Paula Garcia Chicole vive há 13 anos na comuna do Kikolo, em Cacuaco. Com 43 anos de idade, tem sete filhos e três netos. A sua rotina é "trabalhar directo, todos os dias". Não há dias de descanso, nem momentos de relaxe. Se não é em casa de outros, é no seu próprio lar.

Os filhos e netos dão-lhe que fazer, todos os dias da semana. Paula é natural da província do Bié. No seu entender, o trabalho de empregada doméstica não é fácil, porque a pessoa é obrigada a cuidar de tudo em casa, incluindo as crianças.

São muitas responsabilidades e muitas tarefas para realizar. "É muito difícil. Fico com as crianças, faço todos os trabalhos em casa, mas o salário não recompensa. Lavo, arrumo a casa, faço a comida, cuido das crianças e recebo um salário de 40 mil kz. É tanta coisa que a pessoa tem de fazer e, mesmo assim, às vezes, o trabalho não é reconhecido, porque a dona de casa nunca está satisfeita", lamenta.

Apesar de pouco reconhecido, o trabalho exercido pelas empregadas domésticas é "essencial", sublinha Paula. São elas que permitem que outras mulheres saiam de casa para ocupar postos no mercado de trabalho. Mesmo assim, as mulheres que as empregam não valorizam devidamente o esforço que fazem e, muitas vezes, a actividade que desempenham não é contabilizada para a aposentadoria daquelas que não têm como pagar a outra pessoa para ficar no seu lugar.

Segundo Paula Chicole, as empregadas domésticas são trabalhadoras invisíveis. Ninguém se lembra das suas histórias, das suas feições e dos seus dramas, mas lá estão elas, todos os dias, limpando o chão, cuidando dos filhos e proporcionando conforto aos lares de muitas famílias. "Eu, por exemplo, passo muitas necessidades. Tenho sete filhos, dos quais apenas três estudam. Os outros nãoestão a estudar porque não tenho dinheiro para os colocar na escola. Aqui há poucas escolas e já não sei o que fazer porque não tenho ninguém que me ajude", queixa-se.

Questionada sobre o país dos filhos, a mulher permanece durante alguns minutos calada e acaba por responder: "O meu marido morreu há três anos. Se ele fosse vivo, acho que a minha vida não estaria do jeito que está hoje. A família dele, que está fora, desde o dia do funeral, só a vimos quando há festas ou óbitos, como acontece agora em muitas famílias". HUMILHAÇÕES E MAU S-TRATOS Desde que trabalha como empregada doméstica, Paula Chicole já passou por seis casas e já sofreu muitas humilhações.

"Há casas onde a pessoa trabalha, quando a mulher é boa, o marido não. Mas normalmente são as mulheres que nos maltratam. Já trabalhei em casas em que até as peças íntimas dei-quando há festas ou óbitos, como acontece agora em muitas famílias".

HUMILHAÇÕES E MAUS-TRATOS

Desde que trabalha como empregada doméstica, Paula Chicole já passou por seis casas e já sofreu muitas humilhações. "Há casas onde a pessoa trabalha, quando a mulher é boa, o marido não. Mas normalmente são as mulheres que nos maltratam. Já trabalhei em casas em que até as peças íntimas deixavam no chão para eu lavar.

Para esta empregada doméstica, o dia começa às 5h00 da manhã e, a partir daí, é sempre a andar. "Não gosto de trabalhar cada dia numa casa diferente, porque é mais complicado. Já vi algumas amigas, que hoje trabalham numa casa e amanhã noutra, a irem parar à esquadra da polícia porque desapareceu alguma coisa em casa, culpam-nas a elas e depois descobre-se que foi outra pessoa. Nós passamos muita coisa, se contar tudo à senhora jornalista, vai encher um jornal inteiro só com as histórias tristes". O Novo Jornal acompanhou a rotina de Paula Chicole.

Encarar três táxis logo de manhã é o primeiro desafio que enfrenta. Ela conta quenem sempre consegue apanhar táxi e a solução é pôr os pés a caminho. "Às vezes, ando a pé, porque os taxistas cobram 200 kz por viagem. Saio de casa até à Mabor a pé e lá apanho um táxi até à Cuca. Da Cuca ando mais a pé até ao São Paulo e apanho mais um táxi até à Mutamba, essa é a minha vida", relata. Outra das preocupações de Paula são as constantes demissões que as empregadas domésticas sofrem, sem que ninguém tome medidas para as defender.

"Há muitas histórias de empregadas demitidas e, muitas das vezes,os salários não são pagos. Enquanto não temos onde nos queixar, as coisas ficam assim, porque não há quem nos proteja". Madalena Fonseca, de 37 anos, é empregada doméstica há 11 anos. Moradora no distrito do Rangel teve muitas dificuldades no início da carreira.

