2. É esta a conclusão que se retira da norma constitucional que, a propósito da forma por que se estrutura a Administração Pública, estabelece que "...a administração pública e" estruturada com base nos princi"pios da simplificac,a~o administrativa, da aproximac,a~o dos servic,os a`s populac,o~es e da desconcentração e descentralização administrativas". Dito de outro modo: há uma preferência constitucional pela alocação de responsabilidades o mais próximo possível dos cidadãos e das empresas, isto é, numa lógica de subsidiariedade, os Ministérios, Governos Provinciais e Institutos Públicos apenas se devem ocupar daquilo que Administrações Municipais, Administrações de Distritos Urbanos e Comunais não possam fazer melhor. É a CRA quem o determina. Clara e inequivocamente.
3. O Presidente da República interpretou correctamente a norma constitucional, recentemente, por ocasião do discurso que proferiu por ocasião da abertura do Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, afirmou que "os Departamentos Ministeriais devem focar-se cada vez mais na sua missão de conceber e propor políticas públicas, capacitar os órgãos locais para as executar, supervisionar a sua implementação, assegurar o cumprimento dos objectivos preconizados e limitar-se a executar apenas os projectos cuja dimensão e complexidade o justifiquem". E foi mais longe, ao orientar sem rodeios, que "Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2023 e dos anos seguintes reflicta a visão estratégica de um amplo aprofundamento da desconcentração administrativa e financeira, que coloque o Município no centro do desenvolvimento nacional".
4. No plano constitucional e no plano da orientação política, a visão estratégica não se presta a dúvidas: municipalizar, rapidamente e em força.
5. Manda a verdade que se diga que, obviamente, não se está a partir do zero, hoje a distribuição territorial da despesa por província no OGE 2023 incrementou em 29,4% face ao alocado em 2022, sendo que, actualmente, a despesa sob a responsabilidade dos Órgãos da Administração Local do Estado (OALE) representa 20,73% de todas as despesas do OGE. Porém, entre o ideal constitucionalmente definido e a orientação política, ainda encontramos 33,7% das despesas do OGE com a estrutura central .
6. Geralmente, tem-se dito que não é possível transferir responsabilidades executivas para as administrações municipais, na medida em que essas não possuem, ainda, capacidade técnica para as executar de forma satisfatória. Quem assim afirma não está, de todo, equivocado. Porém, esta justificação não se furta a algumas observações críticas.
7. Desde logo, é crucial que se entenda que a preferência constitucional pela execução de responsabilidades da Administração Pública pelos órgãos mais desconcentrados e mais aproximados das populações, designadamente, as administrações municipais, não quer, em nenhum momento, dizer que os Ministérios e Governos Provinciais se devam afastar do processo.
8. Tendo sido transferidas para os municípios responsabilidades que outrora eram executadas pelos Ministérios e pelos Governos Provinciais, esses últimos deixam, sim, de ter responsabilidades executivas, todavia passam a deter responsabilidades em matéria de orientação metodológica, monitoria e avaliação.
9. Com efeito, a desconcentração administrativa de competências conduz a uma dupla necessidade de formação e capacitação: não só os Municípios devem ser capacitados para executarem competentemente as matérias transferidas, mas, também, os Ministérios e Governos Provinciais devem preparar-se, munir-se de ferramentas humanas e tecnológicas para exercer eficientemente a sua nova vocação de órgãos de controlo, monitoria e avaliação. Em boa verdade os Ministérios e Governos Provinciais precisam de um Kit de Desinstalação de Atribuições e Competências e os Municípios precisam de um Kit de Instalação de Atribuições e Competências.
10. No caso particular dos Governos Provinciais, essa reforma já foi iniciada em 2019, com a aprovação do Decreto Presidencial 202/19, de 25 de Junho. Os mais atentos aperceberam-se que deixaram de existir Direcções Provinciais na estrutura orgânica dos Governos Provinciais. Da sua substituição passaram a constar Gabinetes Provinciais. Ora, em termos técnico-jurídicos e em ciência da administração, é sobejamente conhecida a distinção entre Gabinete e Direcção, o primeiro órgão de planificação monitoria e avaliação e o segundo órgão executivo.
11. Assim sendo, não restam dúvidas de que a desconcentração administrativa deve, também, fazer-se acompanhar da desconcentração financeira, na medida em que sem o correspondente envelope financeiro anteriormente ao serviço dos Ministérios e Governos Provinciais os municípios pouco ou nada poderão executar. Se assim não procedermos à desconcentração administrativa, não passará do mero discurso político.
12. O OGE para 2024 deve ser o ponto de viragem em matéria de visão estratégica: o tecto orçamental atribuído pelo Ministério das Finanças às administrações municipais, aos Ministérios e aos Governos Provinciais deve estar alinhado à necessidade de desconcentração financeira. Numa palavra, o espaço orçamental das administrações municipais deve ser reforçado para acomodar o facto de constitucionalmente, e legalmente elas serem as depositárias das responsabilidades de executivas da Administração Pública.
13. Hoje por hoje, vários programas competentemente executados pelos OALE, com destaque para o PIIM, quebram o tabu de que não se podem transferir competências por falta de capacidade técnica a nível local. Tal já não corresponde à verdade: 76,43% do total de projectos do PIIM são executados pelas Administrações Municipais, 17% 52 são executados por Governos Provinciais e apenas 6,05% dos são da responsabilidade dos Ministérios.
14. Mas há uma condição: no contexto angolano, para que a desconcentração administrativa ocorra, é crucial que os órgãos centrais sejam acutilantes e vistam a camisola da orientação metodológica, da monitoria e da avaliação.
Não se referem aqui, como é óbvio, 45,1% de despesas destinadas às operações de dívida pública e 0.5% de despesas com missões diplomáticas e consulares.
*Secretário de Estado para as Autarquias Locais