Num artigo publicado no jornal português Público, António Guterres assinala que a pandemia está a eliminar anos de progresso em direcção à igualdade de género, destacando que "a maioria dos trabalhadores de serviços essenciais, na linha da frente do combate à pandemia, são mulheres - muitas delas oriundas de grupos racialmente e etnicamente marginalizados e com baixos níveis de rendimento".
O secretário-geral da ONU lembra que as mulheres são "24% mais vulneráveis à perda de emprego" e "sofrem quedas mais acentuadas de rendimentos", sublinhando que "as disparidades salariais entre homens e mulheres, já elevadas, aumentaram, inclusive no sector da saúde".
"A prestação de cuidados não renumerada aumentou drasticamente devido a medidas de confinamento e ao fecho de escolas e creches. Milhões de meninas poderão nunca mais voltar à escola", escreve o secretário-geral da ONU, acentuando que as mães - especialmente as solteiras - "enfrentam sérias adversidades e sentem elevados níveis de ansiedade".
Guterres acentua, por outro lado, que a resposta à covid-19 evidenciou "o poder e a eficácia da liderança feminina" e lembra que, no ano passado, os países com líderes femininas tiveram taxas de transmissão mais baixas e estão, na sua maioria, "mais bem posicionados para recuperar desta pandemia".
"As organizações femininas preencheram lacunas cruciais no fornecimento de serviços e informações essenciais, especialmente ao nível comunitário", defende Guterres, salientando que quando as mulheres lideram governos se assiste a "maiores investimentos na protecção social e avanços mais significativos contra a pobreza".
"Quando as mulheres estão no Parlamento, os países adoptam políticas mais eficazes de combate às alterações climáticas. Quando as mulheres negoceiam a paz, os acordos são mais duradouros", regista.
Porém, reforça o secretário-geral da ONU, "a nível global, as mulheres representam apenas um quarto dos legisladores nacionais, um terço dos autarcas e apenas um quinto dos ministros", o que significa que "a este ritmo, a igualdade de género não será alcançada nos sistemas políticos nacionais antes de 2063. A paridade entre chefes de Estado levará mais de um século".
Guterres, que se diz orgulhoso de ter alcançado "a igualdade de género nas posições de liderança das Nações Unidas", defende que o processo de recuperação da pandemia é "a oportunidade de traçar um novo caminho mais igualitário" e que as ajudas à recuperação "deverão ser especialmente direccionadas a meninas e mulheres, inclusive por meio de investimentos em infra-estruturas associadas à prestação de cuidados".
"A economia formal só funciona porque é subsidiada pelo trabalho feminino não remunerado", escreve Guterres, apelando aos líderes mundiais que actuem em seis áreas estruturais.
A representação igualitária, por meio de quotas e outras medidas especiais, o investimento na economia da prestação de cuidados e na proteção social e a redefinição do produto interno bruto de forma a incluir o trabalho doméstico, assim como a remoção de barreiras à inclusão plena das mulheres na economia são algumas das áreas apontadas.
António Guterres defende ainda a revogação das leis discriminatórias em todas as esferas e a promulgação, por cada país, de um plano de emergência de combate à violência contra mulheres e meninas, seguido de financiamento, legislação e "vontade política para acabar com este flagelo".