Na verdade, lendo as agências, nos seus despachos às primeiras horas de abertura dos mercados hoje, ou as análises feitas nos sites especializados, não existem sinais nem indícios de que o cenário tenebroso de 20 de Abril, quando as televisões e jornais de todo o mundo se encharcaram com manchetes sobre o momento único na história da indústria petrolífera com o WTI a vender o barril a menos 40 USD, se vá repetir, nem de forma aproximada.
Pelo contrário, o WTI está hoje, último dia de negociações para os futuros (entregas) de Junho a negociar em terreno positivo, dando seguimento a duas semanas de ganhos importantes no principal mercado de referência da maior economia do mundo, numa espécie de espelho daquilo que se passa em Londres, onde o Brent local determina o valor médio das exportações angolanas.
O WTI estava a subir 2,45%, perto das 09:30, para os 32,60 USD por barril, enquanto o Brent, mais comedido, mas, ainda assim, a subir 0,40%, para os 34,95 USD, face ao fecho da sessão de segunda-feira.
Por detrás desta vaga optimista nos mercados, em claro contraste com o período negro que se viveu entre Janeiro e Abril, por causa dos efeitos da pandemia da Covid-19 na economia planetária, está a persistente, mesmo que lenta, reabertura das grandes economias depois de meses de confinamento para parar o avanço da infecção e, provavelmente mais importante, como nota hoje a Reuters, os sinais de que os cortes acordados pela OPEP+, de 10 milhões de barris por dia (mbpd) estão a ser cumpridos de forma rigorosa pelos parceiros nesta Organização, que são os Países Exportadores (OPEP) e mais 11 produtores liderados pela Rússia.
O que se pode observar nas últimas duas semanas é um alívio claro para os países mais dependentes das exportações de crude, como é o caso de Angola, que tem, como uma espécie de bónus, o facto de a sua quota, considerada pela OPEP+ no acordo de corte na produção, estar abaixo, por razões estruturais, do valor a partir do qual teria de efectivamente baixar a extracção diária da matéria-prima.
Em relação a Angola, cuja produção estimada pela Argus estará em torno dos 1,25 mbpd em Junho, devido aos seus problemas acumulados a partir de 2014, desde o envelhecimento dos seus principais campos ao desinvestimento por causa dos baixos preços, terá de reduzir ligeiramente a produção para chegar ao compromisso assumido no seio da OPEP+, de 1,8 mbpd nos meses de Maio e Junho.
Este acordo, que obriga os 23 países que integram a OPEP+ a retirar 10 mbpd de circulação, com a Rússia e a Arábia Saudita a assumirem a parte de leão neste esforço, foi conseguido quando os números fornecidos em Março pela Agência Internacional de Energia (AIE) deixaram claro que a crise económica no rasto da crise sanitária por causa da Covid-19 tinha provocado um buraco de 30 mbpd entre a oferta e a procura, o que esteve, também, na base da brutal queda no valor do barril verificada no primeiro trimestre de 2020.
Ou seja, antes de ser descoberto o novo coronavírus na cidade chinesa de Wuhan, em Dezembro de 2019, o mundo consumia 100 mbpd, mas, em Abril, este valor estava nos 70 mbpd, sem que se tivesse verificado uma quebra na produção, o que encharcou os mercados de crude sem procura, pressionando os preços para valores historicamente reduzidos.
E foi por isso que a Moscovo e Riade arregaçaram as mangas e arrastaram os restantes parceiros para o acordo que desde 01 de Maio está a retirar 10 mbpd à oferta, o que, mesmo assim, não chega para tapar o buraco de 20 mbpd.
Mas as coisas estão a ser reequilibradas por outra via, a via do crescimento do consumo empurrado pela reabertura das economias europeias, nos EUA e na China, entre outras, com evidentes sinais de que as refinarias asiáticas estão de novo a funcionar em pleno e a indústria e o comércio estão a voltar a mostrar os dentes.
Outro sinal de que as coisas estão a ser levadas a sério é que os sites que verificam as exportações dos países produtores, como o Argus, ou mesmo as agências, como a Bloomberg e a Reuters, notam que, ao contrário do que tem sucedido noutras alturas de crise no sector, os países agregados na OPEP+ estão a cumprir com as suas quotas acordadas no âmbito do acordo de Abril.
Mas há ainda outro sinal de que o equilíbrio dos mercados pode ser, se não conseguido a 100%, pelo menos a caminho disso, que é a baixa importante na produção do petróleo de xisto, ou fracking, nos Estados Unidos, que tem um breakeven muito elevado e que não está a aguentar este prolongado período de preços muito abaixo dos 60/70 USD que precisa para ser sustentável.
O fracking, recorde-se, foi a indústria alternativa que permitiu, nos últimos anos, fazer dos EUA, a maior economia global, um país exportador quando era um dos grandes importadores de crude, chegando mesmo ao topo mundial da produção, acima dos 12 mbpd, à frente dos gigantes Arábia Saudita e Rússia.
E, agora, está em claro declínio, alterando o sistema de forças no sector do crude mundial, passando de novo à condição de importador com o lento regresso da normalidade à economia planetária.
Mas, como não se cansam de alertar alguns dos principais analistas do sector, persiste o receio de que, após o Verão no hemisfério Norte, ocorra uma segunda vaga da pandemia da Covid-19, o que só o surgimento de uma vacina poderá garantir o fim concreto da crise que o mundo atravessa actualmente, que é um misto de problema financeiro e de saúde pública, que levou, por exemplo, a que as indústrias dos transportes aéreos e dos transportes marítimos fossem reduzidas quase a zero, sendo estas responsáveis por quase 20% do crude consumido em todo o mundo.