Prova do que afirmo é o que verificamos em relação ao debate sobre o salário mínimo nacional e as legítimas reivindicações da classe trabalhadora representada pelos sindicatos. Eu opino que, precisamos de baixar a temperatura e os ânimos e de fazer recuar a polarização, que envenena praticamente todas as possibilidades de diálogo e impede a busca de uma solução que seja a contento de todas as partes interessadas, quer estas sejam directa ou indirectamente afectadas.

De outro modo seria mais difícil encontrar uma solução que satisfaça minimamente os anseios e as pretenções dos trabalhadores e patronatos se não fazermos uma correcção de percepções erradas sobre as preferências e motivações das diferentes partes interessadas.

Ouvindo os pronunciamentos públicos de muitos a nível dos órgãos de difusão massiva e das redes sociais, é demasiado frequente notar que as pessoas fazem suposições preconceituosas sobre as motivações da outra parte, incluindo juízos de intenções ou considerações negativas, acerca do carácter da pessoa do outro lado "da mesa negocial". Muitas vezes, as pessoas até concordam umas com as outras, pois quem conhece a realidade do país, sabe de antemão que os salários pagos aos funcionários públicos não são compatíveis com o custo de vida, o mesmo acontece com o salário mínimo nacional e com grande parte das pessoas que trabalham no sector privado.

A questão, se calhar, não se resume apenas ao valor do salário, que cada uma das partes está a propor, mas também em fixar o que alguns terão de abdicar para que seja possível satisfazer minimamente as exigências salariais dos trabalhadores ou as medidas de contenção de gastos que o Executivo terá de adotar para atender o desafio de aumentar os salários dos funcionários públicos. É comun dizer-se que é bom ter muito, mas o suficiente é melhor para todos!

Por exemplo, enquanto um número significativo de pessoas, em todo o país afirma estar disposta a sacrificar parte do seu rendimento, "privilégios" ou benesses para contribuir para a satisfação, em parte das exigências da maior parte dos funcionários públicos, que reivindicam um maior salário e melhores condições de vida, apenas uma ínfima parte dos cidadãos pensa que os outros ( provavelmente em situação melhor ou que se consideram privilegiados relativamente à sua) acreditam e pensam da mesma forma, uma diferença de percepção errada que, quiçá poderia ser corrigida mediante um diálogo inclusivo e uma postura menos preconceituosa em relação ao nível de disponibilidade que os diferentes grupos de cidadãos possuem para aceitar sacrifícios em nome do bem comum.

Caso contrário, continuaremos a observar resultados como uma falsa realidade social, marcada pela ignorância colectiva, em que as crenças incorrectas sobre os outros, considerados favorecidos ou privilegiados, dificultam a cooperação e o diálogo que, se reconhecidos e corrigidos, poderia ajudar a construir um conjunto de consensos e acções colectivas, em prol de um salário mais digno para todos e todas.

Desta forma nem toda a polarização, em torno do salário da função pública, pode ser reduzida a erros de percepção ou a piores intenções de uma das partes. Por isso, é importante criar espaços de deliberação para ultrapassar as divergências, em torno da fixação do valor do salário em negociação. As negociações, entre representantes do Executivo dos trabalhadores podem funcionar desta forma, mas não são o único meio, a julgar pelos resultados até agora alcançados. Temos de ter a coragem e a assertividade de indigar o que esta a faltar para que o diálogo possa ser produtivo e alcançar níveis mais elevados de contentamento entre as partes.

Esquemas práticos para facilitar um processamento mais deliberativo da informação podem ajudar a contrariar o perigo crescente de as pessoas ficarem presas a crenças e estereótipos, sobre o que é ou não possível aceitar-se, em termos de salários a pagar, que não têm qualquer base factual. Em contextos de conflito intergrupal, a apresentação de informação, num enquadramento que não provoque raiva pode ser algo que ajuda as partes a chegarem a um consenso. Porém as intervenções que se baseiam em abordagens e narrativas manipuladoras, como contar histórias que diabolizam ou desprestigiam os que assumem posicionamentos diferentes ; qualquer tentativa de coagir os trabalhadores que se manifestarem estar a favor ou contra a greve ou a promoção de qualquer acção, que atente contra a lei da greve venha de onde vier, não são mais eficazes, num processo como este onde os tempos mudaram. As palavras-chave são diálogos e deliberações.

A polarização tem mais probabilidade de ser destrutiva, do que construtiva e útil. A pressão constante dos trabalhadores em torno do direito a um salário digno deve ser encarada pelo Executivo como algo normal e até certo ponto positivo, mas do que investir na diabolização das partes envolvidas na negociação, dever-se-á estimular a empatia, construir a confiança interpessoal e enfatizar a necessidade de sobreposição de "identidades" á favor de soluções partilhadas. Este é o caminho a seguir.

*Coordenador OPSA