A programação deste ano, apesar das carências no que toca "aos apoios regionais à cultura", como destacou a Direcção da Associação Cultural AngraJazz, no livreto distribuído, não apenas confirmou a vocação cosmopolita do evento, mas também propiciou um cartaz de luxo no Atlântico, e reuniu alguns nomes sonantes do Jazz mundial.
Paralelamente, a iniciativa Jazz na Rua animou a capital da Ilha Terceira, a pacata Angra do Heroísmo, de 26 de Setembro a 4 de Outubro, com música em cafés, praças e escolas, envolvendo toda a comunidade; espalhando a música pela cidade.
No entanto, de 2 a 4 de Outubro, o Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo acolheu um programa de excelência. Desde sempre, uma das marcas do Festival tem sido o rigor na escolha dos artistas. Este ano, a programação não se afastou da regra, apesar dos condicionalismos financeiros e muitos outros que sempre existem.
Entre os destaques, alguns dos nomes proeminentes do Jazz contemporâneo, músicos que inovam e exploram novas linguagens sem esquecer o passado e a herança dos mestres, como o lendário saxofonista tenor, um dos nomes do Free Jazz, David Murray, e o colectivo feminino Artemis, liderado pela pianista e compositora canadense Renee Rosnes, com Ingrid Jensen ( trompete), Nicole Glover (sax tenor), Noriko Ueda (contrabaixo) e Allison Miller, em bateria; formação que foi distinguida como "grupo do ano" pela Jazz Journalists Association.
O cartaz equilibrou propostas arrojadas.
A orquestra AngraJazz
E, na primeira noite, à medida as luzes desmaiam, quando os músicos da orquestra iniciam a ocupação dos seus lugares; os saxes, trompetes, trombones; guitarra, piano, contrabaixo e bateria, afinam os respectivos instrumentos, com o toque da pianista Antonella Barletta, a audiência fica a saber que há oitenta (80) anos, Sinatra passou pela Ilha, onde existia a Base americana das Lajes. E cantou...na Terceira.
Com a elegância de um maestro e o swing de um coração inquieto, Frank Sinatra transformou cada canção em pura conversa entre alma e Jazz. Sinatra era o silêncio entre as notas do Jazz - onde a emoção respirava e o tempo se curvava ao charme da sua voz.
Foi assim, com Sinatra na memória, que arrancou o AngraJazz, a orquestra e o convidado João Ribeiro, voz.
Como habitualmente, a orquestra da Ilha Terceira que integra músicos açorianos em colaboração com o instrumentista / cantor João Ribeiro, fruto de muitos anos de trabalho e formação sobre a direcção dos maestros Pedro Moreira e Klaus Nymarck "abriu as hostilidades", como dizem os benguelenses.
Ficam agarradas à alma, algumas versões dessa noite mágica: "Come fly with me", My funny Valentine", "Pennies from heaven", fly me to the moon"...
João Ribeiro esteve sempre em sintonia com o "feeling" dos músicos- com a voz cuidadosamente articulada- em que o tempo se associava ao seu indiscutível swing. Belos momentos.
Bastidores e Resiliência em tempos difíceis
A organização de um concerto, de um evento cultural, enfim...de um Festival é- sempre- um desafio.
Se, em edições anteriores, a logística já era um enorme obstáculo- trazer músicos de várias partes do mundo até ao meio do Atlântico- este ano o cenário tornou-se ainda mais complexo. O furacão Gabrielle, que se abateu sobre os Açores, provocou estragos, cortes de energia e cancelamentos de voos. Foi necessário, como se faz no Jazz, improvisar, face às alterações de última hora: trabalhar depois do sono dos outros, reorganizar planos, transportes e mobilizar técnicos ( e voluntários), em função da meteorologia.
Na Terceira, o Jazz é um pouco mais que uma tipologia musical: é um gesto de confiança, um laço comunitário e uma resposta colectiva, da organização e dos "jazz lovers", aos caprichos da Mãe Natureza.
E, apesar das terríveis ameaças de tempestade, também houve muita dissonância com algumas companhias aéreas. E, na primeira noite do Festival, a segunda banda viajou directamente do Aeroporto das Lajes para o local do concerto! Mas, uma parte significativa do público também soube esperar e resistir. E o saxofonista italiano Stefano Di Battista fez o que lhe competia: desculpou-se em nome das companhias que tocaram fora de tom, desafinaram, agradeceu aos "jazz lovers" resistentes e desatou a tocar como quem se despede. Disse "grazie" várias vezes. Este vosso escriba nunca tinha visto a famosa operação "sound check"( ensaio de som), que se realiza várias horas antes do concerto, ser efectuada com os músicos em palco e em acção!!!! Aiuê. Segundos depois, nada de distorção. Cirurgia acústica de topo em tempo real.
Stefano Di Battista
O saxofonista italiano Stefano Di Battista apresentou o seu mais recente projecto, La Dolce Vita - uma homenagem luminosa à música e ao cinema italianos. Acompanhado do seu quinteto, Di Battista recria temas inesquecíveis de Nino Rota, Nicola Piovani, Paolo Conte e outros mestres, evocando o universo poético de Federico Fellini e Roberto Benigni. Entre o lirismo e a improvisação, o concerto transforma clássicos como La vita è bella, Amarcord e Volare em novas paisagens sonoras, onde o Jazz encontra o espírito da Itália - doce, nostálgica e vibrante. Uma viagem emocional que celebra a beleza do som, da memória e do sonho.
O resultado foi um concerto que soou como uma viagem pelo coração emocional da Itália - uma Itália de sonhos, luz e sombra, humor e melancolia - que o cinema de Federico Fellini e Roberto Benigni eternizou nas suas histórias.
No próximo "AtéJazz" conto-vos, caros leitores, mais estórias com música, mar, e vários calorosos abraços. E adeuses.
AbraçadamenteJazzy.