Os ciclos, quer sejam evolutivos ou regressivos, são os fenómenos mais naturais, vêm acontecendo há séculos, senão mesmo há milhares de anos. Ray Dalio, em "Princípios para a ordem mundial em transformação", fez uma extraordinária narração do seu entendimento dos 3 momentos dos ciclos (ascensão, topo e declínio). Tal como acontece com os seres vivos, que nascem, crescem e morrem, diz-se que a morte, é a única certeza na vida dos seres vivos. Entretanto, há os ciclos curtos decorrentes das flutuações que se operam no mercado em determinados momentos, que acontecem em períodos curto, como, por exemplo, uma recessão económica (variação negativa de crescimento do Produto Interno Bruto por três meses consecutivos), há os ciclos mais alargados (as depressões, anos consecutivos de crescimento negativo) e há os grandes ciclos, consubstanciados na alteração da ordem estabelecida por uma nova. Aconteceu, por exemplo, em Angola em 1975, em que o império colonial português estabelecido em 1575 foi substituído por uma nova ordem. As ascensões e as derrocadas também se dão ao nível das relações globais, que, dadas as transformações que ocorrem em determinados momentos no mundo, fazem com que uns ganhem força, porque acumularam mais riqueza, por via disso, também adquirem mais poder, que os permite influenciar o mundo, estabelecendo uma nova ordem. A revolução industrial, cujo epicentro foi no Reino Unido, proporcionou a hegemonia económica e militar que conduziu à supremacia dos ingleses a dado momento da história mundial.
Ray Dalio, na obra a qual fiz referência acima, descreve o funcionamento da máquina de movimento perpétuo que impulsiona as ascensões e os declínios dos indivíduos, empresas, nações, impérios e das suas moedas de reserva. Associando 8 determinantes às transformações que se operam tendentes a criação e acumulação de riqueza, e, consequentemente do poder, seja se trate do indivíduo, de uma corporação ou de um país, Dalio identifica os seguintes factores como condicionantes da ascensão ou declínio: i) o nível de educação das pessoas; ii) a competitividade ou rivalidade empresarial; iii) a capacidade de inovação e uso da tecnologia; iv) a capacidade de produção; v) a percentagem da quota do comércio mundial detida; vi) a força militar; vii) o poder de compra da moeda nacional; e viii) o estado de reserva da moeda. Para explicar os ciclos, o autor estudou profundamente as diversas etapas pelas quais passaram determinadas nações, que são referências mundiais. Não vou entrar em pormenor sobre o mérito dessas determinantes, que serão, certamente, motivo para uma outra reflexão. O meu foco neste texto é responder à questão de saber se a ordem económica internacional estabelecida em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, assente nas instituições financeiras basificadas em Washington (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e a Reserva Federal dos Estados Unidos "Federal Reserve"), caminha a passos largos para o seu fim.
A analogia histórica de Ray Dalio permite-nos compreender os altos e baixos dos pequenos, médios e grandes ciclos, pelos quais passam as nações e os impérios, consequentemente, o estabelecimento das novas ordens internas e externas. O fim do padrão ouro deu a prorrogativa dos bancos centrais de influenciar os agregados monetários, através do aumento da massa monetária em circulação, quer pela via da emissão monetária, quer pela via do crédito, pressionando os ciclos. Os Estados Unidos de América (EUA) têm hoje uma dívida pública bastante significativa (em Dezembro de 2024 a dívida publica Americana atingiu 124% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, vai para além da riqueza criada no país), usando da sua prorrogativa de moeda de reserva internacional, imprime dólares, sem ter a preocupação do desequilíbrio da equação monetária fundamental (D"=M"). Entendo que esse talvez seja a grande preocupação da actual administração, procurando uma melhor utilização dos dinheiros públicos, de modo a reduzir o crónico défice orçamental, tendo uma das medidas resultado no estabelecimento do Departamento de Eficiência Governamental ((Department of Government Eficiency (DOGE)), liderado pelo Bilionário Elon Musk, e no lançamento das tarifas, denominadas de Tarifas Recíprocas. Entretanto, a forma atabalhoada como o processo tem sido conduzido, dá a indicação de que o assunto não terá sido devidamente estudado, não se estabeleceram cenários, de forma que houvesse respostas equilibradas para cada eventualidade. A confiança é um indicador determinante da economia e dos mercados no capitalismo, o vai-e-vem da aplicação das tarifas que se assiste, não transmite confiança, resultando na turbulência dos mercados de capitais.
