São estruturas bem coordenadas que movem as engrenagens do poder, uma elite endinheirada e com acesso ao poder que exerce a sua força invisível que manipula a sociedade, com respaldo das narrativas da imprensa, do poder judicial. Uma elite que está a "legitimar" e a institucionalizar a corrupção. Uma elite fútil e sem conteúdo. Uma elite que precisa ostentar, que quer mostrar que agora tem e que pode gastar. "Não se assalta o bolso de um país inteiro, não se empobrece e se desemprega grande parte da população, não se privatiza a riqueza que é de todos sem se `colonizar` a cabeça das pessoas com falsas ideias", escreve Jessé Souza. Com falsas ideias, com falsas narrativas e até mesmo a criação de certos medos. Uma elite que nada avança, que nada desenvolve, que não cria emprego ou produz riqueza, uma elite que só ostenta. Uma elite ávida de reconhecimento, que faz a apologia de uma sociedade patologicamente desigual, baseada na exploração económica, na indiferença e na humilhação moral da população. Uma nova hierarquia social que vai estipular os critérios que permitem "legitimar" que alguns sejam vistos como superiores e dignos de privilégios, que outros sejam vistos como inferiores e merecedores da sua posição marginal e humilhante de "povo em geral". O trabalho de distorção sistemática da realidade e de "imposição" de agendas mediáticas realizado pela comunicação social e "laboratórios" actuam na manipulação simbólica da elite do atraso. Enquanto certos países se orgulham das suas elites, reconhecem-lhe mérito e dignidade, no nosso caso, os cidadãos olham-nos com indignação e com repulsa, porque esta elite é arrogante, trata os cidadãos com indiferença, não gera orgulho, respeito e desenvolvimento. É uma elite atrasada e que também atrasa o País.
O caso da Administração Geral Tributária (AGT), em que um grupo de jovens funcionários montou, durante um ano, um esquema que com 1.500 operações lesaram o Estado em mais de 7 mil milhões de Kwanzas, qualquer coisa como 7 milhões de Dólares norte-americanos. A rede usou o dinheiro para comprar carros de luxo, imóveis em Angola e no estrangeiro, aquilo que se deduz ser uma parte da rede que certamente tem ramificações na AGT e noutras estruturas do sector. Só para ter uma ideia, o Executivo angolano precisa de 6 milhões de dólares para combater o surto de cólera e teve de pedir metade deste dinheiro aos parceiros internacionais e andam aí "Os Novos Putos do Bairro (New Kids On The Block)" a esbanjar e "gamar" à grande e à francesa. Se o PCA da AGT, José Leiria, não sabia do que se estava a passar, é incompetente. Como é possível existir um esquema destes debaixo das suas "barbas", ter sido feitas tantas transferências, lesar-se assim o Estado e ele não ter visto nada? Como foi possível este esquema permanecer durante tanto tento? Agora, se José Leiria sabia e nada fez, então é conivente. É uma questão de responsabilidade e de responsabilização. É uma questão de ética e deontologia profissional, é uma questão de respeito pelos cidadãos e de algum sentido de dever patriótico. Parece que as pessoas só querem chegar aos cargos, só querem estar nos cargos para "gamar", para roubar ao Estado. E a solução não é tentar abafar o caso ou criar narrativas de perseguição ao PCA da AGT, ou à tutela, neste caso, a ministra das Finanças, Vera Daves. É o direito à indignação que os cidadãos têm, cria-se um sentimento de vergonha e falta de confiança nas instituições. É que os servidores públicos já nem pensam no sofrimento e dificuldades antes de lhes irem ao bolso, pior ainda, quando se trata de se apropriarem do dinheiro dos contribuintes e gastarem em benefício próprio. Estamos a institucionalizar a corrupção e a normalizar estas condutas. Mais grave é que, em função de interesses de grupo e de manutenção de esquemas, se vão produzindo textos para limpar a imagem e salvar a honra do convento. E até se ataca o jornalismo que escrutina e publica estes temas. Uma autêntica vergonha.
Quando deputados, que são representantes do povo, usam viaturas compradas com o dinheiro dos contribuintes, quando esses deputados pegam nestas viaturas e colocam ao serviço de esquemas de aluguer das mesmas para ganharem milhões de kwanzas mensalmente, como não ficarmos indignados? Que país temos? Quando se fala de suspeitas de 24 deputados pertencentes aos dois maiores partidos, MPLA e UNITA, sob investigação por causa destes esquemas, é muito triste. É vergonhoso, é humilhante. Como chegamos a este ponto? Ao nível do poder legislativo permitir-se isso? Estamos muito mal, estamos muito atrasados.
A elite do atraso
O poder é a questão central de toda a sociedade, por uma razão muito simples: define quem manda e quem obedece, quem fica com os privilégios e quem é abandonado ou excluído. O exercício do poder real tem de ser legitimado, ninguém obedece sem razão. Poder é a faculdade de mandar e de ser obedecido, chegar ao poder, além do status, permite também ter acesso a privilégios, aos esquemas e ao dinheiro, permite também fazer parte de uma certa elite. Vai-se criando a ideia de que temos uma certa elite, uma elite corrupta e corrompida, pouco ou nada patriota e bastante atrasada. A tal elite do atraso, como escreveu o autor brasileiro, Jessé Souza, no livro "A elite do atraso".