Não tenho ilusões, a exiguidade de receitas públicas, que desemboca na fraca execução do OGE, consequentemente, a insolvabilidade das unidades orçamentadas e as suas unidades dependentes, que impossibilita o Estado honrar as suas obrigações para com os seus fornecedores, isso está relacionado com o próprio desempenho da economia, no geral, em particular, a crónica dependência do OGE nas receitas petrolíferas e o facto de grande parte da despesa destinar-se a honrar o compromisso com a dívida pública. Em outras palavras, significa que se está a gastar mais do que se está a ganhar. Quando isto acontece, só há um caminho: ajustar os gastos à capacidade de geração de receitas. Não é novidade para ninguém, quer as famílias, quer as empresas, quando gastam mais do que ganham, recorrem ao endividamento, o qual força a redução do consumo no momento do pagamento da dívida. Então há que reestruturar a forma como se gasta o que resta. O caminho é claro e exige sacrifícios, que devem ser partilhados por todos. Ao contrário do que tem ocorrido, em que os grupos menos favorecidos têm arcado com o ónus, resultante da perca do poder de compra da moeda, em consequência da instabilidade macro-económica prevalecente.
Muito se tem debatido a respeito da qualidade da despesa pública angolana. Neste texto, pretendo focar-me nos possíveis caminhos, uma vez que a situação é conhecida e as causas também, que podem ajudar a reverter o quadro do desequilíbrio, entre as receitas fiscais e as despesas. Partindo do pressuposto de que a realidade das finanças públicas é inflexível, o Estado não pode abdicar de assumir as suas responsabilidades de provedor de serviço pública, por falta de recursos financeiros. Enquanto nas finanças familiares ou empresariais a despesa é função do rendimento (só se pode gastar até ao nível do rendimento), nas finanças públicas, é o rendimento que é uma função da despesa (o Estado arrola as despesas e, depois, procura formas de as financiar). Igualmente, conhecem-se as várias tentativas de políticas públicas tendentes a reduzir os gastos, consubstanciados na austeridade. Cito o exemplo da fusão de alguns Ministérios (Cultura, Ambiente e Turismo, Agricultura e Pesca, etc.), ocorrida na primeira legislatura do actual Presidente. Os resultados são conhecidos: voltou-se ao ponto de partida, supondo, que quando comparado o custo benefício, concluiu-se que a fusão dos ministérios não produziu as reduções que se esperavam. Alguns caminhos que me acorrem e que me parecem exequíveis e menos dolorosos, ou com menos custos sociais são os seguintes:
1. Redução radical das despesas da administração pública - o exemplo do que é uma a redução radical de despesas públicas vem da Argentina, do Governo do Presidente Javier Milei, bem explicada num artigo do Jornalista Adebayo Vunge, na edição de 28 de Abril de 2025, que explica que o défice fiscal foi reduzido em 35% nos primeiros seis meses da sua governação. O Governo também reduziu o número de Ministérios de 18 para 9. No caso angolano, olhando para a despesa pública, há, efectivamente, muito por onde cortar. Por exemplo, se vem a titubear com a eliminação dos subsídios aos combustíveis, há anos, sem ganhos reais efectivos, pois vai se reduzindo de forma paulatina, cujos ganhos se perdem com a desvalorização da moeda nacional. Além disso, a grande frota de viaturas do Estado, que é a maior consumidora de combustíveis, não sente directamente a dor do incremento do preço, com a remoção dos subsídios. O número de funcionários do aparelho administrativo, é muito elevado, começando pelos órgãos de defesa e segurança, que representam 28.71%, sem esquecer que nunca houve coragem política de tributar este grande segmento, que recebe rendimentos isentos de tributação em sede do Imposto sobre Rendimento do Trabalho (IRT), configurando-se na maior iniquidade do sistema fiscal angolano. Não menos importante são os actos de corrupção, que se fica com a impressão de que algumas decisões de obras públicas são tomadas em consonância dos interesses, de toma a decisão, não do interesse público, redundando em desperdício de recursos.