Pese o facto de a natureza humana, por vezes, não ter em conta os ensinamentos da história, sabe-se que a dívida, foi sempre o factor influenciador da derrocada, quer dos indivíduos, das empresas, das nações, quer dos grandes impérios. Não se precisa ser um grande catedrático para perceber que a dívida pública dos EUA caminha para insustentabilidade (124, % do PIB, em 2024), alguma coisa tinha de ser feita. A discussão pode centrar-se na fórmula encontrada, se esta é a mais adequada. A manutenção de forças militares em 89 países, custa muito dinheiro, pressiona o défice orçamental para níveis inconfortáveis. Ademais, os indicadores de crédito, do consumo excessivo do que não se produz, o défice comercial com os vários parceiros, são indicação de uma economia cujo ciclo está na curva do declínio, sem esquecer o declínio dos rácios da produtividade de trabalho, que vêm baixando se comparado com os seus concorrentes. Porém, a meu ver, os EUA continuam a ser uma economia pujante. Olhando para a lista das 100 maiores empresas do mundo, 73 são americanas. O país tem no ranking mundial 8 das melhores universidades, é o país de referência para a formação de qualidade (ter referência no CV da Harvard, Columbia, Stanford University, ou do MIT é um grande plus), continua a ser a principal fonte de invenções e inovações de novos produtos e serviços, que são replicados ou melhorados por outros países, o Silicon Valley é a fonte do que há de melhor em tecnologias de informação. Possui o maior mercado de capitais e de consumo, por isso todos lutam para conquistar uma quota de mercado e vender os seus produtos naquele mercado, talvez seja essa uma das razões da arrogância da sua actual liderança.
Presentemente, o país que desafia a hegemonia do império americano é a República Popular da China (RPC), que, apesar de ser um regime autocrático, tem implantado uma economia capitalista dinâmica e funcional, competindo, hoje, em determinados segmentos de mercado de bens e serviços, de igual para igual com os americanos, impondo, por conseguinte, que seja tratado com respeito. Respondeu às tarifas, dente por dente, como se diz na gíria! Para além de que a China é detentora de uma porção significa dos títulos da dívida pública americana, o que, por um lado, assegura que não ataquem a moeda de reserva mundial, pois a sua perda significativa de valor significaria perdas para os detentores desses títulos, por outro, deixa o Estado Americano refém de um concorrente, à espreita de impulsionar e liderar a nova ordem económica mundial. A disputa vai acabar na mesa das negociações.
Pessoalmente, penso que o equilíbrio é o desejável, não permitir que o mundo dependa de uma única superpotência, ainda mais liderada por um líder que de certa forma aparenta ser instável, que, sendo uma superpotência, está apenas preocupada com os interesses escamoteados do seu país, fazer da América outra vez melhor, e América em primeiro lugar (doing America great again and america first), correcto, é legitimo, mas, se pensa assim, não se proponha a ser uma superpotência! Sem esquecer que o Império holandês deixou de ser a potência que era, sem deixar de ser um país influente no mundo. O Reino Unido, deixou de ser a superpotência que era nos séculos precedentes ao século XX, sem deixar de ser um país influente no concerto das nações. Talvez estas acções vão acelerar a derrocada do império americano sem que venha deixar de ser a única potência que é, pois, os EUA são uma coisa a parte, costa a costa, Norte a Sul. Mas me parece que a disrupção causada pelas tarifas de Trump é também uma excelente oportunidade para os países africanos olharem para as suas relações comerciais internas, regionais e continentais, pois o mundo está realmente a passar por uma mudança acelerada, que vai afectar as economias de todo o mundo.n

Bibliografia consultada
Ray, Dalio, How Countries Go Broke: Principles for Navigating the Big Debt Cycle, Where We Are Headed, and What We Should Do, Disponível How Countries Go Broke: Principles for Navigating the Big Debt Cycle, Where We Are Headed, and What We Should Do: Dalio, Ray: 9781501124068: Amazon.com: Books, Acedido 22/01/2025.

Ray, Dalio (2021). Principles for Dealing with the Changing Word Order, Avid Reader Press. New York.