Seguindo estas premissas, a primeira pergunta que devemos colocar é: Esta indústria gera justiça económica, ou dependências profundas? Um complexo industrial que importa 90% das suas matérias-primas, componentes e até mão-de-obra especializada do exterior, limitando-se a montar produtos para o mercado interno ou externo, não está a industrializar o País. Está, isso sim, a montar uma "linha de produção enclausurada". A verdadeira industrialização, aquela que gera justiça, exige raízes profundas no território. Isto significa privilegiar indústrias que processam as nossas matérias-primas, que se ligam à agricultura nacional, sobretudo familiar, para a transformação, que criam uma cadeia nacional de pequenos e médios fornecedores. Trata-se de criar um ambiente económico vibrante e interligado, não um oásis industrial isolado.
Em segundo lugar, é fundamental perguntar: Que qualidade de emprego e protecção social esta indústria oferece? O discurso fala sempre em "criar postos de trabalho", mas é essencial qualificar a natureza desses empregos. Serão trabalhos dignos, com supervisão justa, condições de segurança e direitos laborais efectivamente respeitados? Ou serão, na prática, empregos precários, que perpetuam a vulnerabilidade e a instabilidade das famílias? A indústria deve funcionar como uma escada de mobilidade social, oferecendo formação contínua e oportunidades reais de progressão na carreira. A fábrica não pode ser um universo à parte; deve integrar-se no sistema de protecção social, contribuindo para uma rede de segurança que proteja o trabalhador e a sua família para lá dos seus muros.
A terceira questão, talvez a mais sensível, é a da governança e da distribuição equitativa da riqueza. Quem se beneficia, realmente, do valor gerado pela nova fábrica? O modelo de industrialização que escolheremos determinará se a riqueza produzida será concentrada nas mãos de um grupo restrito ou se será distribuída de forma mais ampla pela sociedade. Esta reflexão obriga-nos a discutir seriamente o papel do capital nacional, a definir Parcerias Público-Privadas (PPPs) com cláusulas contratuais que exijam impacto social local, e a garantir uma transparência absoluta nos incentivos fiscais e financeiros concedidos. Uma industrialização que não fortaleça uma classe empresarial angolana robusta e uma classe média assalariada consistente terá, a prazo, a construção do seu futuro sobre alicerces frágeis e sobre a areia movida da desigualdade.
Finalmente, mais uma pergunta: Esta indústria está construindo resiliência e soberania nacional? Num mundo cada vez mais volátil e imprevisível, a nossa ambição industrial não pode começar a produzir bens de consumo imediatamente. Tem de visar, com declaração e determinação, sectores estratégicos para a nossa soberania e bem-estar colectivo. Falamos do investimento numa indústria farmacêutica local capaz de produzir medicamentos essenciais para as doenças mais frequentes em Angola, no desenvolvimento de uma agro-indústria transformadora que garanta a nossa segurança alimentar, ou no fomento de uma indústria de energias renováveis que garanta a sustentabilidade do nosso desenvolvimento. Esta visão mais ampla transforma a industrialização de um projecto de mero económico num pilar fundamental de um projecto nacional de soberania e resiliência.
Industrializar Angola é, de facto, um imperativo nacional. No entanto, o caminho que escolhermos para o fazer será decisivo para o País nos próximos 50 anos. Podemos optar pelo atalho aparentemente mais rápido, que enche o território de fábricas que pouco transformam a vida da maioria dos cidadãos. Ou podemos escolher o caminho mais desafiador, porém, infinitamente mais recompensador: o de uma industrialização inteligente, inclusiva e profundamente ligada ao território. Uma industrialização que não se mede apenas pelo PIB que gera, mas pela dignidade que proporciona, pelos laços económicos locais que fortalecem e pela soberania nacional que constrói.

O legado da nossa geração não será julgado pelo número de fábricas que conseguirmos inaugurar, mas pela qualidade e justiça do País que formos capazes de construir à volta delas. Vamos, pois, industrializar Angola. Mas vamos fazê-lo com a ambição clara de fabricar cidadania.

*Coordenador do OPSA