Trata-se de uma ideia que, por ser tão partilhada e defendida entre nós, pode servir de barómetro para se ter noção do quão dramático é conviver com uma situação de "crise de filhos" nas sociedades africanas, sobretudo de matriz bantu. Um verdadeiro contraste com a perspectiva de construção familiar patente nos países do Ocidente, onde a cultura de adopção e de possuir poucos filhos prevalece.
A força da cultura oriunda dessas paragens do planeta vai, aos poucos, ganhando aceitação em algumas sociedades africanas. Porém, está ainda longe de fazer muitos discípulos. "Se em todo o mundo a população está a envelhecer, África é o continente que mais cresce. Actualmente, existem no continente africano 200 milhões de jovens e, em 2045, o número irá duplicar", perspectiva um recente estudo da consultora Burson-Marsteller, presente em 110 países.
Assim, em muitas paragens de África, ter filhos continua a ser sinónimo de ostentação, de aceitação. Os poucos casos de famílias com reduzido número de filhos encontram explicação na incapacidade biológica. São raros os casos de opção.
Pelos bairros de Luanda, o Novo Jornal foi à busca de histórias de quem convive com a condição de ser único filho de casal. Ruth de Jesus é filha única e diz ser alvo de muito carinho e atenção dos pais. "Em casa, não me falta carinho e atenção. Os meus pais preocupam-se muito comigo. Às vezes, pensam que ainda sou uma criança", reage, com ares de satisfação, a jovem de 19 anos.
Entretanto, Ruth confessa, com rosto carregado, que há momentos em que a solidão a invade, por falta de uma companhia em casa vinda do mesmo ventre. "Seja na escola, na rua, seja na minha própria família, quando vejo irmãos juntos, fico emocionada. É duro não ter alguém para conversar em casa, senão os pais. Já foi mais difícil, sobretudo na adolescência", confidencia.
Cândido Januário é também filho unigénito. Formado em Filosofia, o docente universitário admite que teve uma infância e adolescência solitárias, por falta de irmãos do mesmo pai e mãe.
"Comigo, foi muito mais difícil durante a infância. O meu pai era comerciante, viajava muito. A minha mãe só chegava à noite do mercado. Por isso, eu passava quase o dia todo em casa da vizinha. Foi difícil. O meu desejo era sempre que escurecesse logo, para que voltasse a ver os meus pais", recorda.
"Hoje, com os meus 31 anos, vivo muito mais tranquilo. Penso que, com a baixa renda que tinham, os meus pais conseguiram concentrar todas as atenções em mim e garantir-me uma boa formação. É preciso também olhar para a perspectiva positiva quando se tem poucos filhos", observa.
"Quando somos os únicos filhos, provamos de tudo. Às vezes, sentimo- -nos tão especiais, devido ao cuidado e carinho dos pais e familiares. Outras vezes, somos nós os sacrificados. É como Jesus: Tão especial, quanto sacrificado", compara Cândido Januário.
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