A Mulher Rural, que é falada nas conferências, não tem sequer semelhança da real mulher que vive longe dos olhares institucionais, em muitos sítios onde não há sequer um país e que, sem instrumentos adequados, rasga a terra, todos os dias, para alimentar os seus filhos, muitas vezes deixando ela de comer devido à escassez crónica, em muitas zonas. A mesma que anda quilómetros antes do nascer do sol para conseguir água. Nunca teve um vestido novo comprado na boutique.

Veste-se de restos e vive de rastos nas lavras de mandioca. Não tem registo, mas tem cartão de eleitor. E no fim de todos os dias despeja o seu corpo fatigado, numa esteira no chão duro, para, no dia seguinte, se levantar para a mesma vida com que se deitou, sem conseguir fazer nascer nenhum sonho.

Esta Mulher, para quem já foram desenhados dezenas de programas, que consumiram milhões de dólares, não tem problemas novos. Enfrenta os mesmos problemas há 45 anos e para os quais nenhuma solução se mostrou válida. 80% da agricultura feita em Angola é familiar e é sustentada por mulheres. A Mulher Rural, a Mulher Quitandeira e a Zungueira não são abrangidas por nenhuma forma de protecção social honesta, consequente e capaz de transformar as suas vidas. Nem sequer há uma representante destas Mulheres no Parlamento. Falar de Mulher Rural é dar à pobreza extrema um nome chique. Como disse a Prémio Nobel da Literatura, a escritora russa Svetlana Aleksievitch: "o comunismo é como a Lei Seca: a ideia é boa, mas não funciona".

Quando andamos pelas aldeias de Angola, vemos uma mulher magra, escanzelada, sem brilho no olhar e sem capacidade para pensar futuro e a única força que tem vem das suas orações. Não tem acesso ao crédito bancário, apesar de ser considerada pelo MASFAMU "promotora do desenvolvimento social sustentável". Não tem a titularidade das terras onde trabalha e são muito poucas as que conseguiram criar uma cooperativa, não obstante produzirem 80% dos bens alimentares nacionais.

A Agenda 2063 da União Africana apela que até 2030 pelo menos 30% das mulheres tenham Título de Registo de Propriedade das terras em que trabalham. Rezemos com a Mulher Rural, para que isto aconteça, porque, tal como os programas de combate à pobreza e à seca, desenhados depois do fim da guerra há 18 anos sem nunca terem sido consequentes, também o atendimento à Mulher Rural não tem passado de uma intenção que fica bem nos relatórios que enviamos para as organizações internacionais, mas que no terreno se continuam a mostrar pobres em todos os sentidos.

Todos os anos, em homenagem ao dia da Mulher Rural, são feitas jornadas, palestras, conferências, entregues cestas básicas, enxadas, abraços e discursos cheios de esperança. São constantes os slogans que apelam ao investimento na Mulher Rural para garantir a estabilidade económica nas comunidades. Mas, no dia seguinte, a intenção enfraquece, e os decisores voltam a adormecer. Não basta apelar para a melhoria de políticas públicas para a Mulher Rural, quando o seu ambiente é incapaz de proporcionar educação, sequer saúde da mulher. Pedir acesso às novas tecnologias para estas mulheres é tão distante como pedir que todas tenham acesso a pensos higiénicos, por ausência de um país onde está construída a sua pobre casa.

A Mulher Rural é apresentada em relatórios onde não foi incluída e a sua opinião é tratada em conferências que prescindem da sua presença. Ela representa 5 milhões, 360 mil e 200 mulheres, de acordo com o INE, e, ainda assim, não tem representação. "As mulheres e as crianças do meio rural continuam a ser afectadas de forma desproporcional pela pobreza, desigualdade, exclusão de todo o tipo e são as que mais sofrem com os efeitos dos conflitos armados e das alterações climáticas", disse Anastácio Roque, em representação do coordenador residente do Sistema das Nações Unidas em Angola, em Outubro de 2018, durante o I Fórum Nacional da Mulher no Meio Rural e de Microfinanças, que aconteceu em Catete, em homenagem ao Dia Mundial da Mulher Rural.

Se visitarmos a imprensa angolana nos últimos 15 anos, vamos ler as mesmas preocupações e intenções em todos os Outubros de cada ano e que se têm revelado numa mão cheia de nada, no que à alteração das condições destas mulheres em todas as aldeias, comunas e municípios de Angola, diga respeito. Todas as governantes falam, em todos os anos, de "empoderamento da mulher rural". Que a Mulher Rural "é uma referência incontornável para o desenvolvimento sustentável. Que ela "é imprescindível para os esforços do alargamento do sistema de produção". "Que ela representa 80% da produção de alimentos e matéria-prima do País". São unânimes que estas mulheres devem ser exaltadas quando repetem "que a homenagem às mulheres que produzem alimentos e matéria-prima deve ser feita frequentemente". As festividades deste dia não foram diferentes em 2020, com o apelo da Senhora Primeira Dama ao Executivo para "o reforço, de forma substantiva e sustentável, dos apoios à Mulher Rural, por ser a principal força motora da economia familiar e rural do país".

O meu desejo é que, com tanta informação e tantas mulheres poderosas comprometidas com a criação de um patamar de dignidade e de sustentabilidade para a Mulher Rural, antes das próximas eleições consigamos cumprir com todos os objectivos traçados, porque são antigos e não podem continuar à espera, e devolver a todas as mulheres que trabalham no campo um estatuto de dignidade e reconhecimento de facto, pelo seu inestimável contributo para o aumento da sustentabilidade alimentar que é cada vez mais urgente no nosso país, que tem uma pobreza épica e onde morrem 46 crianças por dia de fome. Que no próximo ano os discursos sejam de realizações comprovadas e não apenas de boas intenções.

Deixo aqui, neste mês de Outubro, o meu profundo Respeito e Solidariedade para todas as Mulheres Heróicas que todos os dias se levantam para alimentar os seus Filhos e a Nação. Bem-Haja!