Durante o mês de Janeiro deste ano, os inventários desceram na maior economia do mundo, que coincide com o maior consumidor do planeta e o maior produtor global, que são os Estados Unidos da América.
Já não se via nada assim há anos e desde 2004 apenas sucedera duas vezes, como recorda Alex Kimani, do OilPrice, citando os analistas do Standard Chartered, sublinhando este banco que já em finais de Fevereiro se assistirá a um défice na oferta de 1,6 milhões de barris por dia (mbpd).
A excepcional situação gerada pela guerra em Gaza, entre o Hamas e Israel, levando a que a mortandade gerada pelos ataques insanos de Israel sobre o território, com um registo de mais de 28 mil civis mortos em quatro meses, está a projectar faíscas para a vasta região do Médio Oriente, onde é extraído mais de 35% do crude consumido em todo o mundo.
E isso está a conseguir manter o barril de petróleo acima dos 80 USD, ou muito próximo desta fasquia simbólica e vital para as petroeconomias, como é o caso da angolana.
Assim, esta manhã de segunda-feira de entrudo, o barril apareceu mascarado nos mercados internacionais de 81,44 USD, perto das 09:30, hora de Luanda, um valor que provoca um sorriso na cara da ministra das Finanças angolana, mas, ainda assim, a recuar 0,92% face ao último fecho.
Não há, porém, razões para que a ministra das Finanças, como, alias, todo o Governo de João Lourenço, deixem de sorrir, porque se espera que nestes dias a matéria-prima volte a galgar recordes e trepe nos gráficos dos mercados para lá dos 90 USD, no caso do Brent, em Londres, e dos 80, no caso do WTI, em Nova Iorque.
Quando alguns analistas admitem que o mundo está de novo a virar a esquina de uma vaga de crises geradas a partir da insustentável situação das finanças globais alicerçada num abrasivo excesso de créditos "doentes" e dos infecciosos "derivados", o sector energético parece estar com um vigor extraordinário, mesmo que as razões sejam pouco ou nada simpáticas, como sejam as evidentes guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, ou a inevitável crise do imobiliário na China... o gigante asiático que parece estar a derrapar na curva do crescimento económico.
Com o descarrilar do acordo de cessar-fogo na semana passada entre Israel e o Hamas, apesar da forte aposta dos EUA no sucesso desta empreitada onde o secretário de Estado Antony Blinken apostou as fichas todas, os mercados reagiram como sempre, antecipando o pânico para lidar melhor com a realidade que lhe suceder, mas as coisas foram amansando...
Até que, já nesta segunda-feira, 12, se soube que, nas últimas horas, os rebeldes iemenitas, Houthis, voltaram a lançar misseis contra navios comerciais no Mar Vermelho, a caminho do Canal do Suez, onde, em pouco mais de três meses, o número de embarcações caiu mais de 50%, criando uma "embolia" numa das artérias vitais do comércio mundial, passando por ali mais de 12% do tráfego marítimo global, sendo isso cerca de 30% dos contentores que cruzam os oceanos anualmente (vital para a China e para a Índia, por exemplo...), e ainda 15% do crude consumido no mundo.
A par deste cenário de risco geopolítico faiscante, surpreendentemente os analistas, de um modo geral, estão a enfatizar que os preços actuais, acima de 80 USD para o barril de Brent, são curtos e não traduzem a realidade, com a oferta a bater de frente na procura, contra o que é natural neste período do ano, o que diz que os mercados estão a agir mais a partir de uma tradição que da análise fria das circunstâncias.
Por exemplo, o Standard Chartered nota que, segundo os registos históricos, em Janeiro, o excesso de oferta é, em média, de 1,2 mbpd, sendo em 2023 de mais de 3,4 mbpd, mas este Janeiro de 2024 esse excedente não vai além dos 0,3 mbpd.
O que deixa claro que a diferença entre o que o mundo consome e o que tem disponível para queimar se vai derreter num prazo acelerado de uma a duas semanas, até final de Fevereiro, seguramente, onde estará já metamorfoseado num défice de 1,6 mbpd, sendo previsível que, nessa circunstância, o barril volte a disparar para lá dos 90 USD, como sucedeu em Setembro do ano passado.
Alias, casas financeiras como a Goldman Sachs e a JPMorgan, entre outras, não mexeram nas previsões para 2024, mantendo que o barril de Brent vai chegar aos 100 USD, mesmo até aos 120 USD no entender de alguns analistas mais dados ao risco de se enganarem, no primeiro trimestre.
E, para já, quando ainda estamos a meio desse período, aparentemente estão a acertar... Só que, como também bem se sabe, os mercados petrolíferos são o que de mais parecido existe com o tarot... e o melhor é ver para crer.
Mas, para Angola, as contas são simples de fazer...
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 80 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.