Mas isso está longe de ser o mais evidente, porque às 00:01 de 01 de Abril termina o prazo acordado pela OPEP+, a organização que junta os Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e mais 11 produtores não-membros liderados pela Rússia, para manter o actual programa de cortes na produção de 1,7 milhões de barris por dia (mbpd) como ferramenta de controlo dos preços e a Arábia Saudita tem em cima da mesa a ameaça de passar a produzir 12,3 mbpd, a preços de saldo.
Se isso suceder, nada poderá impedir mais uma brutal derrocada no valor do petróleo, que já está a níveis que não se viam desde 2004 - nos 27,51 a meio da tarde de hoje, quinta-feira, 19, mais 3 % que no fecho de quarta-feira mas num dia em que chegou a subir mais de 6% - existindo analistas que sem titubear garantem que nesse contexto o barril vai descer da barreira dos 10 USD em Londres, onde o Brent local serve de referência às exportações angolanas.
Apesar de tanto russos como sauditas estarem a ser pressionados pelos restantes parceiros da OPEP+ para voltarem à mesa das negociações, e tudo poder mudar de um momento para o outro, até porque estes dois países atravessam crises financeiras graves e são, em distintas escalas, petrodependentes, o cenário de guerra de preço parece ser o mais certo quanto chegar o mês de Abril.
O que configurará uma das mais graves crises no sector em décadas, porque se juntariam todos os elementos e mais alguns para desenhar uma tempestade perfeita no mundo do petróleo, com muita oferta - mais quase 5 mbpd sauditas - e pouca procura devido à fragilidade da economia mundial gerada pela pandemia de Covid-19, e anda a desconfiança que levaria aos mercados o facto de os países produtores, contrariando aquilo que sempre fazem, estarem a alimentar a fogueira que já os está a queimar.
Se a economia global só agora está, como advertem vários economistas, a começar o pior período da crise, isto apesar de a China começar a dar sinais de se estar a libertar da pandemia e da crise concomitante, a procura, que já é escassa, poderá ainda diminuir mais, o que torna impossível perspectivar até onde pode o barril de crude descer.
Por exemplo, os EUA, que são ainda o maior consumidor de crude, mas já não importador, devido ao crescimento da sua produção interna, especialmente via fracking, ou petróleo de xisto, está a impor fortes restrições à mobilidade interna por causa da pandemia, o que foi, precisamente, o elemento mais perturbador da economia chinesa no auge da doença neste país, que é o maior importador do mundo da matéria-prima.
E a Europa vai pelo mesmo caminho, com países como Itália, Espanha, França e Alemanha entre os países com mais casos da doença, com dezenas de fronteiras fechadas, fábricas fechadas e mobilidade apertada em todos os países, o que já está a levar algumas casas financeiras a alertar para o risco de uma recessão, tal como pode suceder noutras latitudes.
A tal tempestade perfeita pode acabar com sérios problemas de navegação para as grandes economias mundiais, mas pode ser o naufrágio garantido para as economias petrodependentes, como é o caso da angolana, o que está garantido se em Abril se mantiver o cenário de impasse entre Moscovo e Riade, com milhões de barris de crude a boiar sem ninguém que os queira recolher, mesmo que por uma bagatela.
Há mesmo instituições financeiras que admitem que o mundo se confronte com um excesso de oferta de mais de 13 milhões de barris por dia em Abril, o que levará, seguramente, a uma paragem forçada da produção em vários países, especialmente aqueles que se encontram mais distantes das principais áreas de consumo, sejam a China ou a Europa, com custos conexos mais pesados, como, por exemplo, o transporte, ou ainda por causa da natureza da sua produção, como o pré-sal, que encarece o valor do custo do barril, diminuindo a margem de ganhos para as empresas extractoras, especialmente se se confirmar este "surplus" para o resto do ano, como, por exemplo, o Standard Chartered prevê.
O risco para Angola não está estimado mas existe a possibilidade forte de se repetir o cenário de 2014, quando o barril iniciou a sua queda abaixo dos 100 USD, o que levou a uma debandada pelas multinacionais do offshore nacional ou à colocação de grande parte da infra-estrutura produtiva em stand by, o que está, ainda hoje, a reflectir-se na queda da produção de mais de 1,6 mbpd para menos de 1,4 mbpd, com tendência para diminuir, como alerta a Agência Internacional de Energia (AIE), qaue estima para Angola em 2023 uma produção de 1,29 mbpd.
Esta realidade, dramática para Angola, poderá, paulatinamente, ser revertida se as injecções de bilhões de dólares e euros que os bancos centrais das grandes economias mundiais estão a injectar nos mercados surtirem efeito e a economia ganhar vigor e acelerar o seu crescimento, embora, como advertem vários analistas, como os da Goldman Sachs, isso leve meses a fazer-se sentir.
Um dos exemplos é o do Banco Central Europeu que anunciou a injecção de 750 mil milhões de euros na economia europeia, o que levou a uma importante subida nas bolsas do velho continente, que estavam há semanas a ser, tal como os mercados do petróleo, fustigadas com quedas diárias históricas.