As respostas, em termos de alocação financeira, parecem diferentes entre os vários sectores - e não sabemos sequer dizer se elas têm sido muito maiores para beneficiar os seguimentos mais ricos da população, comparando-os com os mais pobres e vulneráveis.

Mobilizar recursos de natureza económica e financeira para enfrentar a pandemia da Covid-19 num contexto de urgências há sempre um grande risco de má gestão, e quando isto acontece, as consequências podem ser graves e duradouras. Nestas circunstâncias, eu acredito que o mais viável seria optar-se por orçamentos inclusivos e transparentes, pois estes são cruciais para eficiência e equidade, de modo a que os recursos cheguem àqueles que mais necessitam. Por exemplo, quando o Executivo autoriza a execução de uma despesa equivalente em kwanzas a 114.000.000 USD para aquisição de dois imóveis, para acomodação, apetrechamento e aquisição de meios de trabalho dos serviços públicos do Ministério dos Transportes e da Agência Reguladora de Certificação de Carga e Logística de Angola, numa altura em que mais de 1,3 milhões de pessoas, nas províncias do Cunene, Huila e Namibe enfrentam fome severa, será esta uma prioridade?

Em minha opinião, aliviar o sofrimento dos 1,3 milhões de meus compatriotas, que passam fome e sede, sendo eles próprios, as potenciais vítimas da Covid-19 e considerados cidadãos mais carenciados de serviços sociais básicos, é muito mais prioritário do que a aquisição de dois imóveis para acomodação, apetrechamento e aquisição de meios de trabalho dos serviços públicos do Ministério dos Transportes e da Agência Reguladora de Certificação de Carga e Logística de Angola.

Não que estas instituições não sejam importantes, mas num contexto fortemente marcado por uma crise económica e sanitária, será esta uma despesa prioritária? Esta é uma questão que tem sido levantada por uma série de cidadãos, que conscientes do facto de que o Estado angolano confiscou muitos imóveis e algum património adquirido de forma elícita, opinam que talvez alguns destes deveriam servir para propósitos como estes.

Mencionei este caso como exemplo por ser mais recente (conforme o despacho assinado pelo Presidente da República, datado de 14 de Setembro de 2021, conforme publicado no diário da República!), e para colocar em evidência o facto de que, num contexto de maior transparência orçamental, aliado a espaços de participação pública, onde cidadãos e até servidores públicos devidamente informados desfrutam de um ambiente político suficientemente aberto para tentarem influenciar este tipo de decisões dificilmente iriam ocorrer, sobretudo num contexto em que muito se apregoa o lema, segundo o qual "devemos corrigir o que está mal!", não seria esta uma oportunidade para se corrigir o que na realidade está mal?

A participação dos cidadãos nos processos orçamentais é particularmente premente dada a magnitude dos desafios impostos pela Covid-19 e implicações que terão para além da actual face de emergência que enfrentamos. Neste sentido, os diversos intervenientes iriam seguramente partilhar exemplos poderosos de transparência e participação em tempos de crise e discutir como podemos reforçar colectivamente as nossas práticas a longo prazo. Será que há abertura para tal?

Se há algo que a crise nos deveria ensinar em relação à forma como no passado fomos gerindo as finanças públicas, é com certeza a transparência, aliada aos espaços de participação pública. São, na realidade, ferramentas indispensáveis não apenas para uma boa gestão das finanças públicas, mas também para que possamos ser bem-sucedidos, no firme propósito de debelar as crises.

*Coordenador OPSA