Não se trata do início do julgamento, mas sim de um processo cujo objectivo é a classificação dos aspectos da acusação do Ministério Público (Procuradoria Geral da República), explicou a fonte.

Os arguidos, entre militares e civis, estão acusados de peculato, branqueamento de capitais e, entre ouros crimes, de associação criminosa.

Pedro Lussati, que acabou por dar o nome a este caso altamente mediatizado e com grande impacto na sociedade angolana e além fronteiras, por estar directamente ligado à Presidência da República como palco da acção desta associação criminosa, assim o entende o Ministério Público, foi detido, como o Novo Jornal noticiou, logo no primeiro episódio desta extensa novela.

A sua detenção ocorreu quando procurava, alegadamente, em meados de Maio do ano passado, deixar o País com bagagem contendo milhões de dólares, euros e kwanzas.

O caso foi exponenciado pouco depois pelo facto de as imagens transmitidas pelas televisões mostrarem notas em Kwanza da nova série, que chegaram ao mercado já depois da chegada ao poder de João Lourenço.

A presença destas novas notas de Kwanza indiciava que estes crimes foram também cometidos depois de José Eduardo dos Santos ter deixado o Palácio da Cidade Alta e depois da declaração de guerra à corrupção e ao peculato com que o Presidente João Lourenço iniciou o seu mandato.

O interesse foi exponenciado precisamente por este tipo de crimes estar surgir no interior da sua Casa de Segurança, um dos departamentos mais relevantes da Presidência da República.

Com o desenrolar das investigações ficou em claro destaque uma reportagem emitida pela TPA onde a televisão pública mostrava um vasto role de bens imobiliários e outros, com destaque para dezenas de viaturas de luxo, no País e no exterior, pertencentes a Pedro Lussati, alegadamente adquiridos com dinheiro conseguido através de esquemas criminosos.

Apesar de inicialmente este mediático caso ter ficado conhecido por "Caso Lussati", foi uma declaração pública do Presidente João Lourenço que o rebaptizou, porque o Chefe de Estado recorreu à designação oficial dos investigadores que é "Operação Caranguejo" para explicitar que nem os marimbondos nem os caranguejos estavam à salvo das garras da justiça.

E foi desta forma que, no início de Junho, como o Novo Jornal noticiou, João Lourenço, aproveitando o ensejo, pediu alterações radicais nas diversas estruturas do Estado, do BNA às forças de segurança, para "impedir que o caranguejo continuasse a engordar" de forma a garantir que a sua luta contra este tipo de crimes se mantinha viçosa, tendo, com ou sem intenção, criado um novo grupo de corruptos, os "caranguejos", que se juntavam assim aos "marimbondos".

Depois do desmantelamento da organização mais próxima de Pedro Lussati, este caso acabou por estar na génese de várias exonerações nas estruturas da Presidência, sendo a mais conhecida a do general Pedro Sebastião, que era ministro de Estado e Chefe de Casa de Segurança do Presidente da República.

O início

A 24 de Maio de 2021, o Novo Jornal noticiava que a PGR tinha acabado de emitir um comunicado onde anunciava a apreensão de milhões de dólares, euros e kwanzas que estavam guardados, aparentemente de forma desleixada, como se percebeu mais tarde nas imagens da TPA, em caixas e malas, viaturas e residências, deixando perceber que Pedro Lussati não temia aquele desfecho.

Nesse documento, a PGR enunciava a apreensão de "valores monetários em dinheiro sonante, guardados em caixas e malas, na ordem de milhões, em dólares norte-americanos, em euros e em kwanzas, bem como residências e viaturas".

Tudo na posse do "modesto" chefe das finanças da banda musical da Presidência da República, major Pedro Lussaty, que fora, dias antes, detido quando transportava duas malas carregadas com 10 milhões de dólares e 4 milhões de euros, num episódio turbulento de tentativa de fuga às autoridades, acabando por ser capturado quando, segundo se disse na altura, caiu quando saltava um muro, lesionando-se com gravidade numa perna.

