David Capelenguela nasceu na Huíla, em 1969. Advogado de profissão, é licenciado e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, onde se está a doutorar em Ciências Sociais. Exerceu Jornalismo durante 25 anos na RNA, Jornal de Angola e ANGOP. Publicou mais de 10 obras e foi eleito secretário-geral da União dos Escritores Angolanos em Maio de 2019.

Estando a um ano do fim do mandato (Maio de 2022), que balanço faz da sua passagem pela liderança da União dos Escritores Angolanos (UEA)?

Tivemos uma gestão difícil, porque a UEA, como outras associações de utilidade pública, está a passar por uma situação económica difícil, o que impede que algumas das nossas acções sejam concretizadas. Muito do que prometemos nas eleições não tem sido cumprido.

Por exemplo?

Devíamos dinamizar um pouco mais aquilo que está relacionado com a edição de obras. Não conseguimos. Até agora, editámos seis títulos de membros da UEA. Agora, obras nossas mesmo, editadas com o dinheiro da UEA, só foram duas.

Um registo muito baixo...

Sim, é muito baixo mesmo. Estamos a viver uma situação muito difícil, mas também, no meio de tudo isso, há coisas boas que fizemos. Gizámos um plano que está relacionado com homenagens. Fizemos, por exemplo, homenagens a António Jacinto, Mário Pinto de Andrade, Jorge Macedo, Arnaldo Santos e Jofre Rocha, reconhecendo a sua contribuição para o processo de desenvolvimento da literatura angolana. Queríamos ter feito mais, mas, infelizmente, não foi possível, porque surgiu a Covid-19. Tínhamos também previsto que, neste momento, já tivéssemos feito revisão aos estatutos da UEA, para nos ajustarmos um bocado à realidade actual.

O que se alteraria nos estatutos?

Há uma questão que está relacionada com a comissão directiva. Isso é muito levantado por alguns dos nossos associados. Havia, antigamente, o presidente da assembleia, uma comissão directiva e o secretário-geral. Essa figura da comissão directiva foi retirada dos estatutos, então, muitos dos nossos associados acham que deveria voltar.

E não se fez porquê?

Achámos que fazer isso iria implicar outros elementos. Por exemplo, na altura em que iniciámos o nosso mandato, havia confrades nossos que achavam que isso [a alteração dos estatutos] deveria ser feito já e deveria ser concretizado no nosso mandato, mas não houve entendimento, porque algumas pessoas achavam que devia, sim, esta figura [comissão directiva] voltar, mas só devia entrar em acção no mandato que começa em 2022. Não conseguimos encontrar consenso, pelo que entendemos travar, como forma de abrandar os ânimos para vermos como poderíamos enquadrar isso. Normalmente, elementos estruturantes que têm a ver com a UEA são tratados na assembleia-geral [a realizar-se em Dezembro deste ano ou em Janeiro de 2022].

Sente-se confortável com o facto de a UEA ou a grande maioria dos seus membros estar associada ao MPLA?

Não. A UEA não está associada ao MPLA. A UEA tem membros, na sua associação, que são do MPLA.

Maioritariamente...

Não diria isso.

Por exemplo, não há membros da UNITA...

Há. Temo-los.

Quem?

Não lhe digo, mas há. Garanto-lhe que há. Não interessa dizer quem é.

A própria data da fundação da UEA (10 de Dezembro) está ligada ao aniversário do MPLA...

É uma mera coincidência, porque o que me contam os mais velhos é que tinha havido neste dia [10 de Dezembro de 1975] uma actividade no partido, e o Presidente Agostinho Neto disse "se tivemos esta actividade, que tal se nós fôssemos concretizar, então, o plano [da criação da UEA]".

Em função do balanço que fez do primeiro mandato, pondera recandidatar-se em 2022?

No momento em que me encontro, não tenho muito ânimo. Sinceramente, não tenho muito ânimo. Não estou a dizer que não me vou recandidatar, mas, neste momento em que estamos a falar, não tenho muito ânimo para me recandidatar.

Porquê?

Era expectável para mim que eu viesse trazer alguma mais-valia. Não é que eu não tenha tido essa vontade, esse interesse, mas tivemos mais dificuldades que ultrapassaram os nossos interesses, a nossa vontade. Então, tenho de pensar bem.

As dificuldades de que se queixa são normais ou criadas por algum grupo que não o queria na gestão da UEA?

Não sei se iria muito para este lado. Bom, como qualquer associação, a UEA tem os seus problemas internos, e, claro, não posso esperar que todos estejam comigo. Mas é verdade que, se realizámos eleições e a lista de que fiz parte foi a vencedora, há um indicador de que tenho a maioria absoluta. Tudo o resto é um desafio, um percurso de vida.

