A visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, oficialmente, começa na quarta-feira, mas o "TI Celito", como o Chefe de Estado português acabou por ser baptizado, por causa da sua persistente informalidade e procura da proximidade com o cidadão comum, nas redes sociais, chega à capital angolana na terça-feira, coincidindo com o dia do 65º aniversário do Presidente angolano.
Foi na tomada de posse de João Lourenço, a 26 de Novembro de 2017, que Marcelo Rebelo de Sousa começou a esboçar o tipo de relacionamento com que queria escrever a história dos dois países durante a sua Presidência, transpondo para Luanda aquilo que fez dele em Portugal o "Presidente dos afectos".
Saindo para a rua, para as praias, procurando, forçando mesmo, a proximidade com o cidadão comum, o que levou as redes sociais a fazerem dele o "Ti Celito" em Angola, ajudou também a desanuviar a tensão que a ausência de Portugal da lista dos países anunciados pelo recém-empossado Presidente angolano como prioritários para as relações externas de Luanda e, acima de tudo, a mostrar total disponibilidade para, como disse, cumprir enquanto PR a vontade dos povos, que é "criar as condições para um relacionamento fraterno" porque é esse tipo de relação que existe entre angolanos e portugueses, apesar de, nesse momento, estar ao rubro o "irritante" provocado pelo caso Manuel Vicente na justiça portuguesa.
Mas esse tempo já la vai e esta chegada de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola acontece num período em que tanto Luanda como Lisboa assumem às claras que se trata de um ponto alto na amizade e na cooperação entre os dois países, ficando para trás mais de dois anos de "tensão" provocada pelo tal "irritante" diplomático.
Isso mesmo disse o ministro Manuel Augusto quando, na manhã de hoje, fez questão de dizer que um dos pontos mais importantes da relação actual entre os dois Estados, como a agência Angop fez questão de destacar, é a procura de "formas criativas" de ultrapassar os obstáculos existentes para que os vistos a conceder a uns e outros cidadãos nacionais possam ser facilitados através da vontade política para isso.
Mesmo para contornar as dificuldades acrescidas de Lisboa que tem de fazer face às exigências europeias plasmadas no tratado de Schengen, que impõe fortes restrições no acesso a cidadãos oriundos de fora desse espaço europeu.
Mas Manuel Augusto não deixou de analisar o problema da dívida do Estado angolano às empresas portuguesas, apesar de procurar retirar vitalidade e viço a este tempo, como a agência de notícias portuguesa, Lusa, optou por destacar.
E o MIREX não poupou palavras para explicar que a dívida do Estado angolano a empresas portuguesas "já não é uma matéria especial" embora com o verbo atirado também em sentido inverso, lembrando que, ao contrário do que parece, quando se fala em dívida o tema abarca também a dívida fiscal das empresas portuguesas ao Estado angolano.
Manuel Augusto, como já tinha afirmado quando o Presidente João Lourenço visitou oficialmente Portugal há cerca de três meses, disse que essa questão é hoje considerada do foro das coisas "normais" entre os dois países e que neste momento se está a proceder ao "encontro de contas" que determinará o deve e o haver de uns para com os outros.
"É preciso sublinhar que, quando falamos da dívida, não é só da dívida de Angola para com Portugal que estamos a falar. Há também a regularização da dívida fiscal de empresas portuguesas ao Estado angolano. Este é já um processo normal e acho que se tem falado demasiado da dívida (...) mas esse já não é o assunto principal nas relações entre Angola e Portugal", frisou o responsável pela diplomacia angolana.
O que o governante também destacou foi que o mais importante agora é desbravar novos caminhos para a cooperação bilateral, criando novas áreas e reforçando as existentes, de forma a conseguir criar as condições para atrair o investimento português para Angola, não limitando esse esforço às empresas mas sim a "todos os parceiros" com capacidade para ajudar a desenvolver o país e o seu sector produtivo.
Para isso, garante, foram "criados todos os incentivos" e vão continuar a ser reforçados de forma a que os parceiros de Angola possam e queiram investir no país, apontando como estratégicos os sectores da agricultura e da indústria.
"Queremos que os empresários portugueses venham aqui montar as suas fábricas, que possam, associados ou não a angolanos, desenvolver as várias áreas, principalmente a nossa indústria de transformação", disse Augusto, relembrando que, com esse fito, terá lugar em Benguela, uma das escalas desta visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, um fórum económico onde estarão empresários e as suas organizações em ambos os países e que apontou como um dos pontos mais importantes desta visita.
