.
Também o Secretário de Estado, equivalente ao MIREX angolano, Mike Pompeo, logo a seguir aos primeiros confrontos, veio garantir que o Presidente Maduro "tem os dias contados".
Entretanto, da reunião do Grupo de LIma deverá sair o novo plano para "atacar" o regime de Caracas que teima em parar a contagem decrescente iniciada pelos EUA para a sua queda e, de imediato, passou ao contra-ataque, com NIcolás Maduro a anunciar que, afinal, a Venezuela está disponível para receber ajuda internacional, desde que seja enviada por países europeus e de forma legal, com o apoio à operação das Nações Unidas, mantendo-se os EUA, Brasil e Colômbia de fora.
ONU mostra-se muito preocupada com as mortes registadas no "campo de batalha"
António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, não podia ser mais claro ao recorrer a palavras fortes para caracterizar a situação na Venezuela e lançou um apelo veemente às Forças Armadas para que não usem "força letal em nenhuma circunstancia".
Num comunicado emitido pelo seu gabinete é dito que Guterres "está a acompanhar com preocupação crescente a escalada de tensão na Venezuela" e que ficou "chocado e entristecido" com as mortes de civis registas nos confrontos que ocorrem desde Sábado e pediu o fim imediato de todos os actos de violência.
O Secretário-Geral da ONU "apela à calma e pede a todos os protagonistas para que trabalhem no sentido de reduzir a tensão e desenvolver todos os esforços para evitar o aumento da tensão" e do potencial de confrontos mais alargados.
Alias, com o país envolvido na mais intensa crise social, política e militar em muitas décadas, com a fome a generalizar-se aos quatro cantos da Venezuela - país com cera de 32 milhões de habitantes - os analistas tendem a confluir na ideia de que nunca como agora estão reunidas as condições para deflagrar uma guerra civil no país e são cada vez mais estreitos os caminhos diplomáticos para a evitar, especialmente quando se sabe que os EUA estão por detrás a empurrar Juan Guaidó para um extremar de posições que podem, no limite, justificar uma intervenção militar.
Maduro já disse e repetiu que os EUA pretendem "tomar conta" da Venezuela para poderem "deitar a mão" às suas reservas de petróleo, as maiores do mundo, e às toneladas de ouro que existem no subsolo do país, bem como uma lista avultada de outros minerais estratégicos.