Em Março deste ano, funcionários da UEA denunciaram à imprensa um atraso salarial de 14 meses, um problema que se estende até agora.

A situação de atrasos salariais na UEA é um velho problema...

Contudo, a grande maioria dos meses em que os funcionários estão sem receber enquadra-se na sua gestão...

Nos mandatos anteriores, também já houve períodos mais ou menos como estes, só que era uma altura em que a situação económica não era tão má assim. Foi nesta fase que aparece a Sonangol, a Catoca, a Endiama e aparecem outras empresas a apoiar. Não foi necessariamente um apoio vindo directamente do Ministério da Cultura. A UEA é uma instituição de utilidade pública, mas estes dinheiros que vêm da utilidade pública não vêm focalizados para os salários. Vêm focalizados para os projectos das instituições de utilidade pública. E a UEA já vem tendo problemas há muito tempo. E o que aconteceu foi que, exactamente na altura em que entrámos, houve profundas alterações no País. Tínhamos o Banco Sol, através da Fundação Sol, que dava algum apoio, mas deixou de apoiar. Tínhamos aqui, atrás, a Somague, que tinha arrendado os nossos escritórios, mas, na altura em que nós estávamos a assumir a gestão da UEA, foi o período em que a empresa tinha acabado de construir os seus escritórios. Temos as naves lá em baixo, no Alvalade, mas estas estruturas estão a ser reabilitadas por uma empresa e tivemos de escolher: ou deixávamos aquilo degradar-se ou deixávamos a empresa fazer a reabilitação [para posterior dedução nas rendas]. Foi o que nós fizemos.

Diz-se que a Somague pagava 15 a 20 mil dólares por mês...

Não, não era isso.

Quanto era?

Davam mais ou menos perto de quatro milhões de kwanzas.

Mensalmente?

Sim. É o que eu encontrei e é o valor que, durante, mais ou menos, três ou quatro meses, fomos recebendo, até que eles [a empresa Somague] se retiraram.

Não é um dinheiro que se pudesse aguentar até aos dias de hoje, considerando que a renda era paga mensalmente?

Não sei se me faço perceber. O que quero dizer é que um mês de salário da UEA é perto de quatro milhões de kwanzas. E, se a Somague pagava quatro milhões e pouco, não tem como [o dinheiro da renda] aguentar-se até 2021...

Conhecendo o salário dos funcionários de base da UEA, pergunto-lhe: o que faz a folha salarial disparar para quatro milhões?

Nós temos mais de 20 funcionários e, se você conhece [o salário de] quatro ou cinco funcionários de base, não conhece a realidade dos outros, que estão acima disso [salário-base].

Tendo o senhor feito parte da anterior gestão, quando se candidatou a secretário-geral da UEA, já conhecia os problemas que iria herdar. Ao queixar-se destas dificuldades, não terá falhado em alguma estratégia?

Não é tanto por ter falhado nalguma estratégia. É porque a Covid-19 veio mesmo complicar o País todo, o mundo todo. Eu tinha a garantia de um banco, pelo que não iria precisar de choramingar ao Ministério da Cultura ou a um outro [organismo do Estado]. Feitas as contas, iríamos ter uma UEA brilhante, mas, infelizmente, veio a Covid-19. E, hoje, eu posso dizer que não tive sorte na minha gestão. Não há outro secretário-geral da UEA que tenha passado pela Covid-19 e por uma situação económica tão grave como a que estamos a viver. O senhor é jornalista e sabe como é que o País está. Não vá à UEA, vá para a base. A situação económica do País não é boa, é muito má. No entanto, há um exercício muito grande da parte do Governo, que está a rever se algumas instituições de utilidade pública vão continuar a sê-lo ou não. Neste momento, o problema que afecta a UEA também afecta organismos como a União Nacional de Artistas Plásticos (UNAP) e a União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC). Só que nós [a UEA] temos mais gente, mais funcionários e isso faz que um grito de um funcionário da UEA seja muito mais profundo. Não é que não haja vontade. Garanto-lhe que já fui a quase todos os gabinetes. Só não entrei no gabinete do Presidente da República. Nós temos um bom ministro da Cultura neste momento, mas o Ministério tem muitas limitações. O Ministério da Cultura não tem condições para poder ultrapassar algumas situações das associações.

Na qualidade de instituição de utilidade pública, quanto recebe mensalmente a UEA do Estado?