2. Autonomia dos orçamentos do poder local - acredito friamente que o facto de as administrações locais serem unidades orçamentadas, em vez de entidades autónomas, com capacidade de geração de receitas próprias, fragiliza a sua capacidade de dinamizar a gestão das operações destas instituições. Porquanto, se a dotação orçamental, fosse apenas uma rubrica de receitas nos seus orçamentos, por outras palavras, tivessem um processo de elaboração do orçamento independente, com as suas vertentes política, económica e legal, talvez as repercussões negativas do orçamento do poder central não tivessem impacto tão incisivo, como o que se tem assistido! Em países com o poder autárquico implementado e funcional (Brasil, Cabo-Verde e Portugal), a autarquia possui o seu próprio orçamento, sendo as dotações do OGE apenas uma fonte de receitas, naqueles aspectos que a Lei determina serem responsabilidades do poder central. Portanto, decorre da própria lei. As autarquias são autónomas, são geridas como que se de empresas se tratassem, podendo, até, recorrer a créditos para desenvolver projectos de âmbito local. Os constrangimentos do orçamento central têm um impacto reduzido, se comparado com a actual contexto da realidade angolana.
3. Comparticipação dos utentes nos serviços providos pelo Estado - o facto de as famílias não confiarem nos serviços público providos pelo Estado leva-os a procurarem alternativas. No caso da saúde as pessoas recorrem ao estrangeiro (Namíbia, África do Sul, Brasil e Portugal), ou mesmo recorrendo aos serviços providos por entidades privadas locais para suprir as suas necessidade. No que diz respeito à educação, vê-se que, é um excelente negócio, surgem colégios e universidades, como "cogumelos", é porque rende, tem imensa procura. Não seria mais sensato partilhar esse gasto com as famílias, em vez de o procurarem no estrangeiro ou nos colégios e clínicas privadas? O ensino poderia ser gratuito até a nona classe, os anos subsequentes deviam ser comparticipados, com as receitas se devia investir no melhoramento da qualidade da prestação deste serviço, tal como as entidades privadas o fazem. As universidades incompreensivelmente dependem exclusivamente do OGE, quando deviam prover serviços, investigação científica de que resultasse patentes que rendem receitas. O objecto das universidades é o ensino, a investigação científica e a extensão, todas são fonte de receitas, se bem exploradas. Há exemplos no mundo de como o estado pode reduzir os seus gastos, envolvendo os beneficiários, através de um sistema de crédito, responsabilizando, também, o beneficiário.
A lista de oportunidades de reconfiguração da despesa pública angolana é extensa, não cabe num artigo de jornal. Entretanto, vale referir que, a par das acções tendentes a reduzir as despesas públicas, particularmente, as supérfluas, há que trabalhar na potencialização do aumento das receitas. O aumento das receitas, só ocorre com o incremento da produção, o que, por sua vez, requer investimentos em capital humano, na produção e disseminação de conhecimento, na criação de infra-estruturas e no melhoramento do ambiente de negócio. Neste quesito, em particular, existem imensas oportunidades. O potencial do país não está, sequer, no seu mínimo de exploração. Sem uma efectiva, alteração do rumo, de gastar mais do que o que se produz, a solução de endividamento, induz a instabilidade macroeconómica, quase que permanente, induz a desvalorização da moeda nacional, que por sua vez destrói a riqueza (valor), que é o poder de compra. À riqueza, está sempre associado ao poder político, como a fragilidade da moeda acarreta a destruição do poder político, o controlo dos gastos públicos é condição da existência! Esses sãos os factores, que Ray Dalio, em "Princípios para a ordem mundial em transformação.", concorrem para o fracasso dos países, a história narra muitos casos da derrocada de impérios, regimes, devido à insustentabilidade da dívida e a destruição da riqueza.n Bibliografia consultada

*Economista

Ray, Dalio, (202) How Countries Go Broke: Principles for Navigating the Big Debt Cycle, Where We Are Headed, and What We Should Do. Disponível em: How Countries Go Broke: Principles for Navigating the Big Debt Cycle, Where We Are Headed, and What We Should Do: Dalio, Ray: 9781501124068: Amazon.com: Books, Acedido 22/01/2025.

Vunge, Adebayo, (2025) Angola e Argentina: lições e ilações, in Jornal de Angola, edição de 28 de Abril de 2025. Disponível em: ttps://www.jornaldeangola.ao/#/noticias/9/opini%C3%A3o/635970/angola-e-argentina:--li%C3%A7%C3%B5es-e-ila%C3%A7%C3%B5es, acedido 29/04/2025.