Este cenário é assustador para as economias mais débeis dos países exportadores, como Angola, mas o pesadelo parece ter pernas para andar com as multinacionais do sector a anunciar cortes no investimento, muitos deles já agendados, por causa dos receios gerados nestes tempos de petróleo barato.

Recorde-se que em finais de Dezembro, mês em que o mundo deu de caras com o início da pandemia que hoje se conhece, o barril de petróleo Brent valia mais de 65 USD e hoje está nos 30, uma queda gigantesca de mais de 35 dólares, que equivale a uma dor de cabeça aguda para os Governos que têm nas exportações da matéria-prima a sua principal fonte de rendimentos.

Angola é apontada, tal como a Nigéria, em muitos fóruns globais, como das principais vítimas desta crise planetária devido à sua crónica dependência das vendas de petróleo, que representam, apesar dos esforços de quase duas décadas para a diversificação da economia, mais de 90 por cento das suas exportações e é o grande contribuinte líquido para o Produto Interno Bruto (PIB), que tomba, por cada 10 USD a menos no barril, cerca de 5%.

Alguns analistas internacionais apontam ainda Angola, tal como a Nigéria, a caminho de se verem obrigados a desvalorizar fortemente as moedas nacionais para estancar o esvaziamento das suas reservas líquidas internacionais (RIL).

E a necessidade de uma revisão no OGE 2020 é outra pedra no caminho do Executvo angolano, se o actual cenário não se alterar e o barril se mantiver em valores distantes dos 55 USD por barril usados como referência para a elaboração do documento-lei que rege o deve e o haver do Estado.

Quanto aos ganhos ligeiros de hoje, esses contrariam o cenário mundial de agravamento na Europa da pandemia de coronavírus Covid-19 e ainda a continuação da guerra aberta entre sauditas e russos em cima dos preços, com Riade a ameaçar inundar o mercado com petróleo ainda mais barato e Moscovo a dizer que não tem medo porque pode aguentar este finca-pé por 10 anos, mesmo que ambos sejam dos países cujas economias mais dependem das exportações de crude e estando ainda ambos a atravessar graves crises económicas e financeiras.

Mas há uma razão: as grandes economias globais, como os EUA, a China e alguns países europeus, estão, segundo nota hoje a Reuters, a repor as enormes quantidades de petróleo das suas reservas estratégicas gastas nos últimos tempos, comprando em grandes quaintidades, aproveitando este tempo de barril barato.

O que será sempre, sublinha Stephen Innes, da AxiCorp, uma empresa financeira australiana, sol de pouca dura, porque as reservas estratégicas, sendo volumosas, rapidamente vão estar repostas e este efeito sobre os preços vai deixar de existir em breve.

Innes defende ainda, nestas declarações à Reuters, que pouco ou nada se vê que possa evitar quedas ainda mais pronunciadas no valor do petróleo, se o cenário de conflito entre sauditas e russos em torno dos preços da matéria-prima não desanuviar, como, de resto, é dado como certo por outros analistas, que apontam para a necessidade urgente de Moscovo e Riade obterem divisas para lidarem com os seus graves problemas internos e reetabelecer a paz mútua é claramente a melhor forma de o conseguirem.

Origem do mal

Mas, em síntese, as razões para esta "guerra" entre os dois gigantes da produção de crude mundiais, permanecem as mesmas que levaram à brutal queda da segunda-feira, 09, com os sauditas e russos, a manterem as suas posições.

Se o reino árabe já disse que a partir de 01 de Abril vai inundar o mercado com petróleo barato, aumentando a sua produção para mais de 12 milhões de barris por dia (mbpd), Moscovo mostrou, e mostra, algum desdém pela ameaça que vem do Médio Oriente, informando que tem alicerces para aguentar esta guerra por 10 anos se for preciso.

Tudo começou, recorde-se, na sexta-feira, 06 deste mês, quando, na reunião dos países-membros da OPEP e os não-membros liderados pela Rússia, agregados na OPEP+, em Viena de Áustria, tinham em cima da mesa uma proposta para aumentar em 1,5 mbpd o programa de cortes que vigora desde Janeiro de 2019, que vai em 2,1 mbpd no conjunto de todas as medidas, multilaterais e unilaterais, de forma a esbater as perdas geradas na procura pelo efeito do Covid-19, responsável por uma pesada quebra na actividade económica global e, por arrasto, como sempre sucede, uma diminuição do consumo e da procura de crude.

Tendo chegado a acordo no seio da OPEP, os sauditas, que são quem, de facto, manda no "cartel", aguardavam a posição da Rússia, tendo chegado aquilo que não queriam ouvir, a recusa de Moscovo em alinhar em cortes tão extensos.

Visivelmente melindrados, os súbditos de Saud reagiram com severidade, retirando-se da mesa das negociações e avançando com a ameaça de tornar o crude tão vulgar como a água, inundando o mercado e prometendo vendas 10 USD abaixo do preço de mercado.

Com estrondo, na sessão seguinte, segunda-feira, 09, o barril deu um trambolhão de 30 %, atingindo a marca assustadora de 50% de perdas desde o início de Janeiro, por arrasto da pandemia, e batendo o recorde de perdas num só dia que vinha do longínquo ano de 1990, no arranque da I Guerra do Golfo.

Efeito Covid-19, o regresso ao que sucedeu em 2014

A generalidade dos países em todos os continentes está fortemente empenhada em combater a pandemia do novo coronavírus Covid-19, sendo uma luz ao fundo do túnel da esperança o sucesso já confirmado na China, onde tudo começou e onde tudo está já melhor, após dois meses de apertadas medidas de contenção.

Se esta batalha for também ganha na Europa, será o início do fim da crise, ou, pelo menos, estarão criadas condições para pensar na economia, hoje posta em segundo plano, claramente, em todo o mundo.

Mas, até lá, por todo o lado se vê, lê e ouve que estão a ser injectados pelos bancos centrais, como medidas de contenção da crise, milhares de milhões de dólares e euros nas economias para amortecer a pesada queda que se está a sentir nas bolsas mundiais, com perdas estratosféricas, só vistas nas mais graves crises do passado, como a de 2008, que começou nos EUA.

E as medidas de contenção estão igualmente a ser prioridade, em todo o mundo, para as majors do petróleo e também do gás.

Alguns exemplos divulgados pelas agências, confirmados pelas empresas, não deixam dúvidas sobre o que se está a passar e vai acontecer em breve, como aconteceu em 2014, sendo Angola, também nessa altura, uma das grandes vítimas, com a sua infra-estrutura produtiva praticamente colocada em stand by, com efeitos devastadores de longo prazo, que conduzaram, por exemplo, a um reforço da quebra na produção, a par do envelhecimento dos blocos e da falta de investimento na pesquisa por novos poços.

A britânica BP anunciou planos para uma poupança, reduzindo capital e despesas operacionais, que em 2019 atingiram os 15 mil milhões de dólares norte-americanos, enquanto a norte-americana Chevron, sem detalhes, segundo a Reuters, também tem em cima da mesa um plano de contingência para reduzir as despesas, enquanto, por exemplo, a saudita Aramco, já disse que vai diminuir as despesas para 2020 para os 25 mil milhões USD, comparando com os 32,5 mil milhões do ano passado.

Os analistas aguardam ainda que multinacionais como a francesa Total ou a italiana ENI, ambas com um papel fulcral na produção nacional angolana, venham igualmente a anunciar, em breve, severos planos de contenção nas despesas.