De acordo com a actualização das Perspectivas Económicas Mundiais, divulgadas hoje em Washington, o FMI antevê que estas economias africanas tenham uma contracção do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,2% devido aos impactos económicos e de saúde da pandemia da covid-19.
Para os países produtores de petróleo, as previsões são ainda mais pessimistas, e também agravam as estimativas de Abril; assim, agora o FMI espera uma quebra de 8,4%, o que representa um agravamento de 0,8 pontos face à recessão de 7,6% prevista há dois meses.
A actualização das previsões não apresenta novas estimativas para nenhum país africano lusófono, antecipando apenas as alterações para as maiores economias, como por exemplo o Brasil, que deve ter uma quebra no PIB na ordem dos 9,1%, o que representa um agravamento de 3,8 pontos percentuais face ao inicialmente previsto.
A descida das previsões era já esperada, já que há um mês o director do departamento africano do FMI, Abebe Selassie, já tinha dito que a realidade era pior que as previsões.
"Esta é uma das alturas mais desafiantes e difíceis de sempre, para a economia e para as pessoas", disse o responsável do FMI durante um 'webinar' organizado pelo Instituto Real de Assuntos Internacionais britânico, a Chatham House, em 20 de Maio.
"Quando nos juntámos para fazer as previsões [do relatório de Abril sobre a África subsaariana], centrámo-nos no valor de 1,6% para a contracção económica, o que significa uma redução per capita de 4%, e nessa altura esperávamos que as medidas de confinamento fossem limitadas a um trimestre e que depois haveria uma recuperação, mas vemos agora que a reabertura das economias e a recuperação está a ser mais lenta, por isso vamos rever a previsão de evolução da economia nas próximas semanas", disse então o director do departamento africano.
Para Selassie, "os riscos descendentes que foram identificados quando foi feito o relatório parecem estar a materializar-se, por isso a principal preocupação é que a perspetiva de evolução da economia tenha um quadro mais sombrio".
A nível mundial, o FMI prevê uma contracção de 4,9%, o que é 1,9 pontos mais baixo que a estimativa de Abril: "A pandemia da covid-19 teve um impacto mais negativo na atividade económica no primeiro semestre do que tínhamos antecipado, e a recuperação deverá ser mais gradual do que o que prevíamos", argumentam os analistas do FMI.
Em África, há 8.334 mortos confirmados em mais de 315 mil infectados em 54 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia naquele continente.
Entre os países africanos que têm o português como língua oficial, a Guiné Equatorial lidera em número de infeções e de mortos (2.001 casos e 32 mortos), seguida da Guiné-Bissau (1.556 casos e 19 mortos), Cabo Verde (984 casos e oito mortos), Moçambique (757 casos e cinco mortos), São Tomé e Príncipe (702 casos e 12 mortos) e Angola (186 infectados e 10 mortos).
O Brasil é o país lusófono mais afectado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo, ao contabilizar o segundo número de infectados e de mortos (mais de 1,1 milhões de casos e 51.271 óbitos), depois dos Estados Unidos.
Banco Mundial lança isco aos privados para alívio da dívida dos mais pobres
Entretanto, menos de 24 horas antes, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, disse hoje que espera que os credores privados encontrem um mecanismo para aliviar o peso da dívida, em termos comparáveis à iniciativa do G20, cujo maior beneficiário é Angola.
"O ponto de vista da comunidade internacional era muito claro no comunicado do G20 e nas discussões, os credores do sector privado deveriam definir uma metodologia para dar um tratamento comparável ao que estava a ser feito pelos credores bilaterais oficiais", disse David Malpass em entrevista à Bloomberg, na qual acrescentou: "Acredito que vão conseguir fazer isso e avançar com o processo".
Em Abril, o G20 concordou com uma suspensão temporária dos pagamentos da dívida para mais de 70 países em dificuldades financeiras para fazer os pagamentos e, ao mesmo tempo, lidar com o aumento das despesas de saúde para combater a pandemia de covid-19 e lidar com a suspensão da actividade económica.
Nas últimas semanas, os países com elevada dívida comercial mostraram-se relutantes em avançar para uma iniciativa similar à do G20, citando as preocupações com degradações do 'rating' e, por outro lado, os credores argumentaram com as obrigações fiduciárias para com os derradeiros detentores da dívida privada, o que tem atrasado o processo.
O Instituto Financeiro Internacional (IFI), que tem liderado as negociações com os ministros das Finanças destes países, estima que as nações mais pobres têm cerca de 140 mil milhões de dólares (123 mil milhões de euros) em dívida por pagar este ano.
O Banco Mundial estima que estas nações possam poupar 12 mil milhões de dólares (10,5 mil milhões de euros) através das suspensões temporárias, recursos que, apontou, deverão ser usados para lidar melhor com a emergência de saúde pública e a crise económica, e não para os pagamentos às nações mais ricas.
De acordo com os dados do Banco Mundial, Angola é o país que mais vai beneficiar com o plano, podendo poupar 3,4 mil milhões de dólares, cerca de 28% da dívida total, diz a Bloomberg, lembrando que a China concordou numa moratória de três anos para os pagamentos de juros, num total de 21,7 mil milhões de dólares (19,1 mil milhões de euros), de acordo com o jornal angolano Expansão.
A China, de resto, é um parceiro incontornável neste acordo, já que é a credora de cerca de 60% da dívida que os países mais pobres deveriam pagar este ano.
"Estou encorajado pelo nível de empenho da China", disse Malpass à Bloomberg, lembrando que a disponibilidade dos chineses "traz benefícios a longo prazo, já que o país terá relações com países que melhoraram depois da pandemia de covid-19".
Questionado sobre a proposta de várias organizações para que o próprio Banco Mundial perdoe a dívida, Malpass rejeitou a ideia, argumentando que isso ia prejudicar o "rating" da própria instituição e, assim, impedir a libertação de mais fundos para os países que dele necessitam.
"Fazer isso traz o risco substancial de reduzir os fluxos positivos líquidos que estão disponíveis para os países mais pobres", afirmou o presidente do Banco Mundial, admitindo que a ideia foi largamente debatida, mas que se chegou à conclusão que "não faz sentido".
As declarações de Malpass surgem na mesma altura em que a Comissão Económica para África das Nações Unidas (UNECA) tem mantido reuniões com os ministros das Finanças africanos, na sequência da discussão pública que tem existido sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia de covid-19.
A assunção do problema da dívida como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o FMI e o Banco Mundial dedicaram à questão durante os Encontros Anuais, que decorreram em Abril em Washington, na quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
Em 15 de Abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares (18,2 milhões de euros), em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
Os credores privados apresentaram já em Junho os termos de referência para a adesão dos países a um alívio nos pagamentos da dívida, que poderiam ser suspensos, mas não perdoados, e acumulavam juros, mas vários governos mostraram-se reticentes em aderir à iniciativa por medo de descidas nos ratings, que os afastariam dos mercados internacionais, necessários para financiar a reconstrução das economias depois da pandemia.
A Moody's é a única das três maiores agências de notação financeira que considera que a adesão ao alívio da dívida bilateral aos países do G20 é motivo suficiente para colocar o "rating" desse país em revisão para uma descida, o que levou a secretária-geral da UNECA, Vera Swonge, a dizer que "nenhum país africano" vai falhar os pagamentos da dívida a credores comerciais e privados.
A UNECA, entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Na semana passada, a China disse que ia suspender os pagamentos de dívida dos países africanos, mas não concretizou a abrangência nem em termos de valor da dívida nem nos países incluídos nesta iniciativa.