É verdade que os mercados petrolíferos são especialmente sensíveis e apressam-se a reflectir sinais de instabilidade por mais insignificantes que pareçam, mas ignoram que a escassez de oferta actual é totalmente artificial e resulta de cortes significativos operados em 2022 e este ano pela OPEP+, superando os 3 milhões de barris por dia.

Além disso, como notam as agências esta quarta-feira, nada é irrelevante do que se passa nos EUA e na China ou na Índia, os maiores consumidores globais de crude, estando, desta feita, a contribuir para o bom momento do sector o esvaziamento superior ao normal dos stocks nos Estados Unidos.

Com efeito, a discrepância é de tal ordem que está a ser difícil para os analistas explicar como é que se esperava uma subida dos stocks nos EUA de 575 mil barris na semana passada mas o que se verificou foi um esvaziamento de 6,7 milhões de barris.

A mesma ordem de grandeza verifica-se na redução dos stocks nos refinados, como a gasolina, o que, a confirmar-se, segundo a Reuters, faz com que estas reservas sejam as mais baixas desde os dias precedentes ao feriado no país que honra os militares tombados em combate - Memorial Day -, de 2014.

O mundo está a consumir mais petróleo que o que tem disponível nos mercados e é por isso que desde segunda-feira até às 10:50 de hoje, passou dos perigosos para as contas angolanas 74,60 USD para os confortáveis 78,30, uma subida de mais de quase quatro dólares, que deixa o barril que serve de referência para as exportações angolanas bastante acima do valor médio usado para elaborar o Orçamento Geral do Estado 2023, que foi de 75 USD.

Este momento coincide ainda com o fim das dúvidas sobre a decisão da Rússia em reduzir a sua produção como estava anunciado, tendo agora o vice-primeiro-ministro Alexander Novak, que tutela o sector, vindo a público garantir que o prometido já está a ser cumprido.

Ao que se assiste hoje nos mercados, com o WTI em Nova Iorque a registar o mesmo balanço positivo, estando hoje a valer acima dos 73 USD, vem dar corpo às perspectivas anunciadas no último relatório da AIE, que em Março apontava para um ano de 2023 largamente positivo antecipando um aumento da procura com as melhorias já notadas e em crescendo na economia chinesa, mas também noutros grandes consumidores, como a Índia, EUA...

No entanto, apesar de um frenesim constante nos gráficos ao mínimo sinal de perturbação, no que toca ao negócio global do crude, também ocorrem agendas pouco ou nada susceptíveis de correcções apressadas, como é o caso dos planos traçados no seio da OPEP, OPEP+ ou pelos seus mais relevantes membros, como a Arábia Saudita.

E o facto de o príncipe e ministro da Energia, Abdulaziz bin Salman, ter vindo fazer declarações alertando para uma estranha predisposição para ameaçar os "traders" contra uma adivinhável insistência no "short selling", deixou os analistas de ouvidos em bico face a uma possibilidade de novas movimentações na OPEP+ aquando da sua reunião mensal agendada para 4 de Junho.

Isto, porque estas previsões e sustos sauditas são resultado de um mês de Maio instável, quando o barril esteve em queda acentuada, chegando mesmo aos 72 USD a 04 de Maio e a 74 USD depois a 12 de Maio, num declínio ou equilíbrio difícil constante.

Agora, com um cenário bem menos pessimista, não se sabe o que poderá acontecer na reunião da OPEP+ de Junho... Mas a máquina está preparada para defender o preço do barril, com uma demonstração agora clara de que tanto em Moscovo como em Riade não se está para correr riscos e ceder às pressões norte-americanas e europeias para um aumento da produção.

Contas nacionais

Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, este momento dos mercados é melindroso, mas se se mantiverem os valores actuais, menos mal.

Com o barril a valer pouco mais de 77 USD, o Governo angolano mantém a folga no que diz respeito às suas contas porque o OGE 2023 foi elaborado com o barril nos 75 USD de média anual prevista.

O país ainda depende em grande medida do seu sector energético, considerando que o crude representa mais de 90% das suas exportações, perto de 30% do PIB (tem vindo a descer nos últimos anos o peso do sector) e mais de 50% das receitas fiscais do Estado, sendo certo que o sector do gás natural já é uma importante fonte de receitas, superando mesmo o diamantífero.

Aliás, o Governo de João Lourenço, que elaborou o seu OGE para 2023 com um preço de referência para o barril nos 75 USD, tem ainda como motivo de preocupação uma continuada redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.