Vamos aos factos:
O facto número um é a forma como a organização de toda a Conferência Internacional foi feita: não foi comunicada oficialmente às autoridades. Era obrigatório? Se calhar nem por isso. Mas venhamos e convenhamos que a partilha aberta, transparente e atempada dos termos de referência de um evento internacional é essencial para que as autoridades criem as condições protocolares de segurança e outras para o seu bom andamento que, sim, redunda num maior prestígio do País. Essa é a prática com todos os eventos internacionais, até aqueles organizados pelos próprios departamentos ministeriais. Ao excluir o Executivo dessa organização, a UNITA quis passar a mensagem que ignora, desconsidera e não reconhece o Executivo - algo que, aliás, já o disse e não retirou.
Isso leva-nos à identidade da verdadeira instituição organizadora: é a UNITA ou essa tal da ONG alemã que já mandou o Presidente angolano "pedir desculpas às pessoas deportadas de Angola"? Outra opacidade suspeita. E outro assunto que poderia perfeitamente ser esclarecido nas reuniões preparatórias, outro passo essencial para o êxito de eventos dessa natureza. Ao não fazer isso, essa ONG passa a mensagem que manda em Angola, um País independente e Estado Soberano. E não manda aqui coisíssima alguma! E a UNITA passa a mensagem, outra vez, de que não dá cavaco ao Executivo e faz o que quer e muito bem entende: com quem lhe apetece, traz quem quer, quando e como lhe der na gana e por ali adiante. Só que o Executivo acaba por ser o responsável, tanto pelo evento como pelos participantes. Se algo correr mal, é a ele que todos, dentro e fora do País, pedirão contas. Tem, portanto, o direito e a obrigação de fazer as perguntas que entender até ficar esclarecido. Não pode a UNITA, portanto, em nome de uma liberdade que parece mais libertinagem, não comunicar e andar mano a mano com o Governo do País. Ela própria não permitiria isso se estivesse a governar o País. Assim o mostrou na Jamba, assim o mostrou nos dois anos que ocupou o Huambo. Com a UNITA (e na UNITA) ou andas na linha traçada, ou levas no Côco. Que o digam os militantes de proa como Catchiungo e outros, suspensos e expulsos até hoje apenas por se terem oposto a Adalberto Costa Júnior. Como poderia ela esperar que, em assuntos de Estado, fosse diferente?
Agora, o caso do moçambicano Venâncio Mondlane. Está proibido de sair do seu país, mas porquê o deixaram passar na imigração, é coisa deles, nada temos a ver. O que o Governo de Angola tem a ver é a natureza da pessoa e se as sua presença perturba ou não a segurança nacional do País. Ora, Venâncio Mondlane é o agitador responsável pela violência pós-eleitoral de Moçambique e está a responder na PGR do seu país por isso. Dizem os media internacionais que a sua selecção para prelector da Conferência Internacional não foi consensual, apenas o foi por insistência do "seu amigo e protector Adalberto Costa Júnior". Durante a sua campanha, declarou-se inimigo do partido governante e das instituições angolanas. Chegou a (mal)tratá-las com extrema deselegância, para usar um termo simpático; chegando a insinuar que ele e os seus seguidores é que eram "os espertos" e os angolanos - imagino exceptuando os do partido do seu amigo e aliado - "os burros". Mas tudo isso podia passar, em nome da liberdade de expressão. O que não pode passar é que ele vinha para falar - fazer a sua habitual agitação política - num comício no interior do País, Lobito no caso. Isso é um perigo à segurança nacional e deve ser evitado. Eu estive no Lobito, por acaso, nesse tal comício. Vieram pessoas de vários lugares, e eu vi-as: ebulientes, violentas, intolerantes e intransigentes como sempre são as multidões da UNITA. Deixaram a cidade suja e pisoteada, num caos. As autoridades deixaram-nos fazer o que bem entenderam, para evitar confrontos. Um Venâncio Mondlane não era, certamente, algo bom num ambiente desses. As autoridades decidiram que ele não é pessoa bem-vinda ao País, estão no seu direito e, no meu entender, decidiram bem. Com o devido respeito, claro, para quem pensa o contrário.
Agora, os ex-Chefes de Estado: eles são, por natureza, entidades protocolares. A prática diplomática é que jamais viajam para qualquer país, sem que o seu Ministério responsável pelas relações internacionais coordene com instituição homóloga para garantir o apoio protocolar e a devida segurança. Porque tudo o que lhes venha a acontecer recai sobre o Estado hospedeiro, segundo as normas da Convenção de Viena que regula a actividade diplomática. Feita a notificação, as entidades só podem iniciar a viagem depois de receberem resposta positiva do país hospedeiro - o conhecido "agreement". A não resposta significa que estão a analisar ainda a situação e, caso passe mais de três meses, significa que o Estado hospedeiro não quer essa individualidade. Seja embaixador designado, representante designado de Agência das Nações Unidas, até o núncio papal. Destarte, enquanto o "agreement" não vier, a entidade não pode viajar.