"No princípio, não foi fácil por falta de respeito por parte dos patrões. Hoje já encaro as coisas com mais calma, porque no início só tinha problemas. Era a dona de casa que dizia que limpei mal o chão, outra hora que a comida estava mal feita, ou que dei mal o banho às crianças. É muita coisa, mas agora estou mais tranquila". Natural da província do Huambo, a mulher diz que foi difícil deixar a sua terra natal para morar em Luanda, onde não tinha família. "Foi muito, muito duro, difícil de deixar a minha terra. Eu chorava todos os dias, não sabia fazer nada. Quando eu comecei a trabalhar na casa dela e liguei o aspirador, levei o maior susto", lembra Madalena Fonseca, mãe de quatro filhos.

VIDA MELHOR PARA OS FILHOS

Felizmente, nenhuma filha seguiu as suas pisadas. "Nem gostaria", responde, quando a pergunta lhe é feita. "O que eu quero é que eles estudem, que se formem. Não quero esta vida miserável que levo para eles, porque não é fácil. Eu já fui agredida por uma patroa, por achar que cozinhei mal, e não é uma mulher sem formação, é uma médica. Deu-me uma chapada na cara, é muita humilhação", nota.

Apesar do que passa no trabalho, a mulher não tem grande esperança em mudar de profissão. "A esperança que tenho da vida aqui é ser doméstica mesmo. Trabalhar em casa de família, pegar meu dinheirinho, dar continuidade aos estudos dos meus filhos e dar uma vidinha melhor a eles. Esse é o meu desejo, porque no Bié a vida seria muito difícil. Muito difícil mesmo", afirma.

Madalena defende que é hora da sociedade angolana encarar a empregada doméstica com outros olhos e garantir-lhes os mesmos direitos que aos outros trabalhadores. "Não cabe mais termos uma categoria essencialmente feminina que nem sequer tem os mesmos direitos conquistados", insiste, esclarecendo que não tem contrato de trabalho. Questionada se o companheiro a ajuda em casa, a mulher responde que não.

"À hora a que chego encontro a casa como a deixei e ele à minha espera para fazer o jantar. Alguns homens ainda pensam que a mulher é uma escrava, pelo menos o meu pensa assim. Sou obrigada a fazer tudo, ele diz que não faz porque é homem. Conceição Bunga Tomás, de 31 anos, trabalha como empregada doméstica há seis anos. A jovem encara esta profissão por falta deoportunidades de emprego noutras áreas.

"Tenho vários cursos feitos, como o de secretariado, técnica média de gestão, informática, contabilidade geral e carta de condução. Mesmo com todos esses cursos não consigo trabalhar na área em que me formei. Já bati a muitas portas e nada", lamenta.

DE CORAÇÃO PARTIDO

Mãe de uma menina de um ano e seis meses, São, como é conhecida, confessa que, no início, não foi fácil deixar a filha, de apenas dois meses, em casa aos cuidados de uma prima, que apenas tinha 11 anos. "Deixava a minha filha a dormir e encontrava-a a dormir. Muitas vezes, no serviço, quando chegava a hora de amamentar a minha filha sentia os seios cheios e sentia muita dor. Saio de casa às 5h00 da manhã e só volto entre as 18h00 e as 19h00, o que não é fácil".

Como teve de trabalhar, a filha deixou o peito com apenas quatro meses de idade. "Ela própria é que deixou o peito e ficou triste porque gostaria que ela mamasse até um ano e sete meses. O que me deixava mais triste era que, quase todos os dias, a minha filha chorava quando eu saía de casa. Eu ficava com o coração partido, por ver a minha filha naquele estado e não podia fazer nada, porque tinha mesmo que sair para garantir o pão para ela".

Conceição Tomás também manifesta tristeza por algumas pessoas não valorizarem o seu trabalho. "Há pessoas que não respeitam o nosso trabalho. Há colegas que comem e deixam os pratos na mesa e eu, às vezes, penso que não fazem nada nas suas casas. E alguns acham que por eu estar a limpar, não tenho formação. Sou técnica média de gestão e se estou a limpar o chão é mesmo por falta de um emprego. Para mim, o importante é ganhar o dinheiro de uma forma honesta".

A casa depende inteiramente do seu trabalho e o dinheiro que recebe tem que ser esticado até ao limite para dar todas as despesas. O marido de São está desempregado, o que dificulta a vida do casal. "Ele não tem emprego há mais de um ano, é estudante universitário. Está à procura de emprego. Mas tenho esperança que ele vai encontrar um emprego", desabafa, notando que do pouco que ganha gasta uma boa parte no táxi, porque vive distante do local de trabalho.

Mesmo quando chega a casa, São não tem descanso. As tarefas domésticas exigem dela mais um esforço. Só descansa, quando deita o corpo na cama. "Faço as coisas à noite. Quando assim não acontece, acumulo tudo e faço aos fins-de-semana, porque chego a casa muito tarde e saio cedo. Eu e as minhas colegas somos as primeiras pessoas que todos os dias chegamos ao serviço".