Como a sociedade, as autoridades e os partidos políticos encaram os trabalhos desenvolvidos pelo Observatório Político Social Angolano (OPSA), entidade de que é coordenador?
O OPSA é um espaço que congrega angolanos de diferentes sensibilidades políticas, diferentes credos religiosos, tem também colegas ou companheiros provenientes de organizações da sociedade civil, inclusive no seu momento, para aquelas pessoas que tinham cargos no Executivo angolano, que se juntam para reflectir e partilhar as diferentes perspectivas sobre os grandes assuntos do País, e tem uma particularidade que, fruto dessa reflexão, quando há consenso, normalmente emitimos uma nota que é pública, que é publicada nos jornais, nos diferentes órgãos de imprensa, também partilhada com os vários destinatários. As recomendações normalmente são para as instituições do Executivo, organizações da sociedade civil e partidos políticos (...). [tem havido] reconhecimento, esse reconhecimento muitas das vezes se processa, por exemplo, pela altura do Orçamento Geral do Estado. Vários partidos políticos, inclusive o MPLA, solicitam o nosso parecer ou perguntam pelas nossas tomadas de posição. Muitas das vezes, tentamos, sobretudo, nos últimos tempos, para além de fazer a tomada de decisão pública, pedir a audiência com os sectores para os quais é relevante o assunto a tratar, e normalmente não temos tido, até agora, grandes problemas de receber. Agora, isso pode ser o reconhecimento de que o que estamos a dizer é relevante, mas também não sejamos ingénuos, que também, frequentemente, aquilo que são as nossas contribuições, às vezes, caem, como se diz na gíria, "em saco roto", às vezes até suscita um mal-estar de diferentes sectores, então, eu acho que as reacções há variadas. Mas, entendemos que, num País e numa sociedade plural, não se pode agradar a todos da mesma forma e em relação a todos os assuntos.
E nesta perspectiva de que não se consegue agradar a todos, o OPSA já foi alguma vez confrontado por ter apresentado um posicionamento cujo conteúdo fosse interpretado como a favor ou contra alguma instituição pública ou privada?
Nós já tivemos casos que envolveram um órgão de media oficial. Foi curioso! Emitiu uma nota a criticar e a condenar o [nosso] posicionamento, mas, mesmo tendo recebido o posicionamento, não explicou ao público qual era esse tipo de posicionamento. Temos tido casos do género, que é uma pena para aquilo que deveria ser o bom jornalismo. Ou seja, ninguém deve mandar-me fazer um comunicado ou uma notícia a criticar um posicionamento, algo que nem sequer alguém teve a coragem de publicá-lo, quando até foi visto isso. O que sempre dissemos, o que tentamos é fazer uma contribuição, mostrando publicamente outra perspectiva (...). Estamos perfeitamente confortados com isso, que pode ser aceite ou não aceite.
No geral, como é que encara o associativismo em Angola?
Podemos falar das dinâmicas associativas e das dinâmicas da nossa sociedade civil de duas maneiras: é claro que, do ponto de vista formal, vamos ter uma visão completamente diferente, se olharmos para o número de associações que existem, se olharmos para as dificuldades, até legais que elas têm para operar. Sabe-se que está no ar e foi amplamente denunciado pelo sector da sociedade civil num draft ou uma proposta de lei das associações que muitos sectores da sociedade civil reputam como inconstitucional, que fere princípios constitucionais, fere certamente as questões ligadas à liberdade da associação e, portanto, do ponto de vista formal, não estamos onde queríamos, mas é importante entender algo que é do ponto de vista real e factual. Se repararem, sou daqueles que defendem que a sociedade civil genuinamente angolana e as suas dinâmicas não começaram no dia 11 de Novembro de 1975. Essas dinâmicas já existiam, claramente, num espaço, mesmo as que não estavam num espaço formal, ela não se extinguiu quando se criou um sistema de partido único.
De onde partia?
Partia dos bairros, das igrejas, entre outras instituições. As pessoas associavam-se e participavam no espaço público. Portanto, acredito que, se olharmos para fora daquilo que é o espaço mais formal, existe, sim, uma dinâmica de as pessoas se associarem à volta de questões do interesse comum. É uma pena que, do ponto de vista da institucionabilidade e do espaço formal, as nossas instituições não evoluíram tanto como tem sido a dinâmica a que assistimos, e ultimamente tem havido algo muito interessante que começa a emergir uma série de movimentos, alguns de expressão claramente política, outros culturais e até desportivas, que, também, infelizmente, não têm tido, do meu ponto de vista, o acolhimento devido, e espero que seja um assunto que também passa interessar as nossas universidades, de estudar esse tipo de fenómenos.
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