Mas nesse momento, a PGR informava, pela primeira vez, que este caso, o agora conhecido caso "Operação Caranguejo", não tinha começado há pouco, pelo contrário, porque "a prática dos factos que estiveram na base da abertura do aludido processo remonta(va) há muitos anos".

A 16 de Junho de 2021, como também noticiou o Novo Jornal, a PGR anunciava que tinham sido detidos mais cinco implicados na "Operação Caranguejo".

Estes cinco suspeitos acabaram detidos preventivamente depois de terem sido submetidos a interrogatório na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) e juntaram-se a uma lista de 24 militares que estavam já impedidos de deixar o País devido ao seu envolvimento nesta operação.

BNA abre inquérito

Um dos mais salientes dados de toda esta "Operação Caranguejo" foi a questão das notas da nova série da moeda nacional, que levou mesmo o Banco Nacional de Angola (BNA) a abrir um inquérito para apurar eventuais ilegalidades, até porque os maços de notas ainda continham a foi reconhecida como sendo aplicada apenas a dinheiro na posse do Banco Central.

Mas a 26 de Maio o BNA garantia que não foram cometidas quaisquer ilegalidades no fornecimento a um banco comercial das notas de Kwanza que aparecem na "Operação Caranguejo".

O BNA admitia que estavam a correr averiguações para saber se o levantamento desse dinheiro por terceiros seguiu os procedimentos exigidos por lei, sendo então já claro que tal dinheiro tinha sido levantado por um banco comercial que nunca chegou a ser identificado, pelo menos oficialmente.

"De acordo com os nossos registos, os valores em questão, em moeda nacional, foram levantados na nossa casa forte por um banco comercial, obedecendo integralmente às regras e protocolos vigentes para o efeito não tendo ocorrido qualquer falha de procedimentos a nível do Banco Nacional de Angola", assegurava nessa data o BNA.

Sobre a questão dos selos oficiais do BNA a envolver as notas "do" major Lussati, o Banco Central explicava assim: "O Banco Nacional de Angola coloca notas em circulação exclusivamente através dos bancos comerciais e todos os volumes de notas, novas ou usadas, que saem da sua casa forte para esses bancos, têm os selos do BNA que facilitam o registo dos movimentos e confirmam a proveniência das notas, a sua autenticidade, o seu valor facial e financeiro em cada volume".

A outra questão por explicar é, a ter ocorrido, como foi possível transferir para o exterior mil milhões de dólares sem sonar qualquer sinal de alarme no sistema financeiro nacional.

Banco Central explicou... depois

Foi menos de 24 horas antes desta informação avançada pela PGR de que os arguidos do "Caso Lussati - Operação Caranguejo" tinham sido formalmente acusados que o BNA disse, num encontro com jornalistas, que este complexo, melindroso e mediático processo levou a que fossem "afinados" os mecanismos de controlo interno de prevenção e combate ao branqueamento de capitais.

Porém, o Banco Central advertia que, como em qualquer outro país do mundo, os mecanismos existentes "são sempre falíveis" sublinhando que é nessa circunstância que essa afinação é feita permanentemente.

O problema do controlo é que não é possível garantir que os milhões de operações feitas no sistema financeiro de qualquer país são todas elas vigiadas, sendo, por isso, esse trabalho aturado feito por amostra.

O que o BNA diz é que o sistema de vigilância não é infalível que este tipo de criminalidade pode escapar sem ser detectada devido ao gigantismo do sistema.

"Muitas operações podem não cair nesta amostra, ou seja, não são vistas em concreto, mas em função das amostras que são recolhidas o BNA consegue compreender qual é o nível de cumprimento das regras", explicou Osvaldo dos Santos, o responsável no BNA por estes mecanismos.

Recorde-se que uma das questões que ganhou relevo com esta operação que tem o major Lussati como figura principal levantou muitas dúvidas na sociedade angolana, especialmente porque os valores envolvidos, seja em numerário seja em bens, móveis e imóveis, são de tal grandeza que dificilmente pode ter sido arquitectada por um "modesto" major colocado a gerir a contabilidade da banda musical da Presidência da República ao longo de anos a fio.