Honestamente falando, não lhe vou ser concreto, porque, ainda antes de eu ser secretário-geral, já vivíamos esta situação: havia vezes que recebíamos um milhão de kwanzas, outras vezes 500 mil e ainda outras vezes dois milhões ou três milhões de kwanzas.

Agora que é o secretário-geral, qual é realidade?

Aconteceram as mesmíssimas coisas. Em de Dezembro de 2019, que foi o último mês em que a gente recebeu [dinheiro decorrente do facto de a UEA ter utilidade pública], recebemos 500 mil kwanzas. Antes, tínhamos recebido um milhão... isso acontece. Você não sabe quanto vai receber no mês seguinte.

Não recebendo nenhum valor de Janeiro de 2020 até ao momento, como mantém a estrutura funcional?

Ora bem, é a ginástica que estamos a fazer. Temos uma sala de actividades que, de antemão, era uma sala só para actividades da UEA, mas, nos últimos anos - mesmo antes de eu passar para a função de secretário-geral -, fomos alugando o espaço para outros escritores ou instituições. E é o que tem estado a acontecer. São 50 mil kwanzas por dia e, às vezes, conseguimos aí 100 mil, 150 mil ou 200 mil kwanzas. Por exemplo, neste mês, conseguimos, até agora, 50 mil kwanzas. Isso nos tem ajudado bastante. Muitas vezes, eu próprio tenho tirado do meu bolso, e os funcionários testemunham isso. Se eu puder recuperar esse dinheiro quando sair daqui - da minha função - tudo bem; se não conseguir, pelo menos será uma contribuição que deixo.

Quando sair deste mandato ou do próximo?

Estou a referir-me a este mandato.

Está, realmente, mais inclinado para a saída do que para a renovação...

Foi o que eu disse quando me perguntou: neste momento, não tenho muito ânimo para continuar. Vamos iniciar agora um projecto de formações que se vai aliar ao pouco que temos estado aqui a fazer - o arrendamento de sala - para, quem sabe, podermos cobrir cinco ou seis salários do pessoal de base.

Não sente que a UEA gastava mais do que as suas reais possibilidades?

Não é que se gastava muito. É que havia [o que gastar]. Houve um ano em que mais de 50 escritores foram para várias partes do mundo em congressos internacionais, com o objectivo de divulgarmos a nossa literatura. Isso faz parte dos estatutos da UEA. Não há nenhum problema com isso. As viagens para conferências de literatura sempre aconteceram. Lopito Feijóo, Kandjimbo, Mayamona e Paula Tavares, muito cedo, tão logo entraram para a UEA, começaram a fazer [digressões].

Mas, com os «apertos» actuais, julga que será necessário rever os estatutos da UEA neste quesito?

Acho que isso não precisa de ser mexido. Vai concretizar-se uma dada viagem quando houver condições; quando não houver, não se concretiza. E os escritores hão-de saber que não está a acontecer a viagem «X» porque não há condições.

Agora que fala em escritores, quantos entraram para a UEA no seu mandato?

Ainda não admitimos nenhum (risos). Temos muitos pedidos de adesão (12), mas, neste momento [final de mandato], se admitirmos novos membros, vai parecer que estamos... [a recrutar possíveis eleitores].

E, antes deste período, não se admitiu porquê?

Há mandatos em que não se admite nenhum membro novo. Não se deve admitir só por admitir. Há regras e são essas regras que estamos a tentar cumprir.

Essencialmente, as regras exigem que o candidato tenha publicado, no mínimo, duas obras literárias a serem analisadas por uma mesa de leitura...

Sim, sim, mas depois há outros elementos, porque há escritores e escritores. Há quem se diga escritor, mesmo sendo apenas um mero autor. Eu sou formado em Direito. Se eu escrever um livro nesta área, não sou escritor. Sou autor. E muitos destes autores também escrevem para nós a dizer "eu quero ser membro da UEA".

E qual deve ser o papel da UEA nesta confusão de títulos?

A UEA, neste sentido, tem um foco específico: olhar para os membros, ou seja, para aquelas pessoas que são membros da UEA. Sobre os outros elementos - que têm a ver com o que se produz, com o que se trabalha na literatura, com o que se faz, com o que se edita ou não se edita na sociedade -, a UEA simplesmente emite um ponto de vista, assim como as outras associações o fazem. Fora disso, não temos muita influência.

Concorda com os que afirmam que a confusão de títulos reflecte o estado actual da Educação e do País, de forma geral?

Educação é o quê? É um processo. Quando estamos a falar de Educação, não estamos só a falar de escolarização. Estamos a falar também da base - dos nossos pais, encarregados. Se a minha base não for bem construída, claro que não vou oferecer um bom produto. Não vou aqui citar nomes, mas sou professor, dou aulas numa universidade, e há estudantes a fazer licenciatura que escrevem muito mal e se pronunciam, inclusive, muito mal.

