As coisas nunca, ou quase nunca, são como os mercados anseiam e os gurus do sector petrolífero estimam. Desta vez a razão é clara: as campanhas de vacinação estão a registar atrasos gritantes e a normalidade tarda a chegar... ou até pior quer isso, com a Europa a voltar a confinar grande parte da sua população em vários países devido ao crescente número de infecções.
E, como se sabe muito bem mas quase sempre se procura ignorar esse facto, o mercado do petróleo tem muito a ver com as expectativas e com as finas sensibilidades da oferta e da procura, estando neste momento a esvaziar o barril dos ganhos das últimas semanas que atingiram valores mesmo superiores aos das semanas precedentes do início da pandemia da Covid-19.
O sentimento agora é claramente negativo devido à resiliência do Sars CoV-2 e isso é visível nos gráficos dos principais mercados mundiais, desde logo o Brent, que hoje, perto das 10:00 de Luanda, estava a marcar 64,22 por barril, quase menos 7 USD que o valor máximo deste ano, 71,30 USD, mesmo que por breves instantes. Ou mesmo no WTI, de Nova Iorque, que, à mesma hora, estava nos 60,8 USD, igualmente longe dos máximos do início de Março.
E tudo porque os reconfinamentos europeus, especialmente na Alemanha, França e Itália, estão a gerar receios de que a procura não seja tão célere como se antecipava ainda há duas semanas, mesmo que nos outros dois gigantes económicos, EUA e China, o cenário seja diferente e mais optimista em relação ao controlo da pandemia, com a asiático a indicar uma evolução positiva tanto nas importações de petróleo como no seu sector exportador, incluído a indústria pesada.
Não menos importante, como alguns analistas estão a sublinhar, é o facto de esta situação actual ser resultado, acima de tudo, dos gigantescos cortes na produção acordados entre os 23 países produtores/exportadores que constituem a OPEP+, organismos que agrega os países da OPEP e outros 10 independentes liderados pela Rússia.
Sem esquecer que aos mais de 5 mil milhões de barris por dia (mbpd), a Arábia Saudita tem em curso um corte adicional de 1 mbpd na forma de contributo para fortificar uma estratégia da qual é o principal mentor, por entender que o mercado ainda não está devidamente consolidado para aguentar a sua "libertação" sem que isso possa danificar gravemente o resultado de um esforço que já dura mais de um ano.
Até porque à espreita está o "inimigo público nº1" dos produtores tradicionais: o fracking norte-americano que, aproveitando os preços bastante melhores agora, está a voltar a colocar em funcionamento as suas estruturas, bastante mais pesadas financeiramente, com um breakeven substancialmente superior por barril extraído, mas economicamente viável a partir dos 60/65 USD, o que, em plena produção pode significar mais 5 a 6 mbpd injectados no mercado, o que empurra os preços médios para baixo e pode deitar a perder a estratégia da OPEP+.
Recorde-se que o fracking, ou petróleo de xisto, permitiu aos EUA chegar, em 2019, ao top dos produtores mundiais, com perto de 12,5 mbpd, ultrapassando mesmo a Arábia Saudita e a Rússia.
Mas o "oráculo" já tinha avisado
Este cenário já tinha, no entanto, sido colocado em evidência pelo mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), onde este organismo, um dos mais robustos oráculos para o sector, estima que a procura de petróleo só voltará a ser semelhante ao tempo anterior à pandemia da Covid-19 em 2023 e põe de lado a possibilidade de o sector assistir a um ciclo de forte recuperação nos próximos meses.
Foi como um balde de água fria em cima do sector petrolífero que estava a viver uma espécie de "sonho húmido" com o Brent, em Londres, e o WTI, em Nova Iorque, a baterem recordes, tendo mesmo chegado, em Londres, aos 70 USD por barril, graças aos cortes na OPEP+, ao arranque das campanhas massivas de vacinação mas, essencialmente, por causa do optimismo que se instalou como uma epidemia depois de mais de um ano de aperto e desânimo provocado pela mais forte crise económica em muitas décadas na esteira da Covid-19.
Com a "temperatura" dos mercados a baixar abruptamente devido a um recuo no desanuviamento dos confinamentos na Europa, com o atraso nas campanhas de vacinação por causa da escassa produção de imunizantes, eis que os mercados são surpreendidos com a suspensão da vacinação com a droga da AstraZeneca/Oxford em mais de 20 países em todo o mundo devido ao surgimento de complicações, tromboses, que podem - estão a decorrer estudos para averiguar essa possibilidade - ser resultado da sua toma.
E, para piorar as perspectivas sobre o futuro do sector, os mercados estão igualmente a lidar com informações sobre uma forte retoma das descobertas de novas jazidas de crude, que passam essencialmente pelas Américas, mas também com foco em África, incluindo no offshore e onshore namibianos e Angola, com o poço Ondjaba, da Total, no Bloco 48, que deverá começar a ser perfurado nos próximos meses, batendo um recorde de profundidade, nos 3628 metros.
Está ainda em cima da mesa uma esperada alta no dólar norte-americano face às restantes moedas com uma reunião do Comité Federal dos Mercados do Banco Central (Reserva) dos EUA, e, quando a "moeda franca" ganha valor, o barril baixa no preço.
Angola hoje...
A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.
As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.
Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.
Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.
Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.
Para já, com o barril na casa dos 64 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de mais de 25 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.
O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.
E no que respeita aos futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.
O alerta da Carbon Tracker
Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, citado pela Lusa, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.
Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.
O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.
Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.
A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.