O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) pôs a descoberto um universo de mais de 400 empresas ou subsidiárias de Isabel dos Santos ou do seu marido, Sindika Dokolo, em 41 países, incluindo 94 paraísos fiscais em Malta, Maurícias e Hong Kong, depois de a Plataforma para Protecção dos Denunciantes Anónimos em África, criada há cerca de dois anos com o objectivo de desmascarar as cleptocracias no continente, lhe ter enviado todos os documentos.
Em declarações à rádio RFI Afrique, o coleccionador de arte congolês recordou que uma das empresas de advogados com quem Isabel dos Santos trabalha foi hackeada e que essa será a origem dos documentos que comprometem a empresária, garantindo que a empresária angolana estava a ser alvo de um ataque que teve como base o hacker Rui Pinto.
"O timing da investigação é suspeito", disse o marido de Isabel dos Santos, explicando que o gabinete de advogados PLMJ foi atacado informaticamente há quatro anos.
"Sabíamos que muitas das nossas empresas foram alvo de ataques de um hacker português. Esses documentos foram guardados e estão a ser agora instrumentalizados para poderem arrebatar os nossos activos no exterior.
Os advogados de Rui Pinto, detido em Portugal pelo envolvimento no Football Leaks, declaram, em nota enviada às redacções e revelada pela imprensa portuguesa, que o seu cliente "assume a responsabilidade de ter entregue, no final de 2018, à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF), um disco rígido contendo todos os dados relacionados com as recentes revelações sobre a fortuna de Isabel dos Santos, sua família e todos os indivíduos que podem estar envolvidos nas operações fraudulentas cometidas à custa do Estado angolano e, eventualmente, de outros países estrangeiros".
Os advogados alegam que Rui Pinto "procurou, assim, ajudar a entender operações complexas conduzidas com a cumplicidade de bancos e juristas que não só empobrecem o povo e o Estado de Angola, mas podem ter prejudicado seriamente os interesses de Portugal".
"Rui Pinto esclarece que entregou este disco rígido, no cumprimento do que entende ser um dever de cidadania, e sem qualquer contrapartida, depois de tomar conhecimento das missões realizadas pela organização PPLAAF, permitindo que usassem os dados como entendessem", lê-se na nota enviada pelos advogados do hacker português.
"Rui Pinto está satisfeito por ver que, graças ao intenso trabalho do consórcio de jornalistas ICIJ, todos os dados foram explorados, verificados, validados e, portanto, encabeçaram as revelações que necessariamente levarão à abertura de investigações criminais em muitos países, incluindo Portugal", escrevem ainda os advogados, acrescentando que "decisões já tomadas pelo Banco de Portugal, PWC e outras que estão por vir demonstram a importância excepcional das revelações de Luanda Leaks. A responsabilidade das autoridades é agora agir e abrir as investigações necessárias - já abertas em Angola - e ao mesmo tempo recuperar elevadas somas de dinheiro".
Os advogados lembram ainda que "é preciso dizer que são as mesmas autoridades portuguesas que mantêm Rui Pinto na prisão há quase um ano, sob o pretexto de uma tentativa de extorsão, e que, até este momento, apenas pediram a sua colaboração com o exclusivo intuito de o auto-incriminar".
A carta enviada às redações termina a afirmar que Rui Pinto "gostaria de lembrar que esta colaboração com o PPLAAF e o ICIJ está relacionada exclusivamente com a entrega deste disco rígido e que não prejudica a cooperação histórica que tem realizado com o consórcio European Investigative Collaborations (EIC) desde as primeiras revelações do Football Leaks".
Isabel dos Santos foi formalmente constituída arguida por alegada má gestão e desvio de fundos durante o período em que presidiu ao Conselho de Administração da Sonangol, na quarta-feira, 22.
Branqueamento de capitais, falsificação de documentos, abuso de poder e tráfico de influências são alguns dos crimes que podem estar em causa, e, a par da empresária foram também constituídos arguidos os portugueses Mário Leite da Silva, gestor de Isabel dos Santos e presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento de Angola, Sarju Raikundalia, ex-administrador financeiro da Sonangol, Paula Oliveira,amiga de Isabel dos Santos e administradora da NOS, Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do private banking do EuroBic em Lisboa.