Como docente, o que tem feito em relação a estes estudantes? É que muitos deles chegam mesmo a terminar a formação...

Uma coisa é o David Capelenguela estar a dar aulas de Práticas Jurídicas - que não é no 1.º nem no 2.º anos da universidade - corrigir um estudante naquele pormenor específico, aconselhando-o a fazer um esforço e buscar instrumentos próprios de consulta. Essa é a minha contribuição. E todos devemos contribuir neste sentido.

De 0 a 10, que nota dá ao estado da literatura em Angola?

Eu daria seis. Seis a sete valores.

É uma nota positiva...

Sim, porque a literatura angolana está, de facto, num ritmo de paulatinamente ir ganhando alguma robustez. A literatura angolana já está neste ritmo. Precisamos apenas de tirar algumas coisas que passam nesta robustez, que está a ser construída.

Que coisas?

Hoje em dia, você vai encontrar variadíssimas editoras, mas as obras que passam por lá, quer a qualidade gráfica, quer a qualidade do conteúdo, deixam a desejar, porque muitos se dizem editores, mas são simplesmente pessoas que recebem dinheiro e o texto do autor para pôr no formato de livro e mandar imprimir. O editor tem a responsabilidade também de ver a qualidade do conteúdo que recebe, e isto são poucas as editoras - se é que são mesmo editoras - que o fazem neste País. Por exemplo, quando alguém, em menos de seis meses, me apresenta dois romances de 200 a 300 páginas, eu tenho de pôr um pé atrás, porque há muito plágio hoje, até nas universidades...

E há plágios nos prémios literários também...

Daí que não devemos ter pressa de dar votos favoráveis às pessoas que se dizem escritores, porque, às vezes, o nosso voto vai fazer que alguém que esteja a começar a actividade literária se sinta vaidoso. Eu, por exemplo, não me sinto escritor feito, não me sinto poeta feito. Continuo a fazer a minha parte, a minha poesia, porque, se eu sentir que estou no auge, estou no topo, estou feito alguém que está lá, nos céus. Essa vaidade toda pode destruir-me.

Em 2018, o Presidente da República criou uma megacomissão para a implementação da Política do Livro e da Leitura, mas, quase três anos depois, editoras e escritores dizem que nada saiu do papel.

Há um esforço muito grande que está a ser feito neste sentido. A UEA faz parte desta comissão. Na verdade, os manuais anteriores traziam alguns problemas, alguns erros, e isso é das coisas que estão a ser atacadas, das coisas que estão a ser melhoradas. Depois dessa fase, vai encontrar um pequeno obstáculo também, que é dos técnicos que trabalharam naqueles manuais (que me parece, isso já não é informação lá das nossas reuniões, é uma informação que ouvi por aí) e que têm estado a exigir uma compensação, porque já terão trabalhado naquela primeira leva dos manuais escolares. Não sei se terá havido um entendimento neste sentido ou não, mas o certo é que o trabalho andou, está muito avançado e, nesta fase em que nos encontramos, está entregue a instâncias superiores para o passo a seguir, que eventualmente é de distribuir para as editoras, para as gráficas e passar para a impressão.

Reconhecendo-se as carências de gráficas, em que medida não estaríamos a trocar as coisas, visto que o preço de edição ainda é alto?

É verdade. Sabe que, hoje, para editar um simples livro de, mais ou menos, 150 páginas, não vamos andar em menos de três milhões Kz. É um problema muito grave, no sentido de que ou você vai fazer um livro caro com alguma qualidade ou você vai fazer um livro que, quando estiver a abri-lo, ele se desfaz, um livro que não vai apresentar uma diagramação exigida. As gráficas estão com valores muito altos. Eu já recebi facturas de sete milhões para uma obra de 200 páginas.

Como é que se corrige isso?

Há uma via que tinha sido adoptada, que era a de, primeiro, subvencionar o papel. Esse elemento tinha sido introduzido, mas foram-se ouvindo reclamações de algumas gráficas e editoras a dizerem que, apesar de o papel ter sido subvencionado, não havia condições, porque havia muitas outras dificuldades que não passavam necessariamente só pelo papel. Já houve quem propusesse a plantação de eucaliptos (mas isso é um projecto de longo prazo) e outros elementos que, eventualmente, estejam a causar obstáculos na produção de livros. Por exemplo, para a impressão de livros com verniz localizado, aqui, em Angola, só temos duas gráficas que produzem assim, que é a gráfica Damer e a outra aqui do São Paulo. A Edmark, a Mwangole, a Imprensa Nacional e outras gráficas não imprimem com verniz localizado. E, querendo nós produzir uma obra nessa condição, gasta-se de 10 a 14 milhões. É muito difícil, quando os outros países fazem isso de forma muito diferente.