E, para facilitar a vida aos empresários portugueses em Angola e aos angolanos em Portugal, Manuel Augusto disse ainda nesta conversa com os jornalistas a propósito da chegada do "Ti Celito" na terça-feira que em breve Luanda e Lisboa terão definida uma solução para anular as principais críticas formuladas num e noutro país no que diz respeito às dificuldades de obtenção de vistos.
Mas, como também estava já prometido desde que João Lourenço foi oficialmente recebido em Lisboa entre 23 e 25 de Novembro do ano passado, vários acordos foram mantidos em stand by para serem formalmente assinados em Luanda agora, durante esta estadia do PR português em Angola, nomeadamente, como apontou o MIREX, nas áreas das pescas, transportes, segurança, administração interna ou ainda nas finanças.
Quatro dias como há muito não aconteciam nas relações Luanda-Lisboa
Os quatro dias em que Marcelo Rebelo de Sousa vai estar em Angola, não só em Luanda mas também nas províncias de Benguela e da Huíla, não vão ser apenas intensos, serão quatro dias como há muito não se viam no que toca aos ânimos e à distensão política, diplomática e económica entre Angola e Portugal.
Na sua comitiva estarão, entre outros, o ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro e ainda os lideres dos grupos parlamentares do PS, PCP e PSD, e ainda u representante do Bloco de Esquerda, o partido que ao longo dos anos de poder de José Eduardo dos Santos ocupou a linha da frente das acusações a Angola no âmbito dos Direitos Humanos, Corrupção... mas que, com a chegada ao poder de João Lourenço tem vindo a realinhar a sua visão sobre o país.
E nem é preciso ir muito longe no tempo para encontrar alguns dos episódios mais tensos entre as duas capitais. Basta recuar a 2016 para ali encontrar bem vincado no calendário dos afectos entre os dois países o começo de dois longos e penosos anos, com o então Presidente José Eduardo dos Santos a confirmar a ameaça de aprofundar a crise com o desvincular do processo de construção de uma parceria estratégica devido ao processo aberto nos tribunais portugueses contra Manuel Vicente.
Bem mais próximo neste calendário de tumultuosos afectos está o despoletar da questão racial com as agressões policiais a angolanos no bairro Jamaica, uma zona habitacional deprimida nos subúrbios de Lisboa, como os media de um e do outro país desbravaram de forma abundante.
Mas, quando, na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa (MRS)for recebido por João Lourenço no Palácio Presidencial da Cidade Alta, ou quando entrar na Assembleia Nacional para discursar perante os deputados, momento oficial que os países concedem aos seus melhores amigos, como sucedeu com JLo em Portugal, dificilmente esses problemas provocarão soluços entre os muitos momentos da farta agenda de trabalho que aguarda a comitiva portuguesa.
Mas MRS não deixará por mãos alheias mais uma demonstração do seu indomável percurso de Presidente dos afectos que começam com o aniversário de JLo, na terça-feira, quando o Chefe de Estado angolano faz 65 anos, e terminam no próximo Sábado, quando o Presidente luso comemora três anos no cargo.
Mas Marcelo, o Professor Marcelo, vai ainda dar um salto qàs escolas portuguesas de Luanda e do Lubango, que visitará nestes dias, à Universidade Agostinho Neto, onde dará uma aula e se disporá a responder a perguntas dos estudantes.
Iisto, depois de na quarta-feira, após o encontro a sós com JLo, dar, em conjunto com o homólogo angolano, na sua "casa" da Cidade Alta, uma conferência de imprensa onde, normalmente, as poucas perguntas a colocar serão focadas nas principais questões em cima da mesa que estão por resolver ou foram resolvidas com sucesso.
Mas um cheirinho do que poderá ser ali dito já foi criado na antecipação informal que fez desta visita a Angola, onde Marcelo Rebelo de Sousa disse, questionado pelos jornalistas durante uma feira do sector alimentar e bebidas, em Lisboa, que na bagagem para Luanda estará "o espírito de diálogo", lembrando que se trata de "países irmãos, povos irmãos que falam português", sublinhando ainda a vontade de "estreitar a fraternidade entre povos entre Estados".
"E, se os Estados souberem ir de encontro ao que os povos querem, não tenho dúvidas de que este será um grande momento".