Hoje, em Londres, o Brent voltou a cair, quase 3%, na abertura, longe e sem fazer mossa na escalada de quinta e sexta-feira, mas, ainda assim, importante porque deixa em evidência que as relações entre a Rússia e a Arábia Saudita ainda não voltaram ao normal depois de no início do mês terem iniciado uma violenta guerra de preços após o desacordo quanto ao montante dos cortes da OPEP+ - OPEP mais Rússia e outros 10 produtores "independentes" - para lidar com a acentuada queda nos mercados gerada pela pandemia do novo coronavírus.
Em pano de fundo para esta crise no sector petrolífero, uma das mais graves em várias décadas, está um veneno poderoso composto por três elementos, a pandemia da Covid-19 e a subsequente crise económica mundial, a guerra de preços entre os dois gigantes do crude planetários, a Rússia e a Arábia Saudita, antigos sócios na OPEP+, e ainda o quase atingir do limite máximo da capacidade de armazenamento, as reservas estratégicas, da matéria-prima, por parte das grandes economias mundiais, aproveitando este período de barril barato, o mais barato em quase duas décadas, como sucedeu, por exemplo, a 01 de Abril, quando chegou aos 24 USD.
Mas, foi a partir desse ponto baixo que tudo começou a mudar, entre quinta e sexta-feira da passada semana, com as notícias sobre, primeiro o envolvimento do Presidente dos EUA, Donald Trump, anunciado que estava em conversas com os seus homólogos russo, Vladimir Putin, e o Rei Salman, da Arábia Saudita, no sentido de fazerem um acordo para cortar até 15 milhões de barris por dia (mbpd).
Festa fraca e curta
Mas foi curta a festa, porque Moscovo veio logo garantir que o que Trump tinha dito não fazia sentido, e Riade nem sequer se pronunciou, mostrando a sua indignação com a convocação urgente de uma reunião da OPEP+, que deveria ter lugar hoje mas que os sauditas protelaram para quinta-feira.
E foi este pronuncio de falta de entendimento que levou hoje os mercados a abrirem em baixa, fazendo uma correcção à subida gigantesca do final da passada semana, em que, recorde-se, o barril voltou a ganhar mais de 30 por cento dos quase 65 por cento que perdeu desde o início do ano, por causa da pandemia que desde Dezembro de 2019 invadiu o resto do planeta a partir da China, deixando a casa dos 60 USD para os 24 da semana passada.
Apesar de o cancelamento da reunião de hoje da OPEP+ ter feito soar as campainhas de alarme, de novo, os analistas estão a ser benevolentes com os membros do "cartel" porque os dias a mais antes do encontro vão permitir, sublinham, gerar entendimentos mais sólidos e dar uma resposta o mais coerente possível ao que disse Donald Trump no Twitter, sobre o corte programado por sauditas e russos de mais de 10 mbpd, metade ou mais da produção total dos dois países, o que foi logo entendido como um exagero impossível de ter pernas para andar.
Isto, apesar de ter sido o adiamento do encontro a estar por detrás da queda de mais de 3 por cento no valor do barril, em Londres, para 32,8 USD, cerca das 12:00 de hoje, embora ainda perto dos 35 de limite máximo com que o OGE 2020 vai ser revisto pelo Executivo de João Lourenço, a partir dos anteriores 55, forçado pela crise pandémica e os seus efeitos sobre o valor do barril de petróleo, que vale ainda mais de 90% das exportações nacionais.
Para já, o trabalho de base que está a ser realizado pelos membros da OPEP+ visa, tal como Angola, e outros produtores dependentes das exportações de crude, deseja ardentemente, é garantir condições para que o novo plano de cortes tenha em consideração que, devido à brutalidade da crise, à perspectiva de que esta vai demorar meses ou anos a ultrapassar, mesmo depois de debelada a Covid-19, os cortes terão de ser muito superiores aos que vigoraram até 31 de Março, que eram de cerca de 2 mbpd, incluindo o "bónus" saudita de 400 mil em cima dos oficiais 1,7 mbpd.