O que aconteceu na nossa estória é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros enviou essa notificação à Embaixada de Angola em Gaberone, capital do Botswana. Tão atrasada que o ex-Presidente estava já a aterrar em Luanda. O outro da Colômbia nem isso fez. "Se assustaram", já estavam na fila do SME, misturados com os passageiros comuns. E os homens da UNITA, do lado de fora felizes da vida a ver o filme...
Depois foi a confusão. Quem é, quem não é, veio como, avisou ou não avisou; levaram-nos às pressas para a sala do Protocolo de Estado. Contactos frenéticos entre o nosso MIREX, as embaixadas e os Ministérios dos Negócios Estrangeiros dos dois países. Chegaram então à conclusão de que os ex-Presidentes nem deviam ter embarcado para Luanda, pois eles sabem que não havia ainda o "agreement". Nesse tempo, passaram as horas que passaram e... esqueceram-se de dar de comer aos kotas, segundo eles. Ora, isso foi feio, não se faz. Não esteve certo isso, camaradas. Deviam mandar vir um buffet do Hotel Intercontinental!
No final, os próprios países aconselharam os ex-Presidentes a voltar para casa, até porque teriam ainda de viajar para Benguela, em voo de carreira, pois não se arranja avião especial de uma hora para outra - outro arranjo logístico que poderia ser perfeitamente acautelado com planeamento atempado.
Finalmente os outros, dos "vistos de fronteira". Os maninhos enviaram a carta de pedido... na véspera! Chegados a Luanda, caem na tremenda bagunça da absoluta falta de preparação logística da dita conferência: um, persona non grata, dois, ex-Chefes de Estado caídos de paraquedas, documentos chegados de véspera, ânimos exaltados, recriminações e tudo o mais. Solução? Epá, regressem só para a vossa terra, isto está muita confusão... e rebentou o basqueiro nas redes sociais. Activistas no aeroporto, a D. Laura Macedo a chamar" energúmenos" os governantes - se a processam, está tramada! - e ali por diante. Prontos, entrou em cena a malta da "República Federativa do Facebook e Conexos" como chama jocosamente o jornalista Alfredo Carima...
A base de tudo é que a comunicação está de tal maneira deteriorada entre o Executivo e o maior partido na oposição, que nada mais tem mais condição de dar certo quando os dois têm de trabalhar juntos. Tenho reiteradas vezes alertado, sobretudo à UNITA, que o respeito às instituições é mandatório para um actor da sua dimensão, pois elas são essenciais regular a vida das pessoas em sociedade. No caso dela, para apoiar e garantir as actividades que necessita de organizar que não são necessariamente pequenas. Mas nas relações entre países, o actor responsável é o Governo. Há coisas que só ele pode fazer. Ignorá-lo, menosprezá-lo ou tratá-lo com pouca transparência é uma receita segura para o fracasso de todas as actividades que necessitem do seu apoio. Como aconteceu.
Como acontece com pais desavindos, no final do dia quem paga são os filhos e o prestígio e imagem da família. Um dos cônjuges até pode ganhar razão naquele momento, mas "nos finalmente" será sempre olhado de lado como membro "daquela família que não se respeita". É por isso que a jogada da UNITA foi e é arriscada. Ela pode parecer ganhar agora, mas, daqui a pouco, quando os ânimos serenarem, ficará evidente o montão de erros que cometeu, e as pessoas vão-se perguntar com que objectivo. E se esse objectivo foi nobre, justo e patriótico.
Difícil acreditar que um Abel Chivukuvuku, Adalberto Costa Júnior, Alcides Sakala, Ernesto Mulato e outros com extensiva experiência e vivência nas lides da diplomacia tenham cometido esse "vagão de falhas", por acaso. Parece ter sido de propósito para embaraçar o País e o Presidente João Lourenço, porque estão incomodados com as vitórias na arena internacional que têm vindo a alcançar, esquecendo que onde vence Angola ou um angolano vencemos todos que partilhamos esse chão pátrio. Julgam que os outros países não se deram conta disso? Ou os próprios angolanos não se aperceberam? Que eles sacrificam "na boa" a fidelidade patriótica à sua terra, para marcar uns pontitos políticos? Claro que viram, claro que vêm... afinal sempre viram, né?
*Sociólogo da Comunicação, Consultor de Comunicação Estratégica e Operacional e Membro do CC do MPLA