Que legado julga que vai deixar na UEA?

O legado que nós poderíamos descrever é o de tentar trazer à UEA escritores nacionais, alguns mais velhos, que a dado momento não conviviam muito com a casa por razões várias. Nós fizemos homenagens a esses mais velhos. Tivemos momentos de partilha aqui na nossa Maka à Quarta-feira. Procurámos aprofundar um pouco mais os conteúdos de algumas obras nestes encontros, tivemos bons debates. Não me lembro, nos anos que estou aqui na UEA, de se ter abordado alguma Maka sobre Mário Pinto de Andrade - e a própria filha do Mário Pinto de Andrade veio aqui falar do pai, falou da contribuição da mãe dela, que não é angolana, no cinema angolano, que faz transversalmente a contribuição, a elasticidade cultural de Mário Pinto de Andrade na sua contribuição para a cultura angolana. Falando de Jorge Macedo, que já não vive, a filha veio dar testemunho. Falámos de António Jacinto, do qual a escritora, agora embaixadora, Ana Maria de Oliveira, veio falar. Mas também tivemos grandes momentos de reflexão sobre a própria literatura no cômputo geral. Vieram aqui jovens das universidades para falar sobre obras que tinham lido no passado, mas de cujos escritores não tinham nenhum contacto. Fomos buscar escritores que não tinham tido contacto com essas pessoas [os leitores] e levámo-los às escolas (institutos médios, superiores e faculdades) para falarem das suas obras e procurámos também, até certo ponto, fazer que, entre os escritores, houvesse mais um pouco de aproximação. Houve uma fase em que existiu certo distanciamento: alguns membros deixaram de vir à UEA, porque acharam que alguma coisa estava a correr mal e distanciaram-se. Nós procurámos aproximar essas pessoas e [hoje] convivem e andam aqui nos corredores da UEA. Naquilo que esteve ao nosso alcance, cumprimos a nossa missão. Corre um projecto de Maka à Quarta-feira, uma parceria que temos com a TV Zimbo. A TV Zimbo vem aqui com os seus meios, 9 a 10 câmaras, aqui no nosso jango, e um dado escritor fala do seu percurso, e esse programa é emitido na televisão. Ainda não começou, já gravámos seis programas, é um acordo de parceria com a duração de um ano. Criámos o Centro de Estudos Literários e temos estado a interagir com outros centros de estudos literários do mundo para falar sobre a literatura angolana. Aí por mais de 20 anos, a Gazeta Lavra & Oficina ficou parada. Retomámos a revista em Dezembro de 2020 e, hoje mesmo [terça-feira, 13], ao fim do dia, vamos pôr a circular o 4.º número. A Gazeta Lavra & Oficina era mensal, vai passar agora a sair trimestralmente, e os membros da UEA e não-membros escrevem os seus artigos. Ainda estamos no formato digital, mas a Gazeta tem estado a circular por todo o mundo e as pessoas dizem que está com boa qualidade, está com interesse grande. Quem sabe, temos estado a incentivar o surgimento de outras revistas?

Em relação a atrasos salariais, o que os funcionários podem esperar de si? O que está a fazer?

O que eu vou dizer os funcionários sabem. Estou constantemente a conversar com os funcionários, aliás, eu faço parte do problema, no sentido que eu também não tenho salário e eles sabem dos esforços que temos estado a fazer. Os funcionários sabem. Claro que, no meio dos funcionários, vai encontrar sempre uma ou outra opinião diferente, mas eles sabem. Tivemos um encontro aqui, muito recentemente, em que eles, oficialmente, pela primeira vez, se explicaram à direcção. Antes, não tinha havido isso, só estávamos a ouvir dizer "olha, vai acontecer isso, vai acontecer aquilo". Eu, na qualidade de jurista, disse que eles, sim, tinham toda a liberdade de se manifestar, mas que tinham que o fazer bem, cumprir todos os trâmites a serem seguidos para se fazer uma greve e também lhes dei a informação sobre os contactos que tenho estado a fazer para poder ultrapassar os problemas que estamos a viver aqui. Temos coisas que estão começadas, mas infelizmente a concretização é que está a demorar. Eu não posso travar isso, não há como travar uma greve. O que tenho que fazer é dizer aquilo que estou a fazer para eles saberem que estou a esforçar-me, mas ainda não consegui concretizar, infelizmente.