Para já, citado pela Reuters, a partir da CNBC, o chefe do fundo soberano russo, Kirill Dmitriev, e um dos homens fortes das negociações em curso entre Moscovo e Riade, já veio garantir que os países estão muito próximos de um acordo que, segundo fontes citadas por vários media especializados, podem chegar ou ultrapassar os 10 mbpd, cerca de 10 por cento da produção planetária de petróleo, situada entre os 90 e os 100 mbpd, embora a crise tenha empurrado a procura para menos 20 mbpd face a este valor.
O que significa que, mesmo sendo de 10 mbpd os cortes a acordar entre a OPEP+, a diferença entre a procura pedida e a oferta, ainda não é suprimida, podendo, todavia, fazer pular os valores irrisórios a que o barril está a ser vendido por estes dias, na casa dos 30 USD.
Mas, como se pode facilmente compreender pela ordem de grandeza dos números em causa, 90 mbps de produção diária, perda de 20 mbpd na procura por causa da crise, um corte de 15 mbpd, como o anunciado por Trump, apenas poderá beliscar o total necessário para repor o equilíbrio.
Mas, o "cisne negro" deste cenário, ou seja, o movimento inesperado e surpreendente, poderá ser a entrada dos EUA - actualmente, e de longe, o maior produtor mundial de crude - que está no pódio com a Rússia e a Arábia Saudita, no acordo de cortes com a OPEP+, o que iria revolucionar de forma total o actual momento histórico, fazendo com que os mercados se possam ir a deparar com uma situação jamais vista, inserindo um potencial de crescimento para o valor do petróleo imprevisível mas, seguramente, muito elevado.
O risco para além da crise
Face ao mais devastador cenário para a indústria petrolífera em pelo menos duas décadas, embora haja quem defenda que nunca, na história do negócio da matéria-prima, foi tão ameaçador como o actual, com a tempestade perfeita no horizonte - brutal crise económica, uma pandemia sem fim à vista, reservas das grandes economias cheias até cima e uma esquisita guerra de preços entre russos e sauditas, poderá levar a uma alteração radical do sector, com a possibilidade de alguns países deixarem mesmo de ter interesse para as multinacionais do petróleo devido aos custos elevados de produção, entre outros factores.
Cyril Widdershoven, um dos mais antigos analistas dos mercados energéticos em actividade, e membro de vários grupos de análise sobre o Médio Oriente, num texto de opinião publicado no site OilPrice, vem lembrar que não há como prever o que vai acontecer, excepto uma vaga enorme de empresas em falência nas indústrias alternativas, como no fracking norte-americano, e de desinvestimento das majors em várias geografias.
"E se a actual crise durar mais alguns meses, vários produtores fora da OPEP vão ver a produção colapsar", adverte este analista, que adianta que nas empresas, os gigantes, como a Shell, a ENI ou a Exxon, não estão ainda em risco, mas muitas das mais pequenas não terão como evitar o desastre, essencialmente porque os investidores estão a sair para se protegerem noutros sectores menos expostos à crise.
E aponta como seguro que seja o que for que venha a ocorrer neste imprevisível cenário, a realidade não voltará a ser a mesma na indústria da energia, com a consolidação e a sobrevivência dos mais robustos a ser a regra nº 1 em curso, "mesmo que os agentes no mercado não queiram muito falar sobre isso".
E o risco acrescido pode chegar, como sugerem vários analistas, da emergência de uma vontade global de aproveitar este momento dramático para o petróleo para investir essencialmente na "transição energética", ou, nota ainda Cyril Widdershoven, o surgimento de ma passagem da detenção do negócio das mãos de privados para os Estados, deixando nas mãos de poucos mas muito ricas entidades o futuro do negocio dos hidrocarbonetos.
E, neste cenário, uma outra realidade emerge como assustadora para os produtores africanos, que é o facto de tanto, por exemplo, Angola como a Nigéria, terem um breakeven muito superior aos produtores do Médio Oriente, que, conseguem extrair, dependendo das fontes, um barril entre 7 a 10 USD, enquanto em Angola, por exemplo, esse breakeven está acima dos 20 USD, tornando o negócio muito arriscado com os preços actuais, a oscilarem entre as casas dos 20 e dos 30 dólares.
Isto, sem esquecer que a menor distância no transporte de crude para as grandes economias importadoras e consumidoras, que são, essencialmente a China e a Europa, depois de os EUA terem conseguido a auto-suficiência energética, dá aos produtores do Médio Oriente uma vantagem suplementar.