Não é para estranhar esse forte desejo à estabilidade institucional, sabendo-se que desde a declaração unilateral da independência em 24 de Setembro de 1973 a Guiné-Bissau teve quatro golpes de Estado bem-sucedidos e pelo menos uma dúzia e meia de tentativas de golpes e contragolpes gerando uma óbvia e profunda instabilidade.
Se a situação é em si mesma criadora de perplexidade, é-o ainda mais se tivermos presente que o fundador dos alicerces que conduziram à independência do país foi Amílcar Cabral, uma das personalidades de referência, não apenas para a Guiné-Bissau e Cabo Verde.
Na verdade, ele foi referência para África e para todo o mundo, pela obra que deixou marcada por uma cultura geral muito forte que não apenas política.
Se é um facto que os anteriores golpes de Estado e as tentativas levadas a efeito a ninguém deixaram e deixam indiferentes, este último golpe, decorrente das eleições para Presidente da República realizadas há escassos dias, em 23/11/2025, é particularmente estranho.
Ele ocorreu a horas de serem revelados os resultados eleitorais, dando causa a legítimas suspeições quanto à origem da intentona.
Desde logo, recuando ao período da apresentação das candidaturas das 12 que foram aceites pelo Supremo Tribunal de Justiça entre as 18 apresentadas, a de Domingos Simões Pereira foi rejeitada.
Sucede que Domingos Simões Pereira tem um invulgar curriculum profissional, como engenheiro, mas também como político, pois, foi Secretário-Geral da CPLP, deixando obra, ministro várias vezes, uma vez Primeiro-Ministro na decorrência de eleições gerais e, posteriormente, Presidente da Assembleia Nacional Popular também após eleições.
Foi destituído do cargo da Assembleia Nacional Popular pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló, que depois dissolveu a Assembleia, alegando uma tentativa de golpe de Estado tal como antes como Primeiro-Ministro Simões Pereira fora destituído pelo então Presidente da República José Mário Vaz que deu posse a Sissoco em 2019.
A posse de Sissoco que concorreu contra Domingos Simões Pereira em 2019 foi muito controversa e contestada por se encontrar pendente um recurso no tribunal eleitoral constitucional sem anúncio de vencedor .
Apesar disso, Sissoco teve um "acto de força", assumindo-se eleito num hotel, dirigindo-se depois ao Palácio Presidencial para distribuição formal de pastas.
O que há de estranhíssimo no recente golpe que depôs o Presidente Sissoco é que este, depois de alegadamente deposto, continuou a dar entrevistas, goza na prática de liberdade e o auto empossado Presidente de transição, o general Horta Inta-A é da confiança de Sissoco, tal como o Primeiro-Ministro Ilidio Té .
Os observadores e todas as missões de organizações internacionais, desde a União Africana, à CEDEAO, passando pela CPLP e pela ONU, condenaram a intentona tanto mais que se aguardava a divulgação dos resultados eleitorais, exigindo a sua divulgação, bem como a libertação dos detidos.
Domingos Simões Pereira, impedido de concorrer, dinamizou a coligação PAI-Nô Terra Ranka que apresentou como candidato Fernando Dias da Costa que alega ter saído vencedor contra Sissoco, este apoiado pela Coligação Plataforma Republicana Nô Kumpu Guiné.
Deste quadro resulta claro a fragilidade das instituições da Guiné-Bissau, o anormal e excessivo peso dos militares que determinam os governos com várias facões, não alheio à falta de transparência que gera corrupção e nepotismo.
As suspeições que recaem sobre este último golpe refletem à sociedade ao ponto a que chega a ânsia da manutenção do poder a qualquer preço.
É de esperar que as instâncias internacionais consigam conjugar esforços para que a legalidade seja reposta com a revelação dos resultados eleitorais, a libertação dos detidos, o termo da violência e a articulação de soluções institucionais que respondam ao anseio do povo pela estabilidade, numa lógica de reconciliação responsabilizante de todos a começar pelas Forças Armadas.
O povo generoso da Guiné-Bissau merece-o a todos os títulos.

