Qual é a receptividade que teve a obra que publicou à volta de Elias Dya Kimuezo?
A receptividade foi boa, embora a obra fosse recebida com alguma estranheza… Era uma novidade, não estávamos habituados a trazer a vida dos nossos músicos mais velhos para livro, porque pensamos que o passado não tem nada a ver com o presente.
Acha que a publicação do livro ajuda as pessoas a perceberem um pouco mais daquilo que é a dimensão histórica deste artista?
Claro que o livro ajudou a compreender e a conhecer o percurso desse grande senhor da música angolana. Quanto a perceberem a dimensão histórica do Elias, diria antes que ele faz parte da dimensão histórica de Angola. Por isso digo que sim, que ajudou muito a percebere esse contributo.
O livro 'A Voz e o percurso de um povo' remete-nos à análise de um elemento considerado muito importante noutras sociedades mas que, segundo disse, é recebido com alguma estranheza. Fez com que o rei Elias fosse conhecido de forma mais séria e sistemática. Há muitos outros autores que podiam enveredar pelo mesmo caminho. Há alguma razão para isso?
Por isso disse que foi recebido com estranheza, mas na nossa sociedade tambem já se fazia. Se calhar, sem muita chamada de atenção e muitas vezes com certa vaidade. O que no caso do Elias não aconteceu. Fiz com o Elias, mas não só. Dei voz a todos os Elias dessa angola, através da voz do rei da música angolana. Na vida do rei da música angolana encontrei o percurso de todos nós, angolanos. Elias fala por todos os Elias, todos os mais velhos de Angola. Começar pelo rei é o caminho certo porque deram-lhe a coroa, mas tiram-lhe o manto. Era preciso que todos despertassem para a realidade dolorosa de quem já nos deu tanto.
Talvez muita gente não saiba da existência dessa obra. Sente que foi feita a devida cobertura, de forma a que ela seja não apenas um livro mas um instrumento de consulta?
Tem razão. Nem todos sabem, mas todos os dias quando alguém descobre a existência dela reconhece o seu valor. Da minha parte fiz de tudo, continuo e continuarei a fazer, contra tudo e todos. Esse livro é já matéria de consulta na Alemanha, já se fazem teses, no Brasil, Portugal e até em Israel. Em Angola alguns estudantes já o vão procurando, e os mestrandos, julgo que vão lendo. Deveria ser ao contrário, falo desse périplo, mas o livro é uma porta para o conhecimento que se vai absorvendo paulatinamente. E nesse caso, só quem não tem sede de saber é que não o bebe.
Acompanhar a vida e obra de um artista que tem um acervo riquíssimo não parece ser tarefa fácil...
Não é tarefa fácil, mas é necessário que se faça, se não queremos que aconteça o que acabou de dizer,o desaparecimento dessas bibliotecas vivas do nosso panorama artístico.
Começamos a ver o ressurgimento da dinâmica que um dia existiu nas artes literárias ou estamos ainda num processo de resgate de tudo quanto já tínhamos conquistado?
As duas coisas, porque não podemos dizer que já ressuscitamos a dinâmica que um dia existiu nas artes, mas que estamos numa fase de resgates do que já foi… Para lá caminhamos. Eu tenho um sonho… que no nosso país de homens de grandes conquistas… acontecerá.
Ainda na questão desse resgate, tudo quanto já existiu pode dever-se a uma razão de contexto, a uma época ou a aculturação mediante o livro é e deve ser um processo contínuo, independentemente desses factores que citei?
Com certeza.
Há um circuito normal que deve funcionar para que o livro esteja na mão do consumidor a um preço mais acessível. Será que estamos diante de situações que não deixam que esse processo se normalize?
Esse é um problema que o executivo deve resolver. Espero que a curto prazo…Porque o futuro da literatura em Angola não depende só dos escritores. Deles sai a criação, mas o executivo tem o cajado que pode ou não matar essa dádiva maravilhosa… a falta de apoio e as altas taxas são problemas a resolver.
Uma rede que suporte esse impulso necessário ao movimento literário seria impensável ou pode ser uma sugestão a ter em conta?
Seria muito bom que esse mecanismo existisse, antes que se mate o poder de criação do escritor… Direi mesmo que é urgente.
Além de desmotivador para qualquer criador ou investigador que queira ver o seu trabalho publicado, estas dificuldades reflectem-se também nos leitores que são obrigados a desviar sua atenção para outras ferramentas como, por exemplo, a internet?
Com certeza. O preço do livro mata o incentivo à leitura, e as mediatecas ajudam, mas nada supera o prazer de folhear um bom livro… Viajar na leitura num recanto escolhido por nós.
Na sua visão, que realidade é que nós temos e o que é que preciso para invertê-la, visto que livro ainda é uma ferramenta de grande importância?
A nossa realidade está bem patente em tudo o que dissemos até aqui. É preciso que haja uma grande vontade de sair dessa inércia literária e que quem de direito acorde para essa realidade que há muito todos bradam aos quatro ventos. Não basta falar, deixar no papel, é preciso fazer. Quanto ao ainda ser um instrumento para a mentalizaçao de uma nação, como disse, eu digo que o livro é e será sempre a base do saber, porque é educação, é a palavra e ela precede tudo.
Houve tempos em que a publicação de um livro movimentava vários meios e hoje já não estamos diante desse cenário. Será que não estamos a desvalorizar a importância natural que tem?
Um bom livro continua a contar com alguns meios… outros há que não são e movimentam esses tais meios. Tenho pena dos que pensam que o livro carece de importância. Se não vão ao livro, que tal o livro ir até eles?
Hoje o problema do desinteresse arrasta-se à literatura infantil. Além dos habituais autores com que muitos de nós crescemos, como Cremilda de Lima, Dario de Melo, Eugénia Neto e outros, quase não temos novos criadores, Os poucos que existem hoje lutam contra os novos artifícios que parecem facilitar os mais novos aos atractivos que podiam encontrar na literatura?
Um país sem literatura infantil é um país com macúla. Existem poucos e novos escritores de literatura infantil… Mas são bons. Falta o incentivo de alguns educadores, mas já vão lendo e dando-se conta da importância do livro infantil. Os atractivos que os mais novos podem encontrar na literatura são o sonho e o encanto. Ser criança é ter direito a viajar pela imaginação… Como escritora infantil, nego-me a entrar nessa batalha contra um artifício qualquer.
Depois de algumas obras, com maior destaque para a biografia sobre Elias Dya Kimuezo, o que é que podemos esperar para os próximos tempos das criações da Marta Santos e para quando?
Depois da biografia do Elias já nasceram mais três livros, dois infantis e um de contos. Para este ano espero poder continuar com o projecto que comecei em Dezembro denominado Um Sorriso Uma Criança. É uma antólogia de Natal para os mais novos, que sairá todos os anos. Quero também abrir as portas da minha editora, Edições Kindomba e apresentar o trabalho que tenho em mãos, um livro que será de grande ajuda contra um inimigo sem rosto que é o cancro. Ecos no Silêncio…Relatos que salvam vidas. O livro fala concretamente do cancro da mama.
Será que, além dos nomes incontornáveis da história das artes, poderemos confiar em que as novas gerações preservem e transmitam a imortalização das suas obras?
Não tenho dúvidas, temos grandes herdeiros e seguidores no mundo da música, assim como nos outros domínios das artes. O que é preciso é não esquecermos o valor daqueles que começaram E que nos permitiram chegar aqui. Enquanto haver alguém, um jovem que se lembre, já estamos